As entrevistas pensam-se, agendam-se e realizam-se consoante uma miscelânea de fatores que são tidos em conta pelos futebolistas ou, pelo menos, por quem os rodeia e pensa nestes assuntos para que o jogador apenas tenha de pensar em jogar, esse é um lugar-comum da bola. No domingo, a sete dias do arranque do Campeonato do Mundo (20 de novembro) e a 11 de Portugal entrar em competição (24), foi anunciada e desvendada, de rompante, a entrevista há muito prometida por Cristiano Ronaldo para falar sobre o que lhe tem acontecido esta época.
Na conversa com Piers Morgan, o capitão da seleção nacional criticou o Manchester United por falta de empatia quando se ausentou da pré-época para lidar com a hospitalização da filha, o treinador Erik Ten Hag - “não tenho respeito porque ele não me respeita a mim”, o ex-companheiro Wayne Rooney pelas palavras que lhe dirigiu publicamente e o clube, no geral, por alegadamente forçar a sua saída e estar aquém do progresso que o português deteta noutras paragens. E no apontar de agulhas desprovidas de pudores de Cristiano também importa o timing das duras palavras.
A entrevista surgiu nem quatro horas após o United vencer (1-2) o Fulham, em Londres, para a Premier League. Foi a derradeira partida antes da hibernação do futebol inglês devido ao Mundial, da qual a equipa despertará a 20 de dezembro, dois dias após a final no calor do Catar. Ronaldo não esteve nessa vitória apesar de, inicialmente, estar convocado: a “Sky Sports” noticiou que o clube informou o português, na quinta-feira, de que não iria ser titular, mas viajaria com a equipa, ao que o jogador terá respondido que estava doente.
A direção e a equipa técnica do United, avançou o mesmo canal de televisão, apenas terão sabido da entrevista quando a comitiva se preparava para viajar de volta para Manchester, onde Ronaldo talvez já não estivesse face ao que esta segunda-feira já lhe reservara na agenda. É dia de arranque do estágio de preparação da seleção nacional para o Mundial na Cidade do Futebol, em Oeiras, com o primeiro treino marcado para as 17h, ou seja, o português já não se terá cruzado com vivalma do clube desde a divulgação da entrevista.

O mais recente jogo de Ronaldo pelo Manchester United foi a 6 de novembro, contra o Aston Villa, em que até foi capitão
Naomi Baker/Getty
As críticas de Cristiano ao United e ao contexto que o tem rodeado nesta primeira metade da temporada surgira oito dias depois de o português voltar a ser titular, frente ao Aston Villa, em partida que até capitaneou a equipa. Foi o quarto jogo seguido a titular, uma série invulgar do português em 2022/23 - em 16 encontros esta época (de uns possíveis 21), Ronaldo jogo de início em 10 e só quatro desses aconteceram na Premier League. Nos registos em que esteve mais de uma década a esticar o teto dos números, leva três golos e duas assistências.
Dito o que foi dito por Cristiano Ronaldo na véspera de o futebol carregar no botão de pause para as atenções se centrarem no Mundial, é provável que os holofotes se mantenham focados nele, ainda mais do que o costume. Com conferências de imprensa quase diárias e face ao aparecimento pouco frequente do jogador nesses momentos de pergunta-resposta, os jogadores da seleção nacional que forem surgindo serão, porventura, questionados sobre o tema Ronaldo face ao timing das palavras do capitão.
E vêm mais a caminho, na quarta-feira, quando for transmitida a versão integral da conversa com Piers Morgan na “TalkTV”. Na ressaca dos excertos divulgados no domingo, o apresentador inglês disse que “foi Ronaldo que pediu” a entrevista, sem dizer, porém, quando aconteceu. “Sentiu que era altura de o fazer e que tinha de o fazer. Sabe que as pessoas o vão criticar (...), queria que houvesse tempo para o que ele disse assentar, ele voltar e tentarem ter resultados”, explicou, algo enigmaticamente, o interlocutor de Cristiano Ronaldo, ao falar depois sobre o porquê das críticas do português terem surgido agora. Depois se verá se o jogador voltará a jogar pelo Manchester United.