A primeira parte do Coreia do Sul - Portugal já se aproximava do final quando Pepe fez um passe rasteiro, tentando invadir o meio-campo dos asiáticos. A bola aproximou-se de Vitinha, mas o jogador do PSG fugiu dela, visão estranha para quem a trata e acaricia com tanto mimo. Logo se percebeu a intenção que estava na mente do jovem de 22 anos: deixar o passe correr para Ronaldo, que tabelou com Vitinha, aclarando o panorama perto da área sul-coreana, ainda que a sequência do lance não levasse muito perigo para Seung-gyu Kim.
Este momento evidencia bem muitas das virtudes de Vitinha, o centrocampista de pés requintados que submete o perfume que sai das botas ao critério e rigor das ideias que estão na cabeça, aplicando a máxima cruyfista que dita que o futebol começa na cabeça e acaba nos pés. No fecho do grupo H, o futebolista que o olho de Luís Campos recomendou que o PSG contratasse teve direito a estreia num Mundial, apenas na segunda vez em que foi titular pela seleção principal.
A reconfiguração do jogar de Portugal, visível pela conjugação de talento no onze mas ainda não consolidado a nível do futebol praticado, tem juntado a técnica e criatividade de Bruno, Bernardo ou Félix em campo. Sem nenhum deles, a batuta passou para Vitinha, que começou tímido, mas, pouco a pouco, foi tornando sua a condução dos lances ofensivos da seleção, ao ponto de vários dos melhores lances surgirem após iniciativas do ex-FC Porto.
James Williamson - AMA/Getty
Vitinha partiu quase sempre como interior pela esquerda, recebendo a bola perto dos centrais ou de Rúben Neves para depois progredir em tabelas e combinações curtas, intenções que tornam difícil não pensar como seria ter um médio com este perfil associativo quando em campo estiverem Bruno, Bernardo ou Félix.
Aos 42', os pés de veludo de Vitinha arranjaram espaço à entrada da área para rematar, testemunho claro que Vítor Machado Ferreira tem recursos para ser mais-valia tanto na primeira fase de construção como mais próximo da área rival. Dois minutos depois, tricotou e adornou um lance, com roleta à Zidane incluída, acabando Ricardo Horta num remate sem muito perigo.
No total, segundo dados do Sofascore, foram 58 passes certos em 61 tentativas. Os 95% de acerto poderiam não significar muito, mas num médio que progride e invade o bloco rival, arriscando também em passes longos — tentou quatro, todos com êxito —, são uma percentagem que sublinha a conjugação de criatividade e segurança na posse oferecida pelo rapaz que está habituado a tabelar com Verratti, Messi ou Neymar.
Aos 62', Vitinha fez uso do engano para, quando todos esperariam um cruzamento, colocar uma bola entre dois adversários para Ricardo Horta. Mas o momento que mais poderia ter feito o jovem brilhar surgiu 10 minutos antes.
Vitinha tinha a bola descaído para a esquerda, zona que mais pisou ao longo da partida. O corpo estava virado para a linha lateral, quase paralelo à área rival, fazendo crer que sairia dali passe lateralizado. Mas, num súbito girar de pé, Vítor Ferreira colocou um passe por cima da defesa sul-coreana, encontrando Ronaldo em posição privilegiada para marcar. O capitão falharia o remate.
A derrota trará alguns pontos de interrogação para a fase a eliminar, mas, se antes do Mundial já se suspeitava que o médio que pegou de estaca no PSG poderia ser de enorme utilidade, a amostra contra a Coreia do Sul reforçou a certeza sobre o impacto que Vitinha pode ter. Juntá-lo aos outros criativos portugueses seria um belo favor que faziam a Bruno, Bernardo e Félix.