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Mundial 2022

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Bruno Fernandes, o homem que despreza o rame-rame

Depois das duas assistências no jogo com o Gana, dois golos contra o Uruguai. Bruno Fernandes está a ser o líder espiritual da seleção nacional no Catar, pelo menos dentro de campo, a aparecer quando a mira na bota tem de ganhar à faca na boca. A Tribuna Expresso escolhe Bruno Fernandes como o melhor em campo de Portugal contra o Uruguai

Lídia Paralta Gomes

Tiago Pereira Santos

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No deserto que às tantas se tornou a 1.ª parte, ele já parecia o mais esclarecido. Quando uns pediam no pé, ele já procurava os espaços. Ao rame-rame do carrossel que às vezes se torna o futebol de Portugal, respondeu com cara feia. E quando Portugal já estava na frente, naquela assistência de repente tornada em golo, há um gráfico que surge na TV, com Bruno Fernandes em foco, cabelo molhado do suor, onde se lia: “Forced turnovers”. Qualquer coisa como bolas perdidas forçadas ao adversário. E aí o médio do Manchester United era primeiro: naquela fase, eram 12 erros arrancados aos jogadores do Uruguai.

Mais: depois das duas assistências no encontro com o Gana, Bruno Fernandes, esta segunda-feira a jogar como uma espécie de 10 mais vagabundo, com licença para desbravar, deixou de dar a marcar para ele próprio assumir: neste Mundial, ele tem sido o líder em campo, o homem que nos empurra para a frente quando encontramos o espaço para isso. O primeiro golo, na verdade, seria uma oferta para Ronaldo, mas as pontas dos cabelos do desempregado mais valioso do futebol mundial não chegaram lá - ajudaram, claro, mas o golo é de Bruno Fernandes. Ele, o próximo capitão de facto ou, pelo menos, espiritual deste conjunto de homens, portou-se como um: no final, disse que festejou como se o golo fosse de Ronaldo, porque o esforço daquele cruzamento-tornado-golo estava direcionado para a cabeça do capitão.

Michael Regan - FIFA/Getty

Quando Ronaldo, senhorio das bolas paradas, já estava fora de campo, o pontapé de penálti foi seu, naquela certeza de quem agarra a bola para mais ninguém a roubar. Numa altura em que Portugal sofria, ainda que nem tanto depois de Fernando Santos reforçar o meio-campo, Bruno partiu para a bola com a clareza do costume, naquela paradinha marota que por vezes nos faz saltar um batimento, de tão perto do ilegal que parece estar, para resgatar o ritmo cardíaco regular a milhões de portugueses.

Daí até final, Bruno Fernandes ainda podia ter marcado por mais duas vezes e a quimera do hat-trick deu-lhe um boost extra, que nem rato atómico em campo. Uma dessas bolas foi ao poste e o seu desespero foi o mesmo de quem procura um empate, uma vitória, uma taça. Jogou-se de joelhos ao chão, de mãos na cabeça, lançou impropérios vários. Assim é Bruno Fernandes. Será chato, arreliador, insistente - e também é isso que o torna num animal competitivo que tanto dá a seleção nacional em jogos deste campeonato, em que a mira na bota tem de ganhar à faca na boca.

Para as estatísticas, diz o Sofascore, ficam ainda os 84% de acerto em passes, os três duelos conquistados no chão, as cinco bolas longas acertadas em seis tentadas. E um bilhete para os oitavos de final, assinado por ele no estádio Lusail, o maior deste Mundial, onde no relvado não faltarão pingas do suor da competitividade de Bruno Fernandes.

P.S. - O prémio de MVP do jogo também poderia ir para o cidadão que arriscou sabe-se lá o quê para irromper campo adentro com uma bandeira do arco-íris. Aquela sprint pelos direitos humanos, essa coisa assustadora no país em que se disputa o torneio, vale mais que uma vitória: ele é o maior herói até agora deste Mundial.