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Duarte Gomes

Duarte Gomes

ex-árbitro de futebol

Não faz sentido que os maiores intervenientes de um jogo de futebol não conheçam as leis de jogo. É absurdo. Amador, até

Mas, conta Duarte Gomes, é muitas vezes isso que acontece. O antigo árbitro internacional fala de uma experiência dentro do terreno de jogo que explica uma realidade: há muitos jogadores que não conhecem verdadeiramente as leis de jogo. E agora que elas foram publicadas em português, já não há desculpa

Duarte Gomes

Alex Dodd - CameraSport

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Há uns anos, arbitrei um jogo na casa de um dos chamados "grandes" do futebol português.

A dada altura, e aquando da execução de um pontapé-livre contra a sua equipa, um jogador da equipa visitada decidiu abandonar a barreira defensiva antes, bem antes do adversário ter feito o remate. A sua atitude foi clara, visível para todos e por isso punida com cartão amarelo, como mandam as regras.

Recordo-me que o defesa em questão ficou surpreendido e até revoltado com a decisão, garantindo que nada tinha feito de irregular:

- "Você apitou, autorizou o livre e eu só saí depois disso. Amarelo porquê?", perguntou indignado.

Percebem a mensagem que estou a tentar passar aqui, não percebem?

Aquele jogador, curiosamente dos mais experientes e talentosos da equipa, não fazia ideia que só podia sair da barreira quando a bola fosse pontapeada pelo adversário. Nunca antes.

Essa falha básica originou uma advertência que, depois percebeu, foi desnecessária e evitável. Por acaso foi a sua primeira na partida, mas podia ter sido a segunda, o que teria tido repercussões negativas para o próprio (e para a sua equipa).

Igual a este, acreditem, acontecem dezenas de outros exemplos todas as épocas. Basta estar atento para ver o número de infrações sancionadas ou cartões exibidos que seriam evitados se os principais interessados conhecessem as leis de jogo, como é sua obrigação.

Hoje em dia o futebol atingiu patamares de excelência altíssimos. Não faz sentido que os seus maiores intervenientes não conheçam as regras do jogo que jogam, treinam e dirigem. É absurdo. Amador, até.

Ninguém joga à sueca sem saber o que é um trunfo ou quantas cartas pode ter na mão. Ninguém joga damas ou xadrez sem saber como movimentar as peças ou como evitar a vitória do adversário.

Jogar futebol a um nível tão alto, com tanta importância e mediatismo, obriga atletas, técnicos e dirigentes a conhecerem o que é permitido ou proibido, o que está certo ou errado.

Esta crítica é construtiva e pretende apenas sensibilizar todos para a importância - sobretudo tática - de conhecerem o essencial das leis de jogo.

Vem isto a propósito da divulgação esta semana da versão em português das regras, época 2022/23, na sequência de um trabalho feito pelo Conselho de Arbitragem da FPF.

Convido o caro leitor e demais interessados (adeptos, jornalistas, comentadores e até curiosos em geral) a passarem os olhos pelo livro. Tenho a certeza que aprenderão coisas que nunca ouviram falar e esclarecerão outras sobre as quais tinham dúvidas ou ideias deturpadas.

"O saber não ocupa espaço". Se há área em que o cliché é verdadeiro, é nesta.

As sociedades desportivas, hoje altamente profissionais, têm nos seus quadros gente com know-how variado: fisiatras, psicólogos, nutricionistas, médicos, técnicos especializados em várias áreas, etc, etc. Deviam considerar a possibilidade de terem alguém ligado à arbitragem (e há muita gente, de norte a sul, com qualidade e disponibilidade) que pudesse ajuda-los nesse caminho, atuando com clareza, transparência e pedagogia.

Há clubes que já o fizeram (e bem), sendo que o papel dessa "figura" - repito, numa relação que teria que ser clara para todos - nunca seria o de transvestir-se de cicerone ou, perdoem-me a expressão, de bajulador de serviço dos ex-colegas de profissão.

Seria o de formar, educar, atualizar e ensinar as regras e recomendações a todos, nos diferentes escalões e variantes. Nesta matéria, mais conhecimento é sinónimo de menos castigos, maior disponibilidade de plantel, menos erosão causada por conflitos desnecessários, menos dinheiro gasto em multas e recursos e mais vantagem desportiva e tática sobre os rivais (muito mais vantagem desportiva e tática).