Longe vão os tempos em que se produziam extremos com fartura e em que se desenrascavam laterais. Não é difícil olhar para as nossas seleções do passado e reconhecer que essas posições nem sempre tinham o nível do resto. A tendência mudou. Nesta altura, não há país no mundo que esteja ao nível de Portugal na produção de jogadores para essas zonas do campo. Cancelo e Nuno Mendes, certamente titulares no Catar, fazem inveja a muitos.
O que esta dupla jornada da Liga das Nações nos deixa é precisamente a certeza de que Fernando Santos tem qualidade e quantidade nas laterais. Diogo Dalot merece a aposta de Erik ten Hag e, além de estar no melhor momento ao serviço do Manchester United, fez uma exibição de gala no jogo de Praga. Não só pelos golos, mas pela forma como oferece soluções por fora ou por dentro. Elimina a pressão em condução, trabalha com os dois pés e mostra facilidade a atirar à baliza. Com a chegada de Antony a Old Trafford, vai pisar mais vezes zonas interiores e desenvolver um sentido tático superior.
Muito se falou da possível titularidade para a partida contra Espanha, mas se há campo em que não se pode criticar Fernando Santos é nessa gestão. Apesar de jogar à esquerda no clube, Cancelo destaca-se pela técnica e criatividade em qualquer um dos lados e a sociedade com Bernardo Silva costuma ser um dos pontos fortes da seleção nacional. Têm de estar próximos em campo para combinar entre si. Não havendo extremo na direita, Fernando Santos pretende dar mais profundidade para criar dificuldades ao adversário. Ofensivamente, não dá para questionar o nível de imprevisibilidade que o jogador do Manchester City acrescenta. É uma das figuras da Premier League e o rótulo de lateral é até redutor para a forma como consegue resolver problemas. Leva o futebol de rua para dentro de campo, recordando-nos certos brasileiros que brilharam num passado mais ou menos recente.
Há uns anos, pensar nos melhores desta posição obrigava-nos a viajar até à canarinha. Eram jogadores de outra espécie, juntando técnica e capacidade física. Djalma Santos, Carlos Alberto Torres, Leandro, Cafú e Dani Alves traçam uma linha temporal inigualável, marcando gerações. E não é só na direita, à esquerda também não faltam exemplos que deixam nostalgia – do mais antigo Nilton Santos aos mais recentes Roberto Carlos e Marcelo. Se olharmos para a seleção de Tite, dá para identificar duas diferenças em relação a outros tempos: não há essa dimensão individual e as próprias funções são outras. Os laterais ficam mais amarrados à posição e quem desequilibra são os extremos. Não será o fim definitivo do “lateral brasileiro”, mas o Qatar vai ver um empréstimo à seleção portuguesa.