Há uns anos, arbitrei um jogo na casa de um dos chamados "grandes" do futebol português.
A dada altura, e aquando da execução de um pontapé-livre contra a sua equipa, um jogador da equipa visitada decidiu abandonar a barreira defensiva antes, bem antes do adversário ter feito o remate. A sua atitude foi clara, visível para todos e por isso punida com cartão amarelo, como mandam as regras.
Recordo-me que o defesa em questão ficou surpreendido e até revoltado com a decisão, garantindo que nada tinha feito de irregular:
- "Você apitou, autorizou o livre e eu só saí depois disso. Amarelo porquê?", perguntou indignado.
Percebem a mensagem que estou a tentar passar aqui, não percebem?
Aquele jogador, curiosamente dos mais experientes e talentosos da equipa, não fazia ideia que só podia sair da barreira quando a bola fosse pontapeada pelo adversário. Nunca antes.
Essa falha básica originou uma advertência que, depois percebeu, foi desnecessária e evitável. Por acaso foi a sua primeira na partida, mas podia ter sido a segunda, o que teria tido repercussões negativas para o próprio (e para a sua equipa).
Igual a este, acreditem, acontecem dezenas de outros exemplos todas as épocas. Basta estar atento para ver o número de infrações sancionadas ou cartões exibidos que seriam evitados se os principais interessados conhecessem as leis de jogo, como é sua obrigação.
Hoje em dia o futebol atingiu patamares de excelência altíssimos. Não faz sentido que os seus maiores intervenientes não conheçam as regras do jogo que jogam, treinam e dirigem. É absurdo. Amador, até.
Ninguém joga à sueca sem saber o que é um trunfo ou quantas cartas pode ter na mão. Ninguém joga damas ou xadrez sem saber como movimentar as peças ou como evitar a vitória do adversário.
Jogar futebol a um nível tão alto, com tanta importância e mediatismo, obriga atletas, técnicos e dirigentes a conhecerem o que é permitido ou proibido, o que está certo ou errado.
Esta crítica é construtiva e pretende apenas sensibilizar todos para a importância - sobretudo tática - de conhecerem o essencial das leis de jogo.
Vem isto a propósito da divulgação esta semana da versão em português das regras, época 2022/23, na sequência de um trabalho feito pelo Conselho de Arbitragem da FPF.
Convido o caro leitor e demais interessados (adeptos, jornalistas, comentadores e até curiosos em geral) a passarem os olhos pelo livro. Tenho a certeza que aprenderão coisas que nunca ouviram falar e esclarecerão outras sobre as quais tinham dúvidas ou ideias deturpadas.
"O saber não ocupa espaço". Se há área em que o cliché é verdadeiro, é nesta.
As sociedades desportivas, hoje altamente profissionais, têm nos seus quadros gente com know-how variado: fisiatras, psicólogos, nutricionistas, médicos, técnicos especializados em várias áreas, etc, etc. Deviam considerar a possibilidade de terem alguém ligado à arbitragem (e há muita gente, de norte a sul, com qualidade e disponibilidade) que pudesse ajuda-los nesse caminho, atuando com clareza, transparência e pedagogia.
Há clubes que já o fizeram (e bem), sendo que o papel dessa "figura" - repito, numa relação que teria que ser clara para todos - nunca seria o de transvestir-se de cicerone ou, perdoem-me a expressão, de bajulador de serviço dos ex-colegas de profissão.
Seria o de formar, educar, atualizar e ensinar as regras e recomendações a todos, nos diferentes escalões e variantes. Nesta matéria, mais conhecimento é sinónimo de menos castigos, maior disponibilidade de plantel, menos erosão causada por conflitos desnecessários, menos dinheiro gasto em multas e recursos e mais vantagem desportiva e tática sobre os rivais (muito mais vantagem desportiva e tática).