O bairro de St. Pauli é sedutor ao passeio, então com o sol a raiar e o calor na pele vira cortejo sério e Hamburgo faz-se cidade matreira, sabe-a toda, desconheço se colar um enorme parque de diversões de entrada livre a um estádio de futebol foi uma decisão congeminada assim de caras, mas desconfio que sim. Tentar canalizar as gentes que vão à bola, especialmente aquela bola, para antes ou depois também irem sabadear a uma feira popular, sem controlos fronteiriços pelo meio, presumo que seja ideia centrada em aproveitar o pacifismo construído pelos alemães no seu futebol.
Nem há duas semanas, o especial St. Pauli recebia o Darmstadt no seu recinto modesto em tamanho e enorme em alma, lá cabem quase 30 mil corpos e acho que as bancadas estavam apinhadas, não cabia mais um esqueleto na casa do clube que se fez de culto. Assumidamente de esquerda, anti-extrema-direita, contra o hooliganismo e abraçador de causas sociais, a equipa que fabrica os próprios equipamentos e tem uma caveira de piratas como símbolo (que adoptou por insistência dos adeptos) estava em 3.º lugar na segunda divisão germânica e recebia quem estava logo atrás para o que, deduzo, foi simplesmente mais uma amostra dos costumes futebolísticos alemães.
Os adeptos adversários passeavam-se como se nada fosse por entre a multidão caseira. Não se via um agente da polícia, de armadura ou apenas fardado, fosse nas portas ou a patrulhar as imediações. Durante o aquecimento, as colunas do estádio tocaram a canção predileta de quem torcia pelo Darmstadt, devidamente identificada no ecrã gigante e respeitada pelos presentes, sem assobiadelas. Cerveja ou até whiskey vendiam-se e bebericavam-se à vontade no recinto, com paredes forradas a autocolantes e rabiscos que, de tantos serem, viram agradáveis à vista e outras pinturas rupestres. De confusões, pancadaria ou polémicas, vi nenhuma e tudo isto é logo de comparar ao contexto de onde vimos, é sempre essa a escala à qual medimos o que vamos vivendo.
Havendo a possibilidade de, no próximo sábado, o FC Porto virar campeão nacional nas barbas do Benfica, no Estádio da Luz, podemos estar na iminência de uma repetição de aspersores do relvado ligados, luzes do estádio apagadas e um desconfortar de condições prontamente decidido por um clube perante a acomodação, à força, da festa do outro. Sucedeu em 2011 e poder-se suspeitar que tal aconteça em 2022 é mais do que uma coincidência de calendário ou obra da matemática dos pontos do campeonato. É a continuação do futebol que merecemos em Portugal.
Nunca se esperariam passadeiras estendidas ou qualquer mordomia que desse pompa à festa do rival. Afinal, o irracional da emoção de quem torce pelo futebol jogado é o combustível da bola, ganhar e ser melhor do que os outros é o alimento de tudo e as rivalidades são isso mesmo, vêm da sobreposição do sentimento à razão, mas isso não pode virar desculpa para tudo, como é costume por cá. Pela amostra recente, não vira tal coisa na Alemanha, onde o tal St. Pauli perdeu numa casa cheia, na Bundesliga 2, com o Darmstadt, que assim o ultrapassou nas chances de ir parar à primeira divisão e pronto, toda a gente prosseguiu com a sua existência, umas pessoas momentaneamente mais felizes do que as outras porque assim é a vida em tudo o que a compõe.
Mas não, em Portugal guerreia-se e a rivalidade confunde-se com animosidade e esta cedo transmuta para ódio, mais frequente do que raramente até evoluiu para algo mais, em muitas coisas somos a lebre a fugir da tartaruga do bom-senso. Esta época, já tivemos clássicos com pancada pelo meio, processos disciplinares distribuídos por jogadores e dirigentes ou as habituais conferências de imprensa da PSP sobre os planos a adotar em clássicos; temos transmissões televisivas que dedicam parte da emissão só a avaliar o árbitro, outras em que se repete e repete que é a estreia de um homem do apito em jogos com um dos ditos grandes; também ouvimos um treinador a queixar-se de que os seus jogadores “foram insultados” por um árbitro, quando não haverá um jogo em Portugal, amador ou profissional, em que a pessoa que apita não seja mandada para um certo sítio por algum futebolista; e, depois, também houve cadeiras a voarem em estádios ou insultos racistas audíveis até na televisão.
