Perfil

Mundial 2022

Mundial 2022

Mundial 2022

‘Estrangeiros’ nas seleções? São trocas e baldrocas que todos sabem como fazer

No Catar estão 32 seleções com um total de 832 jogadores de 53 nações diferentes, em que 137 não jogam pelo seu país de nascimento. Confuso? Não. Afinal, este é o Mundial da globalização (onde ironicamente nem todos podem expressar-se livremente). Na seleção de Marrocos, por exemplo, mais de metade dos jogadores são “estrangeiros”

Alexandra Simões de Abreu

DeFodi Images

Partilhar

Quando, há 62 anos, David Júlio e Lúcio Soares entraram em campo para defrontar a Alemanha Ocidental, num jogo amistoso, ao lado de Mário Coluna, Matateu, José Augusto, José Águas e Fernando Mendes, entre outros, eram poucos na bancada aqueles que sabiam estar a assistir à estreia dos primeiros naturalizados com a camisola da seleção portuguesa. O jogo, não que interesse para o caso, foi disputado em Ludwigshafen e terminou com uma vitória dos alemães por 2-1.

Apesar de os nomes serem bem portugueses, a verdade é que David Julio nasceu David Abraam Julius a 8 de Janeiro de 1932, na África do Sul, e foi um dos primeiros ali nascidos a jogar fora do continente africano, como conta o “MaisFutebol”.

Após uma passagem pelo Sporting de Lourenço Marques, satélite dos leões da (então) Metrópole, David acabou por chegar a Alvalade, em 1957, já com 25 anos, rapidamente tornou-se titular indiscutível e pouco depois, português. Foi uma situação bem diferente dos jogadores nascidos nas colónias portuguesas que logo à partida tinham nacionalidade portuguesa.

O caso de Lúcio é semelhante, mas tem sotaque brasileiro. Filho de pais portugueses, nasceu em Minas Gerais a 31 de Maio de 1934 e 25 anos depois estava a jogar no Sporting, em Lisboa.

Vem isto a propósito do número de jogadores que neste Mundial do Catar vão representar outro país que não aquele onde vieram ao mundo. Ao todo são 137.

Se olharmos para levantamento que o jornalista e analista de futebol, Jaime F. Macias, fez das 32 seleções que estão no Catar, apenas quatro não contam com nenhum jogador nascido noutro país. São elas: Brasil, Argentina, Arábia Saudita e Coreia do Sul.
Nas restantes, a maioria, há jogadores naturalizados, com destaque para Marrocos, que tem 14 ‘estrangeiros’ contra 12 convocados nascidos no próprio país. O país tem uma grande diáspora, a maioria na França, que conta com mais de um milhão de marroquinos até à terceira geração; mas existem também grandes comunidades de marroquinos na Espanha, Países Baixos e Bélgica.

Quatro marroquinos a jogar contra a sua terra natal

No jogo deste domingo entre as seleções de Marrocos e a Bélgica havia quatro jogadores marroquinos a jogarem contra a sua terra natal. Eram eles Selim Amallah, Ilias Chair, Bilal El Khannous e Anass Zaroury, enquanto do lado contrário, pela Bélgica, estaria apenas um jogador com sangue magrebino, o avançado Loïs Openda, filho de mãe marroquina e pai congolês.

A comunidade marroquina é uma das mais representativas da Bélgica e tudo começou no início do século XX, quando o país africano ainda era uma colónia francesa. Foi enviada muita mão de obra magrebina para o país dos Diabos Vermelhos, mas o maior fluxo migratório ocorreu a a partir da década de 1960, devido a um acordo para facilitar a entrada de trabalhadores marroquinos, sobretudo para as minas de carvão. Em meados da década de 1970, eram já mais de 40.000 os marroquinos que viviam na Bélgica. Hoje os habitantes de origem marroquina que vivem no país representam 4% da população.

Nardin Jbari foi o primeiro jogador de origem marroquina a defender a seleção principal da Bélgica. Filho de imigrantes, começou o seu percurso no Anderlecht, mas foi já como jogador do Gent que deu nas vistas, a ponto de ser chamado a representar as cores belgas. Abriu uma porta que nunca mais havia de ser fechada.

Já do lado oposto, curiosamente, Marrocos nunca contou com jogadores como Jbari, com dupla nacionalidade, para vestir a sua camisola. Porém, seguiu com atenção os nascidos em Marrocos que emigraram para o futebol europeu, nomeadamente para a Bélgica.

Nacer Abdellah, nascido no noroeste marroquino, em 1966, foi o primeiro caso sério para Marrocos. Ainda em criança mudou-se para Mechelen e tornou-se o primeiro marroquino a jogar no campeonato belga. Começou a jogar no KV Mechelen, mas foi no Cercle Brugge que Marrocos reparou nele e o chamou para representar a seleção de Marrocos. A porta estava aberta e a partir daí a seleção marroquina passou a contar cada vez mais com o talento dos filhos dos seus imigrantes, que se desenvolveram no futebol europeu.

Voltando ao Mundial, Tunísia e Senegal estão logo atrás de Marrocos com 12 jogadores naturalizados cada, enquanto os anfitriões catarenses têm 10 nomes de fora na sua lista - o português Pedro Ró-Ró é um deles -, tal como o País de Galês.

Um outro olhar pela lista leva-nos a verificar também que o país que enviou mais jogadores para o Catar é a França. A seleção gaulesa tem apenas três atletas ‘estrangeiros’ na sua convocatória - Camavinga, nascido em Angola, Mandanda nascido no Congo e Marcos Thuram em Itália -, mas, em contrapartida, são 38 os nomes franceses que irão disputar o torneio por outros países, entre os quais Raphaël Guerreiro, por Portugal.

Além das 32 seleções participantes no Mundial, há outros 21 países que também estão representados, só com jogadores: Itália, Gâmbia, Argélia, Iraque, Sudão, Bahrein, Egito, Escócia, Quénia, África do Sul, Costa do Marfim, Bósnia e Herzegovina, Áustria, Guiné-Bissau, Angola, Colômbia, Congo, Kosovo, Jamaica, Suécia, Nicarágua.