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Mais de cinco horas em court, espectáculo e vitória espanhola. Bem-vindos a Alcaraz vs. Sinner, a rivalidade do futuro

O espanhol Carlos Alcaraz, prodígio de 19 anos que tomou 2022 com o seu jogo fluído, completo, cheio de atitude e fantasia, está pela primeira vez numas meias-finais de um torneio do Grand Slam, depois de bater no US Open o homem com quem promete ter duras batalhas nos próximos anos. Jannik Sinner, 21 anos, italiano nascido a menos de 10 quilómetros da Áustria, responde ao murciano com solidez, equilíbrio e discrição. Alcaraz venceu por 6-3, 6-7(7), 6-7(0), 7-5 e 6-3, após 5 horas e 15 minutos do melhor ténis que o major nova-iorquino viu este ano

Lídia Paralta Gomes

COREY SIPKIN/Getty

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Eles vêm de países da Europa latina, mas não poderiam ser mais distintos. Jannik Sinner, o mais velho, 21 anos feitos no verão, é italiano mas cresceu a falar alemão como primeira língua, aquele cantinho superior direito do território transalpino que beija a fronteira com a Áustria. Ele vem do Tirol do Sul, nasceu em San Candido (ou Innichen em tedesco), a menos de 10 quilómetros da fronteira ítalo-austríaca, e tem ar disso: é alto, esguio, ruivo com sardas a sarapintar-lhe o rosto pálido, os olhos são tranquilos, todo ele é discrição.

Carlos Alcaraz, por seu turno, é fúria. Espanhol do arredores de Múrcia, no sul do país. É um moreno de 19 anos, entusiasmo análogo à idade e que nos últimos meses engordou os músculos agarrados ao osso. O carisma está-lhe estampado no sorriso, nos festejos espirituosos em campo.

Em court, o tirolês que até começou no esqui, desporto-rei naquela parte da Itália, é solidez, fortaleza e eficácia. Uma montanha como aquelas que serviam de pano de fundo à sua infância. O fundo do court é o seu habitat, a esquerda chapada e as bombas inesperadas as melhores armas. Alcaraz é fantasia, mobilidade, um sem número de recursos naquela mão direita, um talento raramente visto.

Curiosamente, os dois opostos são bons amigos fora dos courts.

Tão bons amigos que este ano têm protagonizado algumas das melhores partidas de ténis da temporada. A última na derradeira madrugada, um duelo que durou mais de cinco horas e terminou já com o relógio a bater as três da manhã em Nova Iorque, oito horas por cá. Nunca um encontro havia terminado tão tarde no US Open, o quarto torneio do Grand Slam do ano e depois de salvar um match point Carlos Alcaraz está pela primeira vez nas meias-finais de um major. A possibilidade de se tornar no número um mais jovem da história continua também bem em aberto.


O encontro foi tudo aquilo que se esperava de uma rivalidade que promete ser protagonista da próxima década, quando o big three Nadal, Djokovic e Federer sair de cena. Intenso, cheio de luta, com pontos mágicos, o melhor que se viu este ano em Flushing Meadows.

Carlos Alcaraz, o prodígio que escolheu 2022 para explodir e desatar a recolher recordes de precocidade, tem tido em Sinner uma espécie de kryptonita esta temporada. O italiano bateu-o na 4.ª ronda de Wimbledon e roubou-lhe o título em Umag, torneio 250 de terra batida na Croácia. Desta vez, num embate que valia uma presença nas meias-finais, Alcaraz entrou melhor, vencendo o primeiro set por 6-3. No segundo parcial teve cinco set points para passar a vantagem para 2-0, mas Sinner empatou tudo no tie-break. No terceiro, ao falhar a oportunidade de fechar no seu serviço, começou o período mais difícil para o espanhol. Sinner voltou a ser mais forte no tie-break, colocou-se na frente e parecia repetir-se a história dos dois últimos encontros entre ambos.

Mas as grandes rivalidades são feitas de jogos épicos, de voltas e reviravoltas. E quando o 11.º cabeça de série parecia estar por cima, a fúria de Alcaraz apareceu de novo no Arthur Ashe Stadium. O italiano chegou a ter match point com o marcador em 5-4, mas o espanhol emplacou três jogos seguidos para fechar em 7-5 e levar tudo para um decisivo 5.º set, onde Sinner teve um break à maior, permitindo nova recuperação de Alcaraz. O relógio parou às cinco horas e quinze minutos de encontro e, com 6-3 no último set, Alcaraz prevaleceu, pela primeira vez em 2022. No total, o histórico de duelos entre os dois miúdos está agora em 2-2: no primeiro, no Masters de Paris do ano passado, venceu o murciano.

