A cara ainda imberbe e o cabelo menos aprumado, com um pequeno conglomerado a alongar-se um pouco sobre o pescoço, ele de olhar concentrado na bola. É penálti para Portugal, o jogo congela a 11 metros da baliza do Irão e Ronaldo encara a bola, arranca e o remate é cheio de força. Quando entra, Cristiano não corre, limita-se a dar um par de passos para o lado e ajoelha-se, cerra os punhos e grita para o afago de Luís Figo, o capitão que o envolve na celebração. Era 2006 e ele marcava o primeiro golo em Mundiais com a seleção nacional.
E eram outros tempos. Ronaldo ainda vestia nas costas o 17, jogava com a versão de projeto de extremo driblador e espalhafatoso nas fintas na qual apostava e o protagonismo na equipa de Portugal, se bem que já com um holofote a iluminá-lo, não era quase propriedade exclusiva soa como nos anos seguintes. Foi no torneio organizado pela Alemanha, há 16 anos, que Cristiano inaugurou a costela goleadora nos arrabaldes que são o pináculo da carreira de qualquer futebolista. Esta quinta-feira, plantou outra bandeira na sua lua tão peculiar para se agarrar a mais um recorde.
Com o golo ao Gana feito de penálti e no estádio batizado com o nome 974, o português é o primeiro futebolista a deixar golos em cinco Campeonatos do Mundo distintos, ligando a sua história mundialesca de Frankfurt, na Alemanha, onde marcou o primeiro, a Doha, no Catar, lugar que acolheu o seu oitavo golo - e 837.ª da carreira, número anormalmente próximo da quantidade de contentores que compõem o estádio que albergou a proeza, que usou esses retângulos de mercadoria como peças de lego.
Tinha 21 anos, feitos recentemente, quando deu o estreante pontapé e foram os 37 que já cortejam os 38 a pontapearem este golo. Haver, entre estes golos, vagar para tanta fartura de tempo é um elogio à longevidade, conceito saído muitas vezes da boca de Cristiano recentemente, quando falou na polémica entrevista dada antes deste Mundial.
Ronaldo é o primeiro homem a lograr este feito, mas não é o primeiro humano. Em 2019, a brasileira Marta, canhota cheia de ginga no corpo, fez o seu 16.º golo em Mundiais femininas no quinto torneio em que participou. E era dona de menos idade: tinha 33 anos quando logrou o feito que preconiza a feitura de outra, igualmente tramada de se ter.




Porque o marco goleador obriga um futebolista a tocar na bola em cinco edições do torneio, que já é, por si só, uma raridade: além do português, acrescentado a esta família também no jogo frente ao Gana, há apenas os mexicanos Antonio Carbajal e Rafael Márquez, o alemão Lothar Matthäus e o argentino Lionel Messi. Outros houve que estiveram numa mão de depósito atestado em Mundiais, mas sem jogarem em todas essas edições, como o italiano Gianluigi Buffon ou Guillermo Ochoa, igualmente nascido no México. Alguma receita secreta poção será feita acrescentado ao que é dado de beber aos futebolistas nascidos por lá para condimentar o facto de tantos se verem nesta turma de exceções.
Outra mistela especial haverá de ter caído no copo de Cristiano Ronaldo. Ao singelo golo que deixou no Mundial de 2006, seguiu-se o também único que fez em 2010, na Cidade do Cabo da África do Sul, quando a bola lhe pediu uma boleia às cavalitas para fechar a goleada, por 7-0, à Coreia do Norte. Em 2014, na única vez em que ele e a seleção não se espreguiçaram para lá da fase de grupos, Cristiano estava em Brasília a marcar ao Gana, aproveitando uma trabalhada do guarda-redes adversário.
Em 2018 o regalo foi outro, logo de rompante: três golos à Espanha em Sochi, logo no primeiro jogo no Campeonato do Mundo da Rússia. Um de penálti, que lhe deu corda às pernas para correr desenfreado rumo à bandeirola de canto; o segundo com um remate de pé esquerdo, à entrada da área, desviado na simpática ajuda de David de Gea; e o último curvado num livre direto, um dos poucos da carreira que bateu sorrindo mais ao jeito do que à força. Depois, em Moscovo, o quarto golo de Ronaldo neste Mundial foi à cabeçada, quase na pequena área de Marrocos e ainda na fase de grupos.
Ao 18.º jogo no quadrienal torneio (todos a titular), o agora desempregado futebolista ainda não alcançou o pecúlio goleador que Eusébio da Silva Ferreira logrou nos seis jogos feitos na única vez que viajou a um Mundial. Só em 1966, o lendário avançado marcou nove golos na aventura dos Magriços até às meias-finais do torneio em Inglaterra. Ultrapassá-lo é o recorde que falta a Cristiano Ronaldo na seleção nacional.