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Cristiano deixou um colega a suar, fez sorrir o treinador e ouviu língua portuguesa: assim foi a apresentação no Al-Nassr

Cristiano Ronaldo, de 37 anos, foi esta tarde apresentado no Al-Nassr, o líder do campeonato saudita. Primeiro, na sala de imprensa, depois no balneário e a seguir no relvado, onde assinou e bateu bolas para a bancada. “O meu trabalho na Europa está feito, ganhei tudo, joguei nos maiores clubes. Agora é um novo desafio”

Hugo Tavares da Silva

Yasser Bakhsh

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Depois da apresentação na sala de imprensa, Cristiano Ronaldo caminhou até ao balneário onde esperavam os colegas. Estava de fato cinzento, colete e gravata azul, menos tenso do que à chegada ao estádio do Al-Nassr. Como por magia, surgiu equipado. Waleed Abdullah, um guarda-redes experiente, deu-lhe as boas-vindas. O português brincou e disse-lhe que até ficou a suar. Abdullah, um graúdo de 36 anos, ficou meio sem jeito e riu. A seguir, o português prometeu tratar do que faltava tratar rapidamente para irem todos treinar.

Uma hora e tal antes, com a banda sonora saída da garganta de um senhor com a amarela camisola 7, o estádio do Al-Nassr ia-se enchendo de entusiasmo, esvaziando as cadeiras vagas. Havia muitos carros lá fora, luzes e pessoas a caminhar rumo ao que parecia ser um dia filho da ficção científica. Cristiano chegou pelas 16h08, mais três na capital da Arábia Saudita. Com presidente e vice do clube a fazerem uma espécie de visita guiada, notava-se a estridente ausência: Jorge Mendes. A relação com o empresário de sempre parece estar rota.

O capitão da seleção portuguesa chega ali depois de não ter sido muito feliz no Campeonato do Mundo, tendo até perdido o lugar para Gonçalo Ramos, algo considerado impensável antes do torneio começar. Pouco antes de viajar para o estágio, Cristiano deu uma polémica e arrasadora entrevista a Piers Morgan.

Voltando à sala de imprensa, antes da viagem até ao balneário e ao relvado, onde o esperavam cerca de 30 mil adeptos, o português foi apresentado como “o melhor jogador do mundo”. Ao lado, o presidente e Rudi Garcia, o seu novo treinador. A apresentadora da cerimónia substituiu-se aos jornalistas, se os havia na sala, numa metáfora interessante, e soltou para além das perguntas uma frase em língua portuguesa: “Cristiano, bem-vindo”.

O futebolista garantiu que se sentia muito bem. “Estou orgulhoso por esta decisão. O meu trabalho na Europa está feito, ganhei tudo, joguei nos maiores clubes. Para mim, agora é um novo desafio”, admitiu, revelando que se trata de "um contrato único" (fala-se em 500 milhões de euros) porque se trata de um “jogador único”. Mais do que uma vez, o ainda capitão da seleção portuguesa mencionou que espera servir de inspiração ou veículo ajudante para as gerações vindouras e também para as raparigas e mulheres.

Khalid Alhaj/MB Media

Nas cadeiras, seja quem for aquela gente embasbacada e deslumbrada, ia tirando selfies e sacando muitas fotografias a um dos maiores futebolistas que o futebol viu. O novo 7 do Al-Nassr referiu que “teve muitas oportunidades” para jogar noutros clubes, nomeadamente de Brasil, Austrália, Estados Unidos e Portugal. “Mas dei a minha palavra a este clube, sei o que quero, e sei o que não quero também”, avisou. De seguida, num tom competente e seguro, voltou a mostrar-se sensível em relação aos mais jovens e também à equipa de futebol feminino do clube. O verbo “ajudar” voltou a escorrer-lhe da boca.

Depois de recordar que “todos falam, mas poucos sabem de futebol” e que as equipas estão cada vez mais fortes, isto numa alusão ao que se passou no Campeonato do Mundo, elogiou a seleção saudita, a única que bateu a campeã mundial, a Argentina de Lionel Messi. Já do Al-Nassr viu vários jogos e está pronto. “Posso jogar amanhã se o treinador quiser”, disse, trocando uns risos com Rudi Garcia. O próximo jogo é contra o Al-Tai de Pepa. “Quero desfrutar do futebol e das pessoas”, acrescentou.