A alegria e a desilusão

Com esta vitória, Carlos Alcaraz afastou alguns demónios e tornou-se no semifinalista mais jovem do US Open desde Pete Sampras em 1990. Ainda incrédulo com tudo o que havia acontecido nas cinco horas anteriores, o espanhol não teve a mesma destreza para encontrar palavras do que costuma ter com a raqueta na mão. “Honestamente, ainda nem sei como é que fiz isto. O nível a que joguei, o nível do encontro. Ténis de alta qualidade. É inacreditável”, frisou, deixando elogios ao rival e amigo. “O Sinner é um grande jogador e pudemos ver aqui o seu nível”.


COREY SIPKIN

Mais tarde, no Instagram, o espanhol escreveria as palavras que carimbam o quão interessante poderá ser esta rivalidade no futuro: “Batalha incrível, Jannik. Forças-me verdadeiramente a melhorar e tenho a certeza que vamos ter muitos mais encontros no futuro”. Sinner, desolado na conferência de imprensa, colocou a derrota desta madrugada no topo daquelas que mais lhe custaram. “Já tive derrotas duras, mas esta é a primeira da lista. É uma derrota que me vai doer por muito tempo”, disse, prometendo, no entanto, “tentar levar as coisas de uma forma mais positiva” depois de descansar, dormir e digerir melhor a saída do US Open.

Nas meias-finais, outro encontro que promete espectáculo, com Alcaraz a jogar em Frances Tiafoe, o exuberante norte-americano, número 26 do ranking, que derrotou Rafael Nadal nos oitavos de final e Andrey Rublev nos quartos, naquela que tem sido a sua melhor prestação em torneios do Grand Slam. E ao contrário do que tem sido comum, o espanhol terá o público contra si. Mas com a motivação de se acercar mais a um primeiro título major e à liderança do ranking mundial. Tal acontecerá se o murciano vencer o US Open, mas outras combinações de resultados poderão colocá-lo no topo já na próxima segunda-feira, desde logo se o norueguês Casper Ruud for eliminado nas meias-finais por Karen Khachanov.


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    Jannik Sinner pode ter apenas 20 anos, mas o seu corpo longilíneo e aparentemente frágil esconde uma maturidade muito além da sua idade. Tem a consciência do trabalho necessário para ser “um grande nome da modalidade”, apesar de não gostar da pressão acrescida. O italiano, que lidera a sua seleção a partir desta quinta-feira, nas finais da Taça Davis, continua extremamente focado no seu próprio caminho, sempre com os pés bem assentes na terra, como os seus pais lhe ensinaram

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    O sérvio diz que vê muito de si no jogo de Jannik Sinner e durante dois sets o italiano que cresceu a falar alemão no Tirol do Sul serviu-lhe do seu próprio veneno, com um jogo sólido que abriu o campo e manietou o primeiro cabeça de série. O susto acordou Djokovic, obrigado a ir buscar o melhor do seu jogo e do seu físico para vencer a batalha em cinco sets, com parciais de 5-7, 2-6, 6-3, 6-2 e 6-2

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    Com o público de volta e um court central renovado, já com teto amovível, Roland Garros guardou a sessão noturna de domingo para ver o novo prodígio do ténis, Carlos Alcaraz. Reportagem no primeiro dia do Grand Slam da terra batida, o mais pequeno dos majors que permite outra proximidade entre fãs e tenistas

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    Ganhou ao número um, dois e quatro do ranking em jogos seguidos, em Madrid, mas esta série está longe de encapsular o que já é Carlos Alcaraz. Aos 19 anos e três dias, o espanhol ganhou o segundo torneio Masters da época, destruindo com os seus músculos, pancadas-martelo e amortis feitos como se nada fosse quem lhe apareceu do outro lado da rede. Não se trata de estarmos a testemunhar o futuro do ténis: o presente já o tem como um dos melhores do mundo, sem que alguém ouse balizar-lhe a evolução. A próxima paragem é Roland Garros

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    O jovem espanhol de 18 anos ultrapassou uma maratona de 3h41 na manhã deste domingo frente a Alex de Minaur, para horas depois conquistar o ATP 500 de Barcelona, que lhe garante a entrada no top 10 do ranking mundial. A 24 de abril de 2005 tinha sido um tal de Rafael Nadal, também com 18 anos, a vencer o torneio catalão e a entrar horas depois nos 10 melhores do mundo. Nesse ano, Nadal venceu Roland Garros. Irá Alcaraz manter o paralelismo?

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    O tenista espanhol tornou-se aos 18 anos e 333 dias no mais jovem de sempre a vencer o Masters 1000 de Miami, o seu primeiro desta categoria, confirmando a cada semana que é a grande esperança do ténis mundial para os próximos anos. E não tem medo de dizer que se vê "preparado para ganhar um torneio do Grand Slam" já este ano