Ousamos, e bem, comparar o que se joga dentro dos nossos hectares de relva com o que nos chega dos retângulos lá fora, no que as linhas delimitam haverá sempre medições a fazer, mas parecemos esquecer que os pontapés na bola serão sempre influenciados pelo ambiente que os rodeia. Andando tudo o que afeta o futebol português, de fora para dentro, a pontapear-se mutua e proverbialmente a tempo inteiro, isto continuará a ser como uma das frases escritas por Bruce Springsteen na sua estrada do trovão: “You ain't a beauty, but hey, you're alright”.
Existindo assim, continuará a estar apenas ok, a ser jogado no seu mui próprio estado das coisas, envolto em tricas, disputas e culpabilizações, seja qual for o campeão nacional este ano, em que circunstâncias forem. Um dia, o “Boss” explicou que abriu o mais afamado dos seus álbuns com a Thunder Road por “haver algo na melodia que sugere ‘um novo dia’, por sugerir uma manhã” e ele sabe uma ou duas coisas sobre a vida. Era bom que soubesse e nos dissesse como dar um rumo que endireitasse o nosso futebol.
O que se passou
Na nossa I Liga, o FC Porto ganhou no sábado ao Vizela no Dragão e o Sporting impediu que fosse campeão no sofá, ao vencer o Gil Vicente, em Alvalade, no dia seguinte. Antes deles, o Benfica já superara as boas ideias do Marítimo na Madeira.
Ultrapassados um ano de ausência de bolas a serem batidas e outro sem público presente, o Estoril Open regressou com a história a ser escrita nas raquetes: Nuno Borges e Francisco Cabral conquistaram o torneio de pares e são a primeira dupla portuguesa a pontificar numa prova do circuito ATP. Porque parece de propósito, Marcelo Rebelo de Sousa lá estava a assistir, como estivera em 2018, quando João Sousa venceu o torneio sozinho.
O Sporting perdeu a final da Liga dos Campeões de futsal para o Barcelona, não conseguindo revalidar o título. No lado catalão, houve, porém, um português a poder festejar: André Coelho, que assim é mais um jogador nacional que já ganhou tudo o que de importante há para conquistar nesta modalidade.
Miguel Oliveira recuperou nove posições desde a grelha de partida no Grande Prémio da Espanha e terminou-o no 12.º lugar. É agora o 10.º classificado do mundial de MotoGP.
No Casa às Costas da semana que findou, falámos com Gonçalo Santos, que nos contou histórias dos treinadores que apanhou e de agruras que ultrapassou.
Zona mista
Acho que é muito injusto para os meus companheiros russos, os meus colegas. O que está a acontecer na guerra, neste momento, não é culpa deles.
Rafael Nadal pronunciou-se acerca da proibição imposta por Wimbledon aos e às tenistas russos/as, impedindo-os de competirem no Grand Slam da relva, apesar da oposição da ATP e da WTA, as entidades que regulam os circuitos mundiais masculino e feminino.
O que vem aí
Segunda-feira, 2
⚽ A 32.ª jornada da I Liga termina com o Paços de Ferreira-Tondela (20h15, Sport TV1).
🎾 Segundo dia de competição no Masters de Madrid, que tem ação diária até domingo (a partir das 11h, na Sport TV para o quadro masculino e na Eleven Sports para o feminino).
🌊 Decorre o Margaret River Pro, quinta etapa do circuito mundial de surf onde Frederico Morais já está nos 1/16 avos de final. O período de espera da prova vai até quarta-feira.
Terça-feira, 3
🏀 Primeiro jogo de uma das meias-finais da Conferência Oeste na NBA, entre os Phoenix Suns e os Dallas Mavericks (3h, Sport TV1).
⚽ Joga-se a segunda mão da meia-final da Liga dos Campeões entre Villarreal e Liverpool, após o 2-0 do primeiro jogo, em Inglaterra (20h, TVI).
