Carta aberta ao Dr. Bruno Nascimento, treinador do Benfica
Pedro Cruz, subdiretor de informação da SIC, escreve a Bruno Miguel Silva do Nascimento, também conhecido como Bruno Lage, pelas infelizes declarações sobre jornalistas, após o Benfica-Santa Clara
24.06.2020 às 17h57

Gualter Fatia
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Meu caro,
Confesso-lhe que, até ontem, nutria por si uma certa simpatia.
A sua ponderação, a calma que transmite, a ideia - acertada - de fazer alguma pedagogia nas longas conferências de imprensa onde falava sobre o futebol jogado dentro do campo, a discussão cara a cara com os jornalistas sobre tática, modelo de jogo e outras coisas que o «futebol moderno» discute ajudavam, enquanto treinador de um grande, a trazer o futebol para onde ele deve estar.
A juntar a isto, Sr. Dr., o seu ar ligeiramente desengonçado, que chega a ter graça, a sua humildade ao reconhecer as derrotas e ao assumir as vitórias, o facto de quase nunca se meter por outros caminhos que não, apenas e só, o que se passa dentro das quatro linhas, a educação e o savoir-faire fizeram com que eu, que nem percebo de futebol, olhasse para si, Sr. Dr., como alguém que poderia trazer alguma mais valia para o futebol, para a discussão e para o espaço público.
Como, Sr. Dr., o meu clube é o Varzim, e estou emocionalmente longe da luta pelo título de campeão nacional da liga pincipal, tenho esta vantagem de ser apenas um observador externo e, por isso, com mais frieza, sou capaz, acho, de interpretar de forma diferente o que se passa no dia da dia do calor da luta pelo título.
Aproveito, Sr. Dr., para confessar que, além de si, há outros treinadores da mesma geração que preferem falar, no espaço público, sobre o futebol jogado.
É bom perceber que a nova vaga de treinadores gosta de discutir o jogo e se importa menos com tudo o resto, que é tarefa para adeptos, dirigentes, diretores de comunicação e comentadores.
Mas ontem, Sr. Dr., ontem, admitindo que esteja sob pressão e que às vezes, quando não estamos, como eu, distantes, dizemos coisas de que mais tarde nos arrependemos, ou saem-nos palavras que na verdade não queríamos dizer, ontem desiludiu-me.

Bruno Lage levanta o caneco no jogo que confirmou o título do Benfica, a 18 de maio de 2019. O adversário foi o Santa Clara, o mesmo clube que poderá ter sentenciado o fim de uma aventura na noite de terça-feira
Gualter Fatia
Sei, Sr. Dr, que que viverá tranquilo com a desilusão que me provocou.
Não tenho a pretensão de que perca o sono por ter desiludido um observador do seu trabalho.
Ainda assim, tenho de dizer-lhe que foi infeliz na ideia, nos termos e na forma como utilizou, ideia e termos, para justificar um dia mau dentro do campo.
Com a responsabilidade pública e social que tem, sendo o Sr. Dr. uma pessoa calma, serena, sensata e cordata, - pelo menos era o eu que achava, até ontem - há-de convir que as insinuações que fez, a forma como tentou justificar fora do campo o que (não) aconteceu dentro do campo, o facto de empurrar insucessos desportivos para supostas manchetes de jornais, o facto de tentar iludir uma derrota que, pelo que li hoje, é histórica no seu clube e no seu estádio como manobras de diversão que, no fundo, atinge a dignidade de outra classe profissional que não a sua, levantando suspeitas, e deixando no ar supostas explicações para os insucessos da equipa que comanda, não me parece, Sr. Dr. decente. Não me parece que condiga consigo ou, pelo menos, com a ideia que tinha de si.
Por isso, Sr. Dr,. sabendo todos nós que não há «almoços grátis» - mas não há almoços grátis para ninguém - venho pela presente manifestar-lhe total discordância com as suas palavras e desejar que, tendo sido um mau momento, saiba, no devido tempo e no devido lugar, pedir desculpa a todos quantos ofendeu de forma gratuita, imprecisa, desnecessária e, sobretudo, sem qualquer utilidade para o seu balneário.
Certo de que, espero, estas palavras não o ofendam, até gostava de o convidar para almoçar, um dia destes.
Mas tendo em conta que sou jornalista, embora não especializado em assuntos desportivos, provavelmente esta não seria a melhor altura para um almoço que, se existisse, ficaria com a conta a meu encargo, para que não haja dúvidas públicas sobre quem paga ou sobre qual a intenção: apenas cortesia.
Aceite, Sr. Dr., os melhores cumprimentos do
Pedro Cruz
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