O rosto de Garcia ia denunciando satisfação. O discurso de Cristiano parecia sólido como os arquivos que falam sobre o seu futebol e cantarolam o hino da pátria dos números. Um ou outro “siii” saíam da boca dos que testemunhavam tudo. As sobrancelhas risonhas do atleta aprovavam tudo.

“Estou muito surpreendido por haver tanta gente na conferência de imprensa”, ironizou o descontraído treinador. “Isto é uma nova era”, lembrava-lhe a anfitriã, que trataria de garantir a sua selfie com o estrelado visado logo a seguir àquela cerimónia.

“É um dos melhores jogadores da História, é uma lenda”, continuou o treinador francês, de 58 anos. “Para mim, para o clube e para o reino da Arábia Saudita é fantástico ter o Cristiano aqui.” Apesar de ser um dia feliz para o futebolista, que recuperou o sorriso como se estivesse na festa de anos do 8.º aniversário, convém recordar que as Nações Unidas (ONU) colocaram a Arábia Saudita na lista dos maiores violadores de direitos humanos, ao lado de países como Coreia do Norte, Síria, Irão e Afeganistão.

“Os abusos dos direitos humanos estão descontrolados e incluem torturas, detenções arbitrárias e execuções”, menciona o documento da ONU. Segundo várias organizações de defesa dos direitos humanos, as mulheres e pessoas LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais e transgénero) estão expostas e vulneráveis e o governo saudita é conhecido por reprimir atos de dissidência. As mulheres, as tais que Cristiano teve tato para mencionar, são alvo de forte discriminação.

Yasser Bakhsh

“Um jogador como o Cristiano é dos mais fáceis de treinar, não há muito para ensinar. Estamos aqui para vencer”, continua Rudi Garcia. “Teremos tempo para falar. O mais importante está ali, é verde [relvado]. Temos de ganhar. Ele é um exemplo, todos sabem isso. O meu objetivo para o Cristiano é fazê-lo feliz, quero que ele desfrute de jogar no Al-Nassr.” Finda a cerimónia, ouvem-se mais alguns “siiiii” como se fossem beijos.

No balneário, a tal segunda etapa, Cristiano apertou a mão a todos os colegas, em especial a de Vincent Aboubakar, o ex-futebolista do FC Porto que marcou o golo da vitória no Camarões-Brasil, em Doha. O plantel conta ainda com os ilustres David Ospina, Luiz Gustavo, Anderson Talisca e Pity Martínez. O presidente voltou a falar. Rudi Garcia idem, levando Ronaldo a fazer um ar insolente de menino traquina, aquele que se faz para os colegas, ganhando já a sua simpatia. Por ali, entre quatro paredes e demasiadas câmaras e cliques, Cristiano voltou a dizer que estava muito feliz. “Sei que o grupo é fantástico, vi alguns jogos, vi a ligação entre todos, gostei muito. Estou aqui para ajudar a equipa, vou dar o melhor como sempre fiz”, garantiu mais uma vez.

Às 20h13 (hora local) estava no túnel à espera para entrar no relvado, numa imagem que transportou alguns para 2009, exatamente no Santiago Bernabéu. Os adeptos gritam por ele. E ele entrou, tocando pele com pele com os jovens que ali estavam a fazer de corredor. Um levou as mãos ao rosto, incrédulo. Depois, outro corredor, agora dois rios de faíscas que contrariam a gravidade e correm para o céu. Ouve-se um “siii” glorioso. Chegava-lhe amor e admiração por todos os lados das bancadas, enquanto fumo e luzes enchiam ainda mais as bancadas.

Depois das palavras protocolares, enfadonhas e burocráticas, assinou algumas bolas e bateu-as para longe. Menos uma, que entregou em mãos a uma menina, evidenciando mais uma vez o cuidado com esta parte da história. Com a família no relvado, terá sido lembrado que faltava dizer algo como o famoso “Hala Madrid”. E o futebolista, depois de gargalhar e agradecido pela lembrança, disse-o e inaugurou mais uma fase da carreira, que se segue a Sporting, Manchester United, Real Madrid, Juventus e Manchester United.