A análise milimétrica de "foras de jogo" é um dos temas que maior discussão gera no futebol moderno.
Apesar disso e até hoje, ninguém encontrou o chamado "sistema perfeito". Um que avalie com total exatidão quando é que um jogador está em posição de fora de jogo.
Há muito que se percebeu que a movimentação rápida dos jogadores (de defesas e avançados), aliada à dificuldade em percecionar o momento do último passe, tornam a vida dos árbitros assistentes num verdadeiro pesadelo.
Apesar da ciência já ter explicado várias vezes que algumas destas situações são impossíveis de aferir in loco (a sério que são), o ruído exterior continua a visar a competência e/ou idoneidade daqueles quem têm, de longe, a mais difícil das missões em campo.
Para facilitar o trabalho das equipas de arbitragem, o esclarecimento dos adeptos e a verdade desportiva, surgiu a "linha tecnológica do fora de jogo", antes aplicada pelas mãos bem-intencionadas dos operadores televisivos, agora comandadas, em sala, pelos videoárbitros.
O problema é que também essa já mostrou que, em lances na queima - daqueles mesmo no limite - o erro pode continuar a surgir. Isso acontece porque a ferramenta, por muito evoluída que seja, continua a a depender parcialmente da intervenção humana.
MANUEL FERNANDO ARAÚJO
A FIFA anunciou recentemente que a Hawk-Eye (empresa com vasta experiência nesta matéria, sobretudo no ténis) encontrou a "fórmula milagrosa" para resolver o problema. O próximo mundial de clubes e o Campeonato do Mundo do Catar (2022) poderão ser a antecâmara que o mundo espera para testemunhar a qualidade da ferramenta.
Até lá, tenho uma sugestão: conheça como se processa a avaliação de foras de jogo (em lances protocolados) na primeira liga portuguesa.
EXEMPLO - POSSÍVEL FORA DE JOGO DO JOGADOR X, QUE MARCOU GOLO PARA A SUA EQUIPA.
Passos:
1° - Intervenção humana
- VAR/AVAR escolhem o frame televisivo que registou o exato momento em que o colega do atacante passou-lhe a bola (último passe).
A escolha deve recair no momento do início do contacto do corpo (pé ou cabeça, por exemplo) com a bola, o que visualmente implica vê-la a mover-se depois de tocada/jogada.
A "câmara de curtos", de ângulo mais aproximado ao jogador, é a opção certa para garantir a qualidade desse instantâneo.
2° - Intervenção da tecnologia
- O operador de imagem que está na sala faz a "reconstrução" rápida do terreno de jogo, com base nas linhas que o delimitam (linhas laterais, das áreas, de baliza e do meio-campo), assente numa calibração 3D feita para cada terreno de jogo (geralmente) no início da época. Os estádios não são todos iguais, o que resulta em referências diferentes, que podem afetar diretamente a qualidade das decisões. Foi o que aconteceu na época passada: um erro grosseiro devido a uma premissa técnica.
Geralmente perde-se alguns segundos neste processo. Talvez por isso UEFA e Premier League utilizam hoje tecnologias de fora de jogo que dispensam este passo.
3º - Intervenção humana
- VAR/AVAR têm agora duas etapas a cumprir, que são executadas pelo operador:
3.1 - Utilizam a "câmara do fora de jogo" para escolher qual a parte dos corpos de defesa e avançado que estão mais perto da linha de baliza adversária (à exceção dos braços). É usado um cursor, que fixa um ponto em cada uma dessas duas zonas.
3.2 - Utilizam depois a "câmara master" (a principal, com ângulo mais amplo e central) para repetir os mesmos dois pontos.
4º - Triangulação
A partir dessa informação cruzada, o software tecnológico constrói uma imagem 3D (usa uma linha azul para definir a posição do penúltimo defensor e outra vermelha para a do atacante), dando a informação final. É essa que é depois transmitida pelo VAR ao árbitro.
Por ser factual (o jogador ou está ou não está adiantado) não é necessário recurso ao visionamento da imagem junto ao relvado.
Como se percebe, por muito expeditos que todos sejam em sala, este tipo de análises demoram algum tempo. A situação piora quando o lance é por unha negra, porque isso pode exigir mais do que uma verificação.
Moral da história: quem está em campo faz o melhor que sabe, pode e consegue. E quem está em sala, trabalha com o que tem.
Claro que há momentos em que este processo tem que ser mais rápido (nos tais lances absolutamente evidentes a olho nu), mas o que deve ser pensado a sério - mais do que o investimento vantajoso em tecnologias alegadamente infalíveis - é a regra em si. Fará sentido ser assim ou podia ser diferente?