A característica que todos apontam como sendo diferenciadora do treinador português, comparativamente aos treinadores do resto do mundo, é a adaptabilidade. E ainda que a grande ideologia dos melhores treinadores do mundo seja a teimosia, e as melhores equipas do mundo sejam aquelas que têm características marcantes que repetem de jogo para jogo, em Portugal continuamos a cair na análise fácil de se pensar que será melhor equipa aquela que jogar o que o jogo der, e não aquela que em cada jogo consegue ser forte no que trabalha habitualmente.
Há uma diferença enorme entre aproveitar as características do jogo para superar o adversário e alterar o contexto do jogo para favorecer as características que são as regularidades trabalhadas. Por isso, quando os treinadores ganham e dizem que o jogo estava a pedir determinadas características, determinado tipo de jogador, desconfio sempre.
E sendo verdade que o Benfica fez por favorecer as características do Sporting, Rúben Amorim desfila triunfante na Luz por ter, em jogos que a equipa não esteve tão bem, procurado jogar o seu jogo: ataque constante às costas da defesa, e serviço para o espaço entre defesas e guarda-redes ou passe atrasado.
Por isso, quando a situação ideal aparece, a velocidade coletiva do Sporting supera a velocidade de reação dos adversários. Porque trabalham nos treinos para criar essas situações e quando nos jogos as situações aparecem eles treinam os timings de decisão do portador da bola e de desmarcação dos restantes. O resto é a qualidade individual dos jogadores.
As duas equipas tiveram desde o início a intenção de jogar. E houve, nos momentos iniciais, vários lances nos últimos 40 metros em que as duas equipas enfrentavam apenas seis ou sete adversários, tal era a facilidade com que conseguiam saltar a primeira pressão do adversário. No entanto, houve uma diferença clara entre os apontamentos defensivos de uma e de outra equipa.
Enquanto que, no plano de jogo de Jorge Jesus, as marcações individuais eram uma constante — Darwin, Rafa e Everton a saltarem nos três centrais do Sporting; Weigl e João Mário a encaixarem em Ugarte e Matheus; Lázaro em cima de Matheus Reis, e Grimaldo com o Porro —, Rúben Amorim colocou a equipa a pressionar apenas com Pote e Sarabia nos centrais, e responsabilizava Paulinho por fechar uma das linhas de passe dos médios-centro encarnados.
Para a turma verde e branca isso resultou numa pressão mais baixa, com o bloco mais compacto. Mas ainda assim houve possibilidade de os avançados encarnados aproveitarem as costas da primeira pressão, sendo que uma vez mais acabou por sobressair a pobre qualidade de decisão dos mesmos no último terço. Para as águias, foi um desastre total.
Matheus e Ugarte aproveitaram as marcações individuais para revelarem as suas melhores capacidades e desequilibraram completamente o jogo. Ugarte, mais forte a segurar, sem coberturas próximas do marcador direto, conseguiu enquadrar e servir os colegas mais adiantados. Matheus, num estilo distinto do colega, aproveitou para sair do marcador direto, conduzir e servir diretamente para a finalização. Com a forma de defender do Benfica, também beneficiaram Paulinho, Porro e Sarabia. Bastava saírem do primeiro adversário, em condução ou combinação, e havia quilómetros de campo para correr até encontrarem outros jogadores para enfrentar. Isso deu aos jogadores do Sporting, apesar de terem tido menos bola, muito tempo e espaço para decidir. Deu-lhes conforto e, por isso, uma superioridade anímica diferenciadora no jogo.
Weigl apareceu menos e João Mário foi anulado pela agressividade muitas vezes faltosa da equipa de Alcochete. Porém, aqui há um grande mérito do treinador campeão nacional de ter colocado os seus jogadores mis próximos uns dos outros e não ter, por isso, concedido demasiadas situações para o adversário correr com muito espaço. Houve muita pressão no jogador que recebia de costas e também, uma segunda e terceira vaga de pressão vinda de jogadores que já tinham sido ultrapassados em primeira instância.
