Carli Lloyd, antiga capitã e bicampeã dos EUA, criticou as ex-companheiras de seleção após o empate contra Portugal. Não foi a primeira vez
Megan Rapinoe a rir na companhia de Alex Morgan e Crystal Dunn.
Hannah Peters - FIFA
A bicampeã mundial e terceira mais internacional de sempre pelos EUA elegeu o poste da baliza como “melhor em campo” no empate contra Portugal, criticando a forma como algumas futebolistas (as suas conhecidas, Alex Morgan e Megan Rapinoe) “dançaram e riram” no relvado após o jogo. Não é a primeira vez que Carli Lloyd vai contra as suas antigas companheiras de seleção
Carli Lloyd nunca pareceu ser mulher de poupança em palavras. Eleita por dois anos seguidos como melhor jogadora do planeta, célebre pontapeadora de um golo do meio-campo na final de um Mundial, a antiga capitã, durante anos, da seleção dos EUA era daquelas jogadoras com efeito mola posta em estendal, a manter cá para cima os padrões da equipa nacional de um país cronicamente vidrado em ganhar Campeonatos do Mundo desde que eles existem. Sendo quarentona e estando já retirada, era uma questão de tempo até um canal de televisão norte-americana a seduzir a comentar os jogos da seleção.
A “FOX” foi o canal a consegui-lo e lá estava ela, acordada bem dentro da madrugada nos EUA, para dizer os quinhões acerca do empate sem golos que as todo-poderosas futebolistas do soccer firmaram com Portugal, a custo: só os 12 centímetros de largura do poste direito da baliza impediram a bola rematada por Ana Capeta, aos 90’+2, de colocar a seleção nacional em vantagem com seis minutos de descontos por contar no derradeiro jogo da fase de grupos deste Mundial. Seria o completo desastre, um cataclismo para os EUA, que sempre entraram nas eliminatórias de todas as edições. Para Carli Lloyd, a partida já o foi por inteiro.
Com o jogo terminado e a transmissão a mostrar as jogadoras norte-americanas encasacadas, ainda no relvado, entre alguma galhofa e fotografias a serem tiradas com adeptos que tinham esperado nas bancadas, os jornalistas em estúdio questionaram Carli Lloyd sobre o que estavam a ver após os EUA “sobreviverem” a Portugal. A terceira mais internacional (316 jogos) da história da seleção não se coibiu de opinar: “Nunca testemunhei algo como isto. Há uma diferença entre ser respeituosa com os adeptos e dizer ‘olá’ à tua família, mas estar a dançar e a sorrir? Quer dizer, o melhor em campo daquele jogo foi o poste. Têm sorte por não estarem a ir para casa neste momento.”
Nas imediações lá no relvado, a capitã Lindsey Horan acenava, sorridente, na direção das bancadas, onde Trinity Rodman posava para algumas fotografias com adeptos. À exceção de Rapinoe, a mais velha (38 anos) e a competir nos últimos jogos da carreira (vai retirar-se no final da época), todas foram titulares contra Portugal. A ‘velha’ bicampeã mundial, hoje com 41 anos, acentuou mais as suas críticas. “Nunca deves tomar nada como garantido, vestes aquela camisola e queres dar tudo o que tens pelas pessoas que vieram antes de ti e as que jogarão depois. Mas não tenho visto essa paixão, só vejo uma postura sem brilho, desinspirada e a dar as coisas como certas. Não tem acontecido darem tudo no treino e nos jogos para serem a melhor jogadora possível.”
Estas palavras vieram de uma lenda da seleção dos EUA que, nos seus últimos anos, quando a sua influência na equipa desvanecia, exibiu cara de poucos amigos em algumas aparições em campo, como no Mundial de 2019, onde depois da fase de grupos foi suplente utilizada nos restantes jogos a partir dos 80 minutos. “Há uma diferença entre confiança e arrogância, a linha é ténue, mas nunca a deves cruzar. E isto é exatamente o que pode acontecer e vir ‘morder-te”, acrescentou.
As críticas de Carli Lloyd foram, em certa medida, endereçadas por Vlatko Andonovski, o selecionador dos EUA que apelidou de “loucura” colocar em causa a “mentalidade” das futebolistas ou a sua “vontade em ganhar”. O treinador assegurou que a equipa “quis vencer mais do que tudo” e nunca a viu “entrar em campo e não tentar mais, competir mais arduamente”. Colocando a parca exibição das norte-americanas diante do espelho, Andonovski sabe “que não foi suficiente” e revelou “não [estar] feliz” com a partida.
Em 2015, na final do Mundial contra o Japão, Carli Lloyd marcou um hat-trick (incluindo o tal golo do meio-campo).
Kevin C. Cox/Getty
Carli Lloyd não poupar nas palavras, nem ter meiguice nos filtros, é uma faceta antiga. Muito antes de, há dias, dizer que “Portugal não [era] uma ameaça” porque “a única ameaça” aos EUA eram “as próprias jogadoras”, ou de advogar que Alex Morgan começasse o encontro no banco, a ex-avançada já etiquetara de “tóxico” o clima que se vivia na seleção norte-americana. O ano passado, lamentara como “a cultura mudou” após a conquista do Mundial de 2019, onde revelou ter “odiado” o ambiente “nos últimos anos” em que representou a equipa.
Em conversa no podcast de Hope Solo, também retirada guarda-redes e outra antiga figura do soccer feminino norte-americano, criticou que a seleção virou “mais um ‘como posso construir a minha marca fora de campo?’ e um ‘o que posso fazer para arranjar um contrato de patrocínio?’”. Desbocada, Carli Lloyd sugerira, um par de anos antes, que se poderiam organizar treinos simultâneos entre as seleções masculina e feminina, no mesmo campo, para todos “compreenderem melhor do ponto de vista relacional”. Contexto: disse-o em 2020, no fervor da disputa legal que opôs um grupo de internacionais contra a Federação de Futebol dos EUA, em protesto por equal pay e melhores condições para as futebolistas. Um histórico acordo seria anunciado no início de 2022.
Por essa altura, a eleita melhor jogadora do mundo em 2015 e 2016 já se retirara da seleção. O anúncio surgiu duas semanas após os Jogos Olímpicos de Tóquio, onde os EUA conquistaram a medalha de bronze. No sua derradeira partida oficial, a que precipitaria o cerrar do estore da sua carreira, Carli Lloyd foi a única - entre futebolistas e staff técnico - a não se ajoelhar antes do arranque do jogo e durante o hino nacional norte-americano, num gesto em protesto contra o racismo e discriminação no seu país.