Diz-se do ténis feminino que é mais efémero, que as dinastias não duram, que os prodígios não se tornam certezas. Mas há uma constante quando nele pensamos, uma constante que jogou em quatro décadas, que ganhou em todas as superfícies, que mudou o paradigma.
Uma constante chamada Serena Williams.
Mas no próximo ano a constante deixará de o ser. Numa carta publicada na revista “Vogue”, a tenista norte-americana anunciou que as próximas semanas serão as últimas da sua carreira profissional. Não fica claro no texto, mas presumivelmente Serena dirá adeus no US Open, palco da sua primeira vitória em torneios do Grand Slam, em 1999, quando era uma adolescente de 17 anos. Daí até ao Open da Austrália de 2017, que venceu grávida de dois meses da filha Olympia, foram 23 títulos em majors, algo que nenhuma mulher ou homem na era moderna conseguiram alcançar.
Serena Williams não fala em “retirada” mas sim em “evolução”. A sua vida vai evoluir do ténis que durante tanto tempo foi pedra fulcral no seu dia a dia para uma maior dedicação à família e negócios. A norte-americana quer voltar a ser mãe e a vontade de o fazer sem o peso da competição nos seus ombros foi decisivo para, prestes a completar 41 anos, anunciar o adeus.
“Acreditem, nunca quis escolher entre o ténis e a família. Não acho que seja justo. Se eu fosse homem, não estaria a escrever isto porque poderia estar a jogar enquanto a minha mulher estaria a expandir a família”, desabafa a jogadora. “Talvez fosse uma espécie de Tom Brady se tivesse essa oportunidade”, diz, referindo o jogador de futebol americano que aos 45 anos continua a ser uma das estrelas da modalidade. Mas, com quase 41 anos, “algo tem de ficar para trás”, sublinha Serena. E para trás vai ficar o ténis.
“Para trás” será uma força de expressão, porque será impossível falar de ténis nas próximas décadas sem referir Serena Williams, que assume que a retirada é algo doloroso, que a deixa “com um desconfortável nó na garganta”. Apesar de tudo o que ganhou, “não há felicidade” neste adeus, refere na carta. “Eu sei que isto não é a coisa mais normal de se dizer, mas sinto uma enorme dor”, confessa.
ADAM DAVY/Getty
A contas com lesões, Williams pouco ou nada tem jogado no último ano e meio. Voltou aos courts em Wimbledon, caindo na 1.ª ronda. Na segunda-feira voltou finalmente aos triunfos, ao bater a espanhola Nuria Parrizas Diaz por 6-3 e 6-4 no National Bank Open, em Toronto, no Canadá. Desde o Roland Garros de 2021 que Serena não sabia o que era uma vitória em court.
“Infelizmente, não estava preparada para vencer em Wimbledon este ano. E não sei se estarei para vencer em Nova Iorque. Mas vou tentar. Os torneios que vão anteceder o Open dos Estados Unidos vão ser divertidos”, escreve. Divertidos e possivelmente uma espécie de tour de despedida da maior tenista das últimas décadas, para quem será agora impossível chegar ao recorde absoluto de títulos do Grand Slam, uma ideia que paira desde 2017, quando venceu o seu sétimo título em Melbourne, no Open da Austrália. Mais que ela só mesmo a australiana Margaret Court, cujas 24 conquistas estão divididas entre tempos antigos e a Era Open.
“Estaria a mentir se dissesse que não queria esse recorde. Obviamente que o queria. Mas no dia a dia não penso nisso”, assume. Tal como assume que sim, talvez esse pensamento lhe tenha pesado nos últimos anos, quando teve oportunidade de ultrapassar Court em quatro finais em torneios do Grand Slam que perdeu. “Mas, por estes dias, se tiver de escolher entre aumentar o meu currículo no ténis e aumentar a família, escolho o último”.
Para acabar, a atleta que, para lá dos 23 títulos em torneios do Grand Slam tem quatro medalhas de ouro olímpicas e 73 títulos em torneios WTA, frisa que quer que a relembrem como “algo maior do que o ténis”, lançando como exemplo um dos seus ídolos, Billie Jean King: “Eu admiro-a porque ela transcende o desporto”.
“Vou sentir falta desta versão de mim, da miúda que jogava ténis. E vou sentir falta de vocês”, remata, referindo-se aos que nas bancadas sofreram e entusiasmaram-se com ela, com aquele ténis potente, intenso e incisivo, que mudou tudo o que acreditávamos ser o ténis feminino, que abriu as portas a outras como ela, que em Serena tiveram a sua maior influência.