No sentido oposto, ao Sporting bastava-lhe ligar curto ou sair longo para causar uma confusão tremenda nas referências mistas do Benfica. Foram demasiados os lances em que Paulinho conseguiu ligar com quem vinha de trás, que Sarabia teve tempo e espaço para definir no último terço, que Pote e Matheus também tiveram para conduzir e atacar os defesas, ou até receber nas suas costas. Não quero deixar de referir o peso tremendo que Paulinho e Sarabia tiveram no impacto do plano de jogo defensivo do Sporting.
Há, contudo, coincidências que não se podiam esperar. Por exemplo, a ausência do Palhinha. Sabemos que é um elemento que faz muita falta a este Sporting, mas a verdade é que, com o modelo de marcação individual do Benfica, este teria muito mais dificuldade em ligar o jogo do Sporting, um dos pontos de destaque do Ugarte.
E podemos analisar os erros na abordagem defensiva ao jogo, a expetativa de superioridade individual e consequente superação nos confrontos de um contra um, mas não há nada que me deixe mais em alerta do que o estado de calamidade em que estão as intenções coletivas ofensivas do Benfica. Se houvesse uma forma curta de resumir o que o Benfica tem demonstrado quando tem a bola, poderíamos dizer aos jogadores: arranjem vocês as soluções para atacar. E olhando para um jogo de futebol e para os espaços onde os jogadores mais sentem o stress e o peso do jogo (nas áreas), muito estranho é que Jorge Jesus não coloque afincadamente o foco, sendo que joga predominantemente em organização ofensiva, nas dinâmicas coletivas de entrada na área adversária.
O Benfica teve ocasiões de golo para marcar enquanto o jogo não estava fechado e teve outras tantas depois disso. Mas as sensações que ficam são a de uma equipa desligada de si mesma, em que os jogadores não compreendem o que os outros procuram, em que as intenções coletivas são muito poucas para nível que as individualidades prometem.
+ Sporting. Teve exibições individuais de nível altíssimo. Para mim, Matheus Nunes foi a chave. Para o Tomás da Cunha foi o Paulinho. Há ainda quem considere Sarabia. Fala-se de Porro, Inácio, Ugarte, e Adán. No fim das contas, percebemos que venceu a equipa com intenções coletivas mais vincadas e que, por isso, conseguiu fazer aparecer mais individualidades. Porque se do ponto de vista individual apenas nos três da frente o Sporting tem uma vantagem claríssima, Rúben Amorim fez com que nos outros sectores a superioridade se propagasse pelo campo inteiro. Isto é mérito do treinador, e é também a vantagem que se proporciona quando há um excelente casamento com as características dos jogadores.
- Jorge Jesus. Um treinador que inspirou quase todos em Portugal e que fez eco lá fora pela força da sua estrutura defensiva. Pese embora os vários os técnicos reconhecidos do panorama mundial a terem afirmado que vinham aprender com as suas equipas, nestes dias tem sido uma sombra que tenta fugir do que o tornou verdadeiramente marcante. E sabendo-se que nunca foi extraordinário em organização ofensiva, tendo sido ele a ajudar a construir a base defensiva que influenciou muitos treinadores portugueses, continua a ser uma desilusão que ele não encontre regularmente formas de furar defesas à zona.
+/- Ataque Posicional leonino. A verdade é que, neste jogo, o Sporting não foi muito testado em organização ofensiva. E esta exibição, para quem apenas olha para o nome do rival, para o estádio onde foi conseguida, e para o conforto no resultado, pode levar a enganos quanto às diferenças para os jogos que se avizinham. Sejam esses jogos onde o adversário saiba como, quando e por onde atacar, ou jogos onde o Sporting assume a bola e tem de criar espaços contra adversários que defendem com muitos no último terço.