Perfil

Seleções

Kika Nazareth, dos dias passados no “bunker” à estreia no Euro: “Poderia continuar de cama, mas acreditaria nelas”

Ainda condicionada fisicamente, a jovem entrou aos 77' da partida contra a Suíça para disputar o "jogo mais intenso" da sua carreira. Kika acredita que Portugal teve uma segunda parte "excelente" e que "se calhar" não conseguiu a reviravolta por "falta de frieza"

Pedro Barata, enviado ao Euro 2022

Jan Kruger - UEFA/Getty

Partilhar

A única coisa que Kika Nazareth esconde são as suas intenções no campo, onde faz uso da subtil arte do engano para iludir as rivais. Fora dele, a jovem de 19 anos é transparente, direta, frontal, e nada disso muda minutos depois da sua primeira partida num Europeu a nível sénior. Na zona mista da Leigh Sports Village, em conversa com a Tribuna Expresso, Kika começa por mostrar que ainda tem "a boca toda rebentada", sequelas da amigdalite que a atormentou desde que, na segunda-feira (4 de junho), a seleção nacional chegou a Manchester.

Por ainda não estar nas suas melhores condições físicas, a criativa começa o Portugal-Suíça no banco. A fama de Kika parece já ter chegado a Inglaterra, já que o speaker do estádio, antes do apito inicial, refere que a ainda adolescente é a "estrela ascendente do futebol português". Mas esse talento começa por ver o encontro no banco, só saindo de lá aos 77 minutos.

No pequeno corredor que serve de zona mista em Leigh, Kika é das mais solicitadas, revelando mesmo alívio por não ter de voltar a responder em inglês. Do que assistiu estando no banco, a jogadora acha que Portugal entrou "mais nervosa" por estar "neste contexto", o qual "não é novo, mas também não é completamente habitual". Aos cinco minutos, a seleção nacional já perdia por 2-0, mas a segunda parte foi "excelente", classifica Kika, que festejou os golos de Diana Gomes e Jéssica Silva abraçada a Telma Encarnação e Fátima Pinto, que com ela estiveram boa parte da etapa complementar a aquecer.

Aos 77 minutos, a jogadora do Benfica entrou em campo, tempo suficiente para combinar um par de vezes com Telma e aproximar Portugal do golo do triunfo. Para Kika, "entrar é muito mais difícil do que começar de início" e, desta feita, tocou-lhe participar no "jogo mais intenso" da sua carreira, confessa à Tribuna Expresso numa altura em que, do outro lado da parede, várias crianças se aproximam do autocarro de Portugal para conseguirem alguma recordação das jogadoras.

Jan Kruger - UEFA/Getty

Participar no primeiro jogo do Grupo C era, ainda há poucos dias, um horizonte distante para a centrocampista ofensiva. Durante a maior parte da semana, Kika diz ter "vivido numa cama", brincando as companheiras com ela ao dizerem-lhe que "estava num bunker": "Foi uma semana chata, porque só hoje [sábado] é que me apercebi de que estava, de facto, num Europeu, porque só ontem tive a possibilidade de treinar. Foi complicado estar sempre de fora a vê-las... Parecia que estava afastada do resto da equipa", comenta.

Kika fala intercalando frases e ideias como conjuga gestos técnicos, sempre com uma energia de alta rotação — por isso vê-la, na quinta-feira, agasalhada e parada num canto da pequena bancada do campo de treinos onde a seleção trabalha na academia do City foi visão tão estranha — e faz uma pausa para dizer que "teve problemas de saúde", mas "atenção", porque há "coisas muito piores".

No geral, a segunda mais jovem das 23 presentes no Europeu acredita que, "coletivamente", a seleção foi "excecional", com uma "segunda parte excelente". Ainda assim, Nazareth entende que, "se calhar", Portugal não conseguiu a reviravolta por "falta de frieza".

Mesmo perante a forte hipótese de não ter estado apta para entrar em campo contra a Suíça, a jogadora manteria a fé nas suas colegas: "Poderia continuar de cama, mas acredito nelas. Não é uma jogadora, é a equipa toda", sublinha, olhando, em simultâneo, para o futuro, ao avisar que "temos mais dois jogos pela frente" que, "se deus quiser", até podem ser "mais um, ou dois, ou três".

O conforto e elaboração das respostas de Kika levam a que, à medida que vai falando, outras colegas passem pela zona mista. Diana Gomes e Diana Silva são as duas últimas, ficando só Kika. Para a segunda partida, contra os Países Baixos, Kika assegura "não pensar" na titularidade, porque "quem está dentro dá a vida por quem está fora e quem está fora dá a vida por quem está dentro". E volta a reiterar que "o que importa é a atitude", algo que Portugal "tem mais do que qualquer outra equipa".

"Sabemos de onde viemos, mas é aqui onde queremos estar melhor. Vamos jogar contra duas equipas do top 3 ou top 5 [Países Baixos e Suécia], temos noção do que temos à frente, mas vamos confiantes. Somos Portugal e acabamos sempre por jogar à Portugal", atira Kika, saindo do pequeno corredor em direção ao autocarro da seleção ouvindo votos de melhoras.