O que dizem os teus números

Maior capacidade de pressão, mais peso de Bernardo e Bruno: os números da maior goleada da seleção e o contraste com Cristiano Ronaldo

A amostra não é muito extensa, mas o Portugal - Luxemburgo permite confirmar a imagem de outras ocasiões. Sem o madeirense, a seleção rouba mais bolas no meio-campo ofensivo e, com Gonçalo Ramos, ganha um avançado que participa menos no jogo, mas que oferece maior agressividade. No 9-0, a sociedade Bruno - Bernardo encontrou-se mais vezes que nunca na era Martínez e ainda houve um Leão corredor colado à esquerda

Maior capacidade de pressão, mais peso de Bernardo e Bruno: os números da maior goleada da seleção e o contraste com Cristiano Ronaldo

Pedro Barata

Jornalista

O caminho de Portugal para o Euro 2024 é tranquilo e sereno, longe das calculadoras e dos quase sempre presentes play-offs. A seleção nacional prepara-se para estar na 13.ª fase final consecutiva, num apuramento, até agora, perfeito: seis jogos, seis vitórias, 24 golos marcados — mais nenhuma outra equipa chegou, sequer, às duas dezenas de festejos — e zero sofridos.

É verdade que os adversários de Portugal estão longe de apresentar as dificuldades existentes nos grupos B (em que a França tem a companhia dos Países Baixos, Grécia e Irlanda), C (onde atuam Inglaterra, Itália, Macedónia do Norte e Ucrânia, tudo conjuntos que estiveram no último Europeu) ou F (com Bélgica, Áustria e Suécia), mas este contraste nacional com o passado recente é de assinalar. Para cúmulo, o último desta meia-dúzia de encontros vencidos de seguida foi histórico, com o 9-0 ao Luxemburgo a ser a maior goleada da história da seleção.

No Algarve, Roberto Martínez deu continuidade ao que fizera na Eslováquia, apresentando uma história mais maleável, rumo à flexibilidade que prometera no início do seu consulado. João Palhinha, no primeiro embate, e Danilo Pereira, no segundo, permitiam ter dois centrais nuns momentos e três noutros, o lateral-esquerdo juntava-se aos médios e, frente aos luxemburgueses, também a posição híbrida de Diogo Jota deu nuances de posicionamento ao coletivo.

Mas a mais chamativa nota de diferença face ao passado recente — aos últimos 20 anos, na verdade — foi a ausência de Cristiano Ronaldo, por castigo. O madeirense ganhou tal protagonismo nas duas décadas que leva na seleção principal que ver um jogo sem ele se tornou uma notícia por si só, tanto que, desde 2003, praticamente só em duas ocasiões foi deixado no banco por opção técnica. No passado Mundial, Fernando Santos abdicou do melhor marcador da história das seleções frente a Suíça e Marrocos e abriu um debate nacional.

Tanto no Catar como em Faro, o substituto de Ronaldo foi Gonçalo Ramos. E, com o avançado do PSG, somado ao também pressionante Diogo Jota, vimos uma equipa mais agressiva e capaz de roubar a bola mais cedo.

O quase nulo contributo defensivo de Cristiano

Contra o Luxemburgo, Portugal recuperou a bola no meio-campo do adversário em 20 ocasiões, valor bem superior ao que se vira nas duas últimas partidas, com 11 bolas roubadas na metade da Eslováquia e seis na da Islândia.

Não é surpresa que, desde há muito, Cristiano Ronaldo não é conhecido pelos seus atributos de pressão e condicionamento da circulação do adversário. Recorrendo aos dados da Driblab, plataforma especializada em análise estatística de futebol, vemos que, com a camisola nacional, essa característica do capitão tem uma expressão numérica clara.

Nos últimos 10 desafios em que jogou por Portugal, Cristiano Ronaldo somou, no total, zero interceções de bola, dois cortes e uma recuperação no meio-campo do adversário.

Soccrates Images/Getty

Contra o Luxemburgo, Gonçalo Ramos também não somou qualquer uma dessas ações de pressão e recuperação. No entanto, na última vez em que fora titular por Portugal, o algarvio teve um corte e uma interceção frente a Marrocos, no Mundial.

