Farrusco e invernal, o dia desconvida a passeios. O azul do céu sumiu para trás de carregadas nuvens cinzentas e o vento sopra forte de sul, por vezes de sudoeste, varrendo Peniche com uma intempérie que a mantém apenas como um lugar, um mero sítio, quando deveria estar a usufruir do seu primeiro dia como epicentro da mais importante competição de surf que existe. “Temos um onshore super forte, com ventos que são dos piores para Supertubos”, lamenta, ao raiar da manhã, Renato Hickel, o diretor das competições da World Surf League (WSL) que adia o começo da prova para sexta-feira.
Sempre refém da natureza, o MEO Rip Curl Portugal Pro estaciona na praia mais uma vez, como o faz desde 2009. Sem mar que ajeite ondas com feitio adequado para se largar ao mar os e as surfistas do Championship Tour (CT), o lugar é um gigante botão de pause: as roulottes de comida fechadas e alinham-se na estrada de terra paralela às dunas; os lugares de estacionamento reservados aos surfistas órfãos de carros; as tendas dos patrocinadores fechadas, com o frenético plástico a bailar com o vento; os poucos curiosos que ali passeiam, agasalhados, sem rumo; os papeis amarelos postos nos pára-brisas dos carros, a publicitarem um restaurante da zona logo no dia mais despido de gente.
Nada que desanime Francisco Spínola, hoje diretor-geral da World Surf League (WSL) para a Europa, África e Médio Oriente, mas responsável, em 2009 e como empresário independente, por fazer de Portugal de novo uma paragem para o circuito. Entretanto, já teve três filhos, ganhou fios de cabelo grisalhos e mais rugas na cara queimada pelo sol, mas não stressa como dantes. Nem por ver um Ítalo Ferreira a sair do hotel onde a conversa decorre, rumo ao mar agreste, desordenado e feio para treinar em vez de estar já a competir nas ondas tubulares que o evento acostumou os surfistas. Francisco vê o quadro geral das coisas: explica que, com o este evento “quebrou a sazonalidade” do turismo e está a fazê-lo outra vez, e revela como vem aí novo estudo para mostrar o impacto económico do surf na região.
Um lay day, ainda por cima logo ao primeiro dia do evento, é a pior notícia que poderias ter?
Não, por acaso não. Nem pensar, não é de todo a pior notícia, até porque o período de espera serve exatamente para isso, não é só para estar no papel. Nós sabemos que termos um número limitado de dias para fazer o evento e, dentro da janela possível, tentar fazer. Claro que é bom, especialmente nestes primeiros rounds em que ninguém perde ainda, ligar a máquina e pôr o campeonato a rolar, mas quando as condições não permitem não vale a pena estar a forçar uma coisa quando ainda por cima sabemos que as condições que aí vêm são potencialmente melhores. E claro que não dá para dizer isto de peito cheio porque estamos em Peniche, ao fim de 13 edições sabemos perfeitamente que previsões aqui são de dois, três dias no máximo, portanto é andarmos aqui a ver o que é que conseguimos fazer.
Quando, na primeira ou segunda edição, um dia destes acontecia logo ao início, stressavas mais?
Muito mais, claro. Para já, quando começámos isto a equipa era super reduzida e havia muito menos gente, muito menos patrocinadores e muito menos experiência também da nossa parte. Entretanto, desde que comecei a fazer o campeonato tive três filhos, um deles já é adolescente, portanto é fácil começares a relativizar os problemas, como é normal. Agora, sabemos também que é a experiência, sabemos que não vale a pena estar nem over excited [entusiasmado em demasia] quando temos uma previsão muito boa, nem nos mandarmos completamente abaixo quando temos uma previsão menos boa ou má, mesmo. É seguir dia a dia para ver. Tenho a certeza que hoje [quarta-feira] a decisão foi a melhor decisão que podíamos ter tomado, porque a única coisa que poderíamos eventualmente ter feito era ter passado a prova para outro sítio, o que claramente não é uma situação que esteja em cima da mesa num primeiro dia, ninguém vai mexer num campeonato do primeiro dia, é uma situação de recurso. Os surfistas vêm cá para surfar Supertubos, para surfar altas ondas no outro lado.