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Entrevista a Francisca Veselko, a nova campeã mundial júnior que avisou ao que vinha: “Não tenho medo nenhum de ir contra elas”

Em criança, chegou a estar anos sem querer saber do surf devido a um susto que apanhou, mas, aos 9, começou a competir. Nove voltas ao sol depois, Francisca Veselko é campeã nacional sub-18 e sénior, feito que conseguiu quase no mesmo fim de semana. A mãe foi professora de surf, o pai surfou pelos EUA e, à Tribuna Expresso, a dona destes títulos garante que agora vai trabalhar para entrar no circuito mundial. E também quer surfar nos próximos Jogos Olímpicos, em Teahupo'o, no Taiti. Republicamos esta entrevista, publicada em setembro de 2021, após a surfista conquistar o título mundial júnior

Diogo Pombo

Kenny Morris/WSL

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O convite surgiu e, porque não? Estava de férias da escola e aproveitou-as para cruzar o charco e ir ter com o pai à Califórnia, a costa mais distante dos EUA. O código da vestimenta exigia que se ornamentasse de preto e a recém-adolescente lá foi, com o loiro cabelo clarificado pela mistura de sol e mar. Nessa tertúlia festiva estava Stephanie Gilmore, campeã das campeãs, então com seis dos seus sete títulos mundiais, por cujo surf Francisca Veselko era, e é, "apaixonada".

Era recém-adolescente e o "momento fixe" proporcionou-se. A imberbe surfista pousou com um sorriso pasmado, colar apertado no pescoço, os dedos indicador e médio da mão a replicarem o símbolo que a australiana, mais descontraída com a sua face risonha, também apontava para a fotografia. "Adoro o estilo e o lifestyle dela", resume Francisca, rebobinando a memória até ao encontro de 2017. Tinha 14 anos e não os 18 com que está no paredão da Praia de Carcavelos, em Cascais, encostada com a mochila e a prancha a uma parede, numa manhã de sábado, quando já partilha mais do que a cabeleira loira com a surfista que admira.

Apesar dos oceanos cheios de tudo o que há entre elas em vida feita com os pés plasmados em pranchas — voltou a coincidir com Stephanie em Peniche, há dois anos, no Rising Tides, em que a World Surf League junta jovens promessas locais com atletas do circuito mundial, e "foi incrível" —, é na convivência com a australiana e as demais melhores mulheres que o surf tem que Francisca quer estar. Nunca competiu contra alguma das que estão no Championship Tour (CT) feminino, primeiro terá de fazer pela vida nas provas do Qualification Series (QS), "mas não [tem] medo nenhum de ir contra elas".

JORGE MATRENO

O assunto parece precoce. Francisca Veselko ainda tem idade de liceu, o dia dá a Carcavelos ondas cuja religião é a mansidão, o cenário é o oposto, por exemplo, ao que se viu em Lower Trestles, no país de nascimento e residência do pai, no dia em que os títulos mundiais de surf foram decididos em ondas absurdamente boas. "Penso imenso: se quero estar no CT, como é que vou estar nervosa com pessoas do QS? É só acreditares em ti e dares tudo", diz a surfista, falando em crenças. No início deste ano, até nem lhe passava muito pela cabeça ser ter a condição em que hoje fala.

Francisca Veselko é campeã nacional de surf e, aos 18 anos, juntou o maior título que uma mulher pode conquistar em Portugal ao estatuto de bicampeã portuguesa de sub-18. Em três dias, ganhou ambos: o primeiro a competir em Viana do Castelo, o segundo a meio do dia, quando ainda lá estava e "algumas pessoas" lhe disseram que Carolina Mendes, a segunda classificada da Liga MEO feminina, recebera um convite para o Challenger Series de Huttington Beach, nos EUA. É a primeira de cinco etapas que valem pontos para o QS e as datas impedem que a adversária fique em Portugal para a derradeira prova do circuito nacional.

Ser campeã com esta idade deixa-a contente. Tê-lo sido da maneira que foi é outra história. "Não digo que não seja merecido, porque tive um ano bastante consistente, mas sem dúvida que queria mesmo disputar o título na praia e ser ainda mais especial", explica Francisca. Nas cinco etapas realizadas, nunca ficou fora do pódio, mas tão pouco venceu alguma - "gostava muito de ganhar a última e finalizar o ano à grande", acrescenta, com a genuinidade simples de quem levou "tudo com calma" e manteve "as rotinas todas" durante o ano.

Igualado o feito de juntar o título júnior ao sénior que só Teresa Bonvalot lograra, Francisca agora quer canalizar a genética surfística para onde é mais difícil.

D.R.

Porque entrar no CT implica tudo o que competir apenas em Portugal não oferece: cruzar fronteiras constantemente, surfar contra perícias que falam outras línguas, enfrentar outro tipo de nível e gastar euros atrás de euros em viagens e hotéis. "Neste momento, os meus patrocinadores também não são suficientes para fazer os eventos todos, mas, como vou também ganhando prizes money, aproveto para juntar e invistir o dinheiro", reconhece. A vida de Francisca "não é só surf, surf, surf", mas tenta "poupar para ir competindo no máximo número de etapas possível".

Entrar no CT implica tudo o que competir apenas em Portugal não oferece: cruzar fronteiras constantemente, surfar contra perícias que falam outras línguas, enfrentar outro tipo de nível e gastar euros atrás de euros em viagens e hotéis. "Neste momento, os meus patrocinadores também não são suficientes para fazer os eventos todos, mas, como vou também ganhando prize money, aproveito para juntar e investir o dinheiro", reconhece. A vida de Francisca "não é só surf, surf, surf", mas tenta "poupar para ir competindo no máximo número de etapas possível" com o que os genes lhe deram.

Porque a mãe era professora de surf, no seu tempo ganhadora de etapas do circuito nacional e chegou a representar Portugal em competição. Tal como o pai de Francisca fez pelos EUA. "Desde pequenina que os via a surfar, ia com eles para a praia", conta, até ao dia em que um susto a submergiu no receio. Uns amigos estavam a empurrá-la para as ondas numa softboard e ficou presa debaixo da prancha: "Era tão nova que não conseguir tirá-la de cima e fiquei algum tempo submersa, super assustada. Disse que nunca mais queria voltar a surfar". A reclusão ainda "durou uns anos", mas, vendo a mãe sempre de volta do mar, aos 8 voltou e aos 9 começou a competir.

Nenhum dos progenitores a treina hoje em dia - o pai também chegou a competir pelos EUA - e mãe que, outrora, usufruía da mordomia de deixar as sobras de ondas para a filha, é hoje quem recebe a viagem de volta do bumerangue. "É engraçado, porque a minha mãe sempre me deu ondas e hoje em dia sou eu que lhe dou. Ela já surfa pouco e quando vem comigo até a ajudo, empurro-a e até lhe dou dicas", brinca, fazendo a descrição da evolução natural dos tempos.

E quando tiverem passado cerca de três anos a partir do dia em que esta conversa decorre em pé, com vista para o mar de Carcavelos, os Jogos Olímpicos estarão a colocar gente a surfar outra vez. A edição de Paris, em 2024, vai deslocar os humanos bípedes em cima de pranchas para Teahupo'o, no Taiti, onde a natureza congeminou uma das mais pesadas massas de água salgada que o rebenta no planeta. Além de entrar no CT, Francisca Veselko também quer lá estar e terá que se qualificar, mas já matuta mais à frente - "já estou a pensar que, mais cedo ou mais tarde, tenho de ir para o Havai ou sítios mais pesados, como a Pedra Branca em Portugal, por exemplo, para treinar".