O frenesim do Mundial de râguebi já passou e a menos de um mês de voltar a competir, Portugal continua sem selecionador
O argentino Daniel Hourcade, treinador-adjunto de Portugal no Mundial de 2007, será consultor da World Rugby para a seleção nacional.
AFP Contributor
A seleção nacional tem, a 3 de fevereiro, o jogo inaugural no torneio das Seis Nações B, primeiro encontro oficial desde a vistosa participação no Mundial, que terminou em outubro. Este tempo ainda não chegou para a Federação Portuguesa de Râguebi ter contratado um sucessor definitivo de Patrice Lagisquet para o cargo de selecionador nacional e aproveitar o efeito trampolim da prestação no torneio
Lágrimas de alegria, pulos a serem dados no relvado em Toulouse, jogadores a rejubilarem com os adeptos. A 8 de outubro de 2023, a seleção nacional de râguebi conseguia, frente às Ilhas Fiji, a primeira vitória de sempre no Mundial, fechando a segunda participação no torneio a atrair o tipo de holofotes mediáticos e de favorável perceção pública que servem de propulsão para a modalidade crescer no país. Nesse dia em terminou a participação no torneio, todos sabiam que Portugal ficaria sem selecionador. A 5 de janeiro de 2024, quase três meses depois e a menos de 30 dias de voltar à competição, os ‘Lobos’ ainda não têm treinador.
Foi tempo largo e suficiente para a Federação Portuguesa de Râguebi encontrar um sucessor para Patrice Lagisquet, o sexagenário francês já informara os dirigentes da sua saída. Mas, esta quinta-feira, a novidade trazido por um e-mail enviado pela entidade não era essa. “É com justificada satisfação e confiança que a FPR vem informar que Daniel Hourcade (...) acompanhará os Lobos até ao final da Rugby Europe Championship 2024, como consultor da World Rugby”, lia-se no comunicado que não resolvia o maior problema atual do râguebi português.
Daniel Hourcade não é, de todo, um desconhecido no râguebi português. Na aurora das proezas feitas por um país amador com a oval, o argentino esteve na qualificação e respetiva aventura da seleção no Mundial de 2007 enquanto adjunto de Tomaz Morais, trabalhando com a fornada de ‘Lobos’ que foi a França jogar com a Escócia, Nova Zelândia, Itália e Roménia. Homem de cabelo farto e franja arrumada a um lado, já nem era um estranho a Portugal: aterrara no país em 2004 para treinar o Grupo Desportivo Direito e, poucos meses mais tarde, a Federação Portuguesa de Râguebi convidou-o para a seleção de sevens.
Há pouco mais de dois meses e há muito já sem o seu nome ao barulho, Portugal deu nas vistas como nunca no maior dos púlpitos da modalidade, saindo da segunda participação no Campeonato do Mundo com um empate (contra a Geórgia) e uma vitória (diante das Fiji) no derradeiro jogo. Com um râguebi atacante e fiel ao jogo à mão, arriscando correrias desde a própria área de 22 metros, a seleção maravilhou quem a viu sob a liderança de Patrice Lagisquet. O vazio deixado pelo francês transformou-se num imbróglio que tem minado o efeito trampolim esperado da participação no Mundial.
Quase como nota rodapé no e-mail enviado pela federação surgiu informação de que durante “o mês de janeiro” será apresentada “pela empresa que trabalha com a World Rugby” uma “lista de treinadores que obedeçam ao perfil traçado para eventual escolha e contratação até 2027”. Fonte da entidade disse à Tribuna Expresso que esses tais nomes podem chegar antes ou depois de 3 de fevereiro, quando Portugal defrontar a Bélgica no primeiro de três jogos que fará no próximo mês, explicando que a FPR está a tomar o processo “com calma”, sem timings fechados.
E frisou que a vinda do “consultor” Daniel Hourcade não é um penso rápido para Portugal ter quem assuma as funções de treinador principal até à contratação oficial de um selecionador.
Na prática, porém, é isso que acontecerá, disse-nos outra boca informada sobre o dia a dia da federação que vai despertando uma certa aura do sucedido em 2007, na ressaca da primeira ida a um Mundial, quando a geração que tinha as rédeas no râguebi português desaproveitou o ímpeto para fazer a modalidade crescer rumo à profissionalização. O país estagnou: no ano seguinte à estreia no torneio, havia os mesmos praticantes federados (4.727) que o país contava (4.852) em 2022.
Portugal despediu-se do último Mundial com uma vitória histórica contra as Ilhas Fiji.
Julian Finney - World Rugby/Getty
Em outubro, esteve para não ser, de todo, assim. Quatro dias contados após a vitória contra as Fiji, a federação logo anunciou Sébastien Bertrank como novo selecionador nacional, batendo os santos dessa decisão com os da lógica que dera os proveitosos frutos durante o reinado de Patrice Lagisquet: era um treinador francês, conhecedor do râguebi local, apto para continuar a nutrir as ligações aos jogadores luso-descendentes dos três principais campeonatos gauleses e respetivos clubes que representam, para os libertarem mais facilmente a estarem presentes em estágios e jogos da seleção.
Mas, um mês depois, o antigo médio de abertura e selecionador dos juniores de França demitiu-se, alegando o “volume de trabalho” e as “muitas solicitações” que não o deixariam conciliar a função com a de coordenador técnico nacional do râguebi francês do Ministério dos Desportos do seu país. No fundo, a federação contratara uma pessoa que entendeu mais tarde não ter disponibilidade para ser treinador a tempo inteiro de uma seleção nacional. Em declarações ao jornal “A Bola”, na quinta-feira, Carlos Amado da Silva, presidente da FPR, confirmou que o perfil desejado não mudou: “Obedece a um conjunto de indicadores como seja o conhecimento do râguebi português e francês, domínio da língua inglesa, entre outros.”
Até haver oficialmente um selecionador que seja apresentado como tal, a seleção nacional já conhece, pelo menos, a restante equipa técnica. Rodolfo Ambrósio será o treinador de melée e Esteban Meneses o de avançados, com João Mirra a ocupar-se dos três-quartos e Luís Pissarra da defesa (ambos já integravam a estrutura com Lagisquet). Olivier Reig e Lino Rebolo serão os preparadores físicos, José Paixão o analista vídeo e Marcellin Ségaut terá a cargo os sistemas GPS. Com eles está agora Daniel Hourcade, antigo selecionador da Argentina entre 2013 e 2018, com uma ida às meias-finais do Mundial de 2015 pelo meio.
Da federação, a mensagem é que o argentino chega apenas para supervisionar. Curiosamente, também é consultor da World Rugby para o râguebi espanhol.