Quarta-feira, 4
🏀 Na NBA, jogo entre os Boston Celtics e os Milwaukee Bucks, para as meias-finais da Conferência Este (00h, Sport TV2).
⚽ Saber-se-á o outro finalista da Champions com o Real Madrid-Manchester City, que partirá do 4-3 com que acabou o primeiro encontro em casa dos ingleses (20h, Eleven Sports 1).
⚽ Um pouco mais tarde, o Talleres de Pedro Caixinha defronta o Flamengo de Paulo Sousa na fase de grupos da Copa Libertadores (23h, Sport TV1).
Quinta-feira, 5
🏀 Segundo jogo entre os Miami Heat e Philadelphia 76ers, para decidir quem vai à final na Conferência Este (00h30, Sport TV2).
⚽ Decidem-se os finalistas das duas outras provas da UEFA: na Liga Europa, jogam-se o Eintracht Frankfurt-West Ham e o Rangers-RB Leipzig; na Liga Conferência, há o Marselha-Feyenoord e a Roma de José Mourinho, Rui Patrício e Sérgio Oliveira contra o Leicester City de Ricardo Pereira.
Sexta-feira, 6
⚽ Começa a 33.ª jornada da I Liga com o Boavista-V. Guimarães.
Sábado, 7
⚽ Prossegue a fornada de partidas da penúltima jornada do campeonato: Estoril Praia-Moreirense (15h30, Sport TV1), Benfica-FC Porto (18h, BTV), Portimonense-Sporting (20h30, Sport TV1). Pelo meio, a Premier League terá um jogo dos bons: Liverpool-Tottenham (19h45, Sport TV2).
Domingo, 8
⚽ Mais futebol em português: Vizela-Marítimo (15h30, Sport TV3), Gil Vicente-Tondela (15h30, Sport TV1), SC Braga-Arouca (18h, Sport TV1) e Santa Clara-Paços de Ferreira (20h30, Sport TV1).
🎾 Final do Masters de Madrid, no mesmo dia em que começa o torneio de categoria homónima em Roma.
🏎️ Quinta corrida da temporada no mundial de Fórmula 1, o Grande Prémio dos EUA (20h30, Sport TV).
Hoje deu-nos para isto
É um fado que Portugal cantarola bem, infelizmente então era mais assim, modalidades com pouco tempo de antena e reduzido número de almas com interesse colhido para as praticar — por comparação com a bola alvo de maiores idolatrias — sofriam ainda mais no início de século, porque as atenções costumam ser proporcionais ao dinheiro que é canalizado para as alimentar e, ao râguebi, chegavam meras réstias, coisa mesmo muito pouca.
Em 2007, os corpos que na altura se vestiam com camisolas pesadas, de tecido grosso, e esses mantos de outros tempos foram ao Uruguai perder o jogo e ganhar a vida por um ponto. Foi apenas por esse ponto que Portugal se qualificou para o seu primeiro Mundial oval, quando as canções mais ouvidas sobre os heróis do feito versavam acerca de como este era advogado, o outro um veterinário, ali havia um arquiteto e acolá um médico.
Todos eles eram profissionais em algo por o râguebi ser amador e, sem lhes conseguir pagar, tentava recompensá-los de outras formas e assim foram a França, metendo férias ou pedindo escusa dos seus trabalhos para Portugal reunir a primeira seleção amadora que disputou um Campeonato do Mundo. O feito poderia e deveria ter sido um trampolim para se esculpir os contornos a um râguebi profissional no país, mas não, a glória foi barrenta e a sua ressaca custosa, a modalidade como que estagnou e a seleção chegou a descer à terceira divisão do râguebi europeu, da qual foi recuperando em anos recentes.
No último que passou, a seleção nacional de hoje em dia roçou a repetição automática dessa façanha e até terminou a fase de qualificação para o próximo Mundial como a que mais pontos marcou, mas também acabou fora dos lugares que davam bilhete direto para França, onde a prova retornará em 2023. Na sexta-feira, contudo, ficámos a saber que uma marosca detetada em Espanha penalizou os vizinhos ibéricos e bonificou quem joga por Portugal: afinal, iremos ao derradeiro torneio de apuramento.
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