Eles vêm de países da Europa latina, mas não poderiam ser mais distintos. Jannik Sinner, o mais velho, 21 anos feitos no verão, é italiano mas cresceu a falar alemão como primeira língua, aquele cantinho superior direito do território transalpino que beija a fronteira com a Áustria. Ele vem do Tirol do Sul, nasceu em San Candido (ou Innichen em tedesco), a menos de 10 quilómetros da fronteira ítalo-austríaca, e tem ar disso: é alto, esguio, ruivo com sardas a sarapintar-lhe o rosto pálido, os olhos são tranquilos, todo ele é discrição.
Carlos Alcaraz, por seu turno, é fúria. Espanhol do arredores de Múrcia, no sul do país. É um moreno de 19 anos, entusiasmo análogo à idade e que nos últimos meses engordou os músculos agarrados ao osso. O carisma está-lhe estampado no sorriso, nos festejos espirituosos em campo.
Em court, o tirolês que até começou no esqui, desporto-rei naquela parte da Itália, é solidez, fortaleza e eficácia. Uma montanha como aquelas que serviam de pano de fundo à sua infância. O fundo do court é o seu habitat, a esquerda chapada e as bombas inesperadas as melhores armas. Alcaraz é fantasia, mobilidade, um sem número de recursos naquela mão direita, um talento raramente visto.
Curiosamente, os dois opostos são bons amigos fora dos courts.
Tão bons amigos que este ano têm protagonizado algumas das melhores partidas de ténis da temporada. A última na derradeira madrugada, um duelo que durou mais de cinco horas e terminou já com o relógio a bater as três da manhã em Nova Iorque, oito horas por cá. Nunca um encontro havia terminado tão tarde no US Open, o quarto torneio do Grand Slam do ano e depois de salvar um match point Carlos Alcaraz está pela primeira vez nas meias-finais de um major. A possibilidade de se tornar no número um mais jovem da história continua também bem em aberto.
O encontro foi tudo aquilo que se esperava de uma rivalidade que promete ser protagonista da próxima década, quando o big three Nadal, Djokovic e Federer sair de cena. Intenso, cheio de luta, com pontos mágicos, o melhor que se viu este ano em Flushing Meadows.
Carlos Alcaraz, o prodígio que escolheu 2022 para explodir e desatar a recolher recordes de precocidade, tem tido em Sinner uma espécie de kryptonita esta temporada. O italiano bateu-o na 4.ª ronda de Wimbledon e roubou-lhe o título em Umag, torneio 250 de terra batida na Croácia. Desta vez, num embate que valia uma presença nas meias-finais, Alcaraz entrou melhor, vencendo o primeiro set por 6-3. No segundo parcial teve cinco set points para passar a vantagem para 2-0, mas Sinner empatou tudo no tie-break. No terceiro, ao falhar a oportunidade de fechar no seu serviço, começou o período mais difícil para o espanhol. Sinner voltou a ser mais forte no tie-break, colocou-se na frente e parecia repetir-se a história dos dois últimos encontros entre ambos.
Mas as grandes rivalidades são feitas de jogos épicos, de voltas e reviravoltas. E quando o 11.º cabeça de série parecia estar por cima, a fúria de Alcaraz apareceu de novo no Arthur Ashe Stadium. O italiano chegou a ter match point com o marcador em 5-4, mas o espanhol emplacou três jogos seguidos para fechar em 7-5 e levar tudo para um decisivo 5.º set, onde Sinner teve um break à maior, permitindo nova recuperação de Alcaraz. O relógio parou às cinco horas e quinze minutos de encontro e, com 6-3 no último set, Alcaraz prevaleceu, pela primeira vez em 2022. No total, o histórico de duelos entre os dois miúdos está agora em 2-2: no primeiro, no Masters de Paris do ano passado, venceu o murciano.
A alegria e a desilusão
Com esta vitória, Carlos Alcaraz afastou alguns demónios e tornou-se no semifinalista mais jovem do US Open desde Pete Sampras em 1990. Ainda incrédulo com tudo o que havia acontecido nas cinco horas anteriores, o espanhol não teve a mesma destreza para encontrar palavras do que costuma ter com a raqueta na mão. “Honestamente, ainda nem sei como é que fiz isto. O nível a que joguei, o nível do encontro. Ténis de alta qualidade. É inacreditável”, frisou, deixando elogios ao rival e amigo. “O Sinner é um grande jogador e pudemos ver aqui o seu nível”.
COREY SIPKIN
Mais tarde, no Instagram, o espanhol escreveria as palavras que carimbam o quão interessante poderá ser esta rivalidade no futuro: “Batalha incrível, Jannik. Forças-me verdadeiramente a melhorar e tenho a certeza que vamos ter muitos mais encontros no futuro”. Sinner, desolado na conferência de imprensa, colocou a derrota desta madrugada no topo daquelas que mais lhe custaram. “Já tive derrotas duras, mas esta é a primeira da lista. É uma derrota que me vai doer por muito tempo”, disse, prometendo, no entanto, “tentar levar as coisas de uma forma mais positiva” depois de descansar, dormir e digerir melhor a saída do US Open.
Nas meias-finais, outro encontro que promete espectáculo, com Alcaraz a jogar em Frances Tiafoe, o exuberante norte-americano, número 26 do ranking, que derrotou Rafael Nadal nos oitavos de final e Andrey Rublev nos quartos, naquela que tem sido a sua melhor prestação em torneios do Grand Slam. E ao contrário do que tem sido comum, o espanhol terá o público contra si. Mas com a motivação de se acercar mais a um primeiro título major e à liderança do ranking mundial. Tal acontecerá se o murciano vencer o US Open, mas outras combinações de resultados poderão colocá-lo no topo já na próxima segunda-feira, desde logo se o norueguês Casper Ruud for eliminado nas meias-finais por Karen Khachanov.