Comparando com outros atacantes, Diogo Jota teve uma interceção e uma recuperação na metade ofensiva contra o Luxemburgo e Rafael Leão, nos 266 minutos que tem na qualificação (Ronaldo tem 412), leva quatro cortes, uma interceção e três recuperações no meio-campo do adversário.

Outra diferença entre o que temos visto de Cristiano Ronaldo e a exibição de Gonçalo Ramos frente ao Luxemburgo prende-se com a participação na circulação ofensiva. O madeirense, jogando a ponta-de-lança, gosta de receber para tocar na bola, muitas vezes realizando passes simples, mas que o fazem estar ativo no jogo e não à espera de que o jogo lhe chegue, enquanto fixa os centrais. Por seu lado, o algarvio aguarda mais para receber, participando menos.

Em nenhum dos cinco desafios da qualificação em que participou o atacante do Al-Nassr fez menos de 14 passes, tendo chegado ou superado as duas dezenas em quatro jogos. Por contraste, o reforço do PSG só realizou cinco passes contra os luxemburgueses — valor mais baixo entre os portugueses —, numa noite de matador, em que rematou quase o mesmo número de vezes (quatro) para bisar. Já no Mundial fora assim, com Ramos a fazer nove passes contra Marrocos e 10 contra a Suíça, nas duas vezes em que foi titular.

Assim, a noite contra o Luxemburgo permitiu reforçar ideias do passado recente. A amostra sem Cristiano Ronaldo não é alargada, mas a sensação e os números permitem construir a ideia de que a seleção, sem o seu melhor marcador de sempre, é mais agressiva e mais capaz na pressão.

Bruno e Bernardo com as chaves da equipa

A influência dos dois craques dos gigantes de Manchester no presente da seleção é evidente: nesta fase de qualificação, Bruno Fernandes tem quatro golos e cinco assistências e Bernardo Silva leva três golos e três assistências.

Soccrates Images/Getty

Sempre com recurso aos dados da Driblab, vemos que, contra o Luxemburgo, a dupla de jogadores nascidos no verão de 1994, um em Lisboa e outro na Maia, se associou mais vezes do que nunca na era Roberto Martínez. No Algarve, Bernardo e Bruno fizeram passes entre si em 24 vezes, quando nos outros encontros de qualificação esse valor oscilara entre as seis ocasiões do Luxemburgo - Portugal e as 18 da receção ao Liechtenstein.

Com a presença de dois centrais mais Danilo, e não três centrais mais um médio-defensivo, Bruno Fernandes recuou a posição, para uma função quase de primeiro organizador, ligando-se com Bernardo na meia-direita.

Mais associativa, a equipa fez 21 cruzamentos num encontro em que esteve praticamente sempre a atacar, com 66% de posse de bola. Por comparação, contra o Liechtenstein, a seleção cruzou 41 vezes e, na Islândia, fê-lo em 34 ocasiões.

O grande pensador dos ataques de Portugal foi Bruno Fernandes, que ainda teve tempo para fazer quatro cortes e roubar a bola três vezes no meio-campo adversário. Nos cinco compromissos anteriores da qualificação, o médio tivera uma média de 36,6 passes realizados por jogo. Contra o Luxemburgo, chegou aos 59 passes, multiplicando a sua influência.

Outra característica dos últimos duelos de Portugal é a tentativa de Roberto Martínez puxar ao máximo pelo potencial de Rafael Leão. Nos primeiros encontros da era do técnico espanhol, João Félix partia da meia-esquerda [ver imagem acima], mas, nesta dupla jornada, vimos o veloz extremo do AC Milan bem colado à faixa.

Com a lateral livre para galopar, já que o lateral daquele lado centrava a sua posição, a equipa tentava deixar Leão em situações de um contra um, com espaço para as suas arrancadas em que cada passada parece fazer tremer o chão e a correria ameaça, por vezes, fazê-lo galgar os limites do relvado e subir pela bancada acima. Com cinco tentativas de drible no encontro, mais nenhum português tentou tantas vezes superar adversários.

Estará nas mãos de Roberto Martínez termos uma amostra maior deste Portugal sem Cristiano Ronaldo, que se insinua como mais ladrão de bolas, mais incisivo, talvez até mais coletivamente harmonioso. Com uma qualificação no bolso e um grupo definido, o terreno parece fértil para o espanhol ir ajustando a sua ideia.

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