A cabeleira loira de Jürgen Klinsmann prestou visita a incontáveis balizas espalhadas pelo futebol, o alemão jogou como um prolífico avançado e fartou-se de marcar golos por Estugarda, Inter de Milão, Tottenham ou Bayern de Munique, sublimando-se numa altura sem a inflação das internets, notavelmente, pelo registo deixado em Mundiais: 11 golos nos 17 jogos repartidos pelas edições de 1990, 1994 e 1998, que lhe colaram um legado ao nome, acompanhado da imagem de um jogador irascível, ávido a ser pólvora para discussões em campo e justificador da alcunha que lhe deram.
Por ter sido o que foi e ser quem é, a “BBC” fez de Kataklinsmann um seu comentador para o Campeonato do Mundo do Catar e, há dias, falando em estúdio sobre o recente Irão-País de Gales, o germânico comentou de tom algo crítico a postura que viu na seleção asiática: “Faz parte da cultura deles, trabalham o árbitro, vês jogadores sempre a saltarem no banco, a falarem com o quarto árbitro e o assistente, constantemente nos seus ouvidos e nas suas caras”.
O hoje treinador, cujo último trabalho se viu no Hertha de Berlim, em 2019/20, pareceu sugerir que as manigâncias para influenciar quem apita fazem parte do jogo dos iranianos.
Klinsmann até associou Carlos Queiroz a esta suposta costela, opinando que o treinador “encaixa bem com esta forma deles fazerem as coisas”, apertando mais ainda neste gatilho - “isto não é coincidência, é feito de propósito”. A resposta do português que exerce de selecionador iraniano pela segunda vez na carreira, que já teve as suas aparições mediáticas neste Mundial ao pronunciar-se sobre as frequentes questões colocadas aos seus jogadores sobre a postura e o apoio aos protestos que decorrem no Irão, demorou pouco a aparecer. “Independentemente do quão respeito o que fez dentro de campo, os seus comentários sobre a cultura, a seleção e os jogadores do Irão são uma vergonha para o futebol”, criticou o técnico.

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Ninguém “pode atingir” a “dignidade” dos iranianos, defendeu, visando diretamente o alemão ao responder via Twitter, por “questionar a integridade” do português “apesar de não [o] conhecer” e com “um típico julgamento preconceituoso de superioridade”. Carlos Queiroz convidou Klinsmann a visitar o centro de estágio da seleção iraniana no Catar para “conviver com os jogadores e aprender sobre o país, o povo, os poetas, a arte, a álgebra e a milenar cultura Persa”, esperando que o faça já despido do que agrava as palavras proferidas pelo alemão - o facto de ser assalariado da FIFA e integrante do seu Grupo Técnico de Estudo.
Já este domingo, a postura do treinador português foram reforçados pela reação institucional da Federação de Futebol do Irão, igualmente crítica das palavras de “Mr. Klinsmann”, confirmando que já pediu à entidade que manda no futebol mundial “a demissão” do alemão e um “pedido de desculpas” pelos “julgamentos feitos” à cultura do país.
A federação reforça o convite para que o germânico, de 58 anos, para ser presenteado com “uma palestra” sobre “a cultura Persa e os valores do futebol e do desporto” no geral. Dada a resposta protocolar oficial, os dirigentes iranianos também deixaram algumas considerações acerca de Klinsmann, pinceladas com o sarcasmo que até se denota por escrito: “Sendo alemão, prometemos que Mr. Klinsmann não será julgado pelo vergonhoso episódio da história dos Mundiais, a ‘Desgraça de Gíjon’ em 1982, quando a República Federal da Alemanha combinou um resultado com a Áustria. Como ex-jogador, não será julgado pelos seus famosos mergulhos dramáticos. E, como profissional do futebol, não será julgado por quaisquer assuntos políticos ou históricos relativos ao seu país”.
A já algo ‘entrincheirada’ seleção do Irão, com dias em que teve conferências de imprensa inundadas de questões feitas aos seus futebolistas acerca da postura da seleção face aos protestos no país contra a violência dirigida a mulheres desde a morte de Mahsa Amini, em setembro - detida pela polícia por não usar um hijab na rua -, aguarda agora a visita de Jürgen Klinsmann. À sua espera estará ainda “uma sugestão” para que fique por lá durante algum tempo “para rever os 99 minutos do Irão-Gales”, reconhecido “por muitos como um dos jogos mais justos e bonitos da história dos Mundiais”.
Antes, na escritura de Carlos Queiroz que prontamente respondeu a Jürgen Klinsmann, o português endereçou-se ao antigo jogador como “alemão/americano”. Presumivelmente, pelo seu passado como selecionador dos EUA, entre 2011 e 2016. Com essa referência subliminar, o treinador português tocou em nuances que aparecerão em força na próxima terça-feira, 29 de novembro, quando os iranianos defrontarem os norte-americanos no terceiro jogo do Grupo B. Aos contrastes históricos e geopolíticos que há décadas cavam fossos diplomáticos entre os dois países, futebolísticamente está agora outro a ser escavado.
No sábado, as contas da seleção dos EUA mostraram, no Twitter, a classificação do grupo, com os quatro países a serem acompanhados pela respetiva bandeira. Na do Irão, contudo, não constou o escudo da República Islâmica do país ao centro das listas horizontais verde, branca e vermelha intencionalmente. A federação norte-americana explicou que pretendia demonstrar “apoio às mulheres no Irão que lutam por direitos humanos básicos” e escolha a afetar um símbolo nacional do país terá, alegadamente, motivado outra reação.
O Irão terá requerido à FIFA uma sanção de 10 jogos para os EUA, logo a eliminação do Mundial, segundo a “Tasnim”, uma agência de notícias de Teerão. O pedido ainda não foi confirmado pela Federação de Futebol Iraniana, mas, entretanto e pelo menos na imagem publicada no cabeçalho da conta da seleção no Twitter, já surgiu, este domingo, a normal bandeira do Irão. Tudo a acontecer à boleia de um Mundial a cargo de uma organização que se vende como apolítica, toma decisões políticas - proibir a braçadeira “One Love”, com as cores do arco-íris em apoio à comunidade LGBTQI+ - e vai vendo estas bolas políticas a serem pontapeadas entre dois países que sorteou no mesmo grupo.