Prezando-se, que nem cassete riscada, como uma organização apolítica e de postura avessa a tudo o que são mensagens que tomem posição a favor de algo, não é de agora que a FIFA se contorcionou num jeito que a fez tomar mais uma decisão política. Na segunda-feira, as seleções de Inglaterra, País de Gales, Suíça, Bélgica, Dinamarca, França e Alemanha revelaram que os seus capitães já não iriam utilizar a braçadeira com as palavras “One Love” e as cores do arco-íris, intenção anunciada há meses como apoio à comunidade LGBTQI+ e à não-discriminação.
Sendo este o Mundial no Catar erguido no topo de subornos, mortes de trabalhadores migrantes, um regime que criminaliza a homossexualidade e demais assuntos que fizeram desta competição uma cimeira de críticas, essas sete federações firmaram esse pacto como medida possível para marcarem uma posição favorável a direitos humanos. Mas a FIFA foi “muito clara”, disseram as seleções: “iria impor sanções desportivas se os nossos capitães usassem a braçadeira em campo”.
Caso Harry Kane, Gareth Bale, Granit Xhaka, Eden Hazard, Simon Kjaer, Hugo Lloris e Manuel Neuer - as outras 25 federações, como a portuguesa, não se pronunciaram em relação à iniciativa - entrassem em campo com a dita braçadeira, o árbitro poderia e, segundo as regras, deveria mostrar-lhes um cartão amarelo por usarem um elemento estranho ao jogo e não autorizado pelo organizador da competição. Em alternativa, a FIFA criou uma braçadeira de cor branca, com as palavras “No Discrimination”, para ser utilizada por todos os 32 capitães.
Esta quarta-feira, ainda no túnel de acesso ao relvado do Khalifa International Stadium, viu-se no braço esquerdo de Neuer um ligeiro vislumbre dessa tal braçadeira branca. Mal estava à vista, presa ao membro do guarda-redes e quase inteiramente tapada pela manga da sua camisola.
E talvez a FIFA tenha captado aí uma pista para o que viria depois.



Cantados os hinos, dados os passou-bens entre jogadores e atirado ao ar a moeda para decidir quem jogava onde, as seleções do Japão e da Alemanha juntaram-se cada uma no seu lado do campo para a protocolar fotografia das equipas iniciais. E os 11 futebolistas germânicos tinham uma mensagem a passar sem falarem, dizendo nada, apenas mostrando uma atitude.
Ao posarem para a fotografia oficial, todos levaram a mão direita à boca, tapando-a, sugestionando com a força de uma imagem o que a FIFA lhes fez - e o que a FIFA não quis mostrar, pois o momento não surgiu na transmissão televisiva oficial, que é controlada pela entidade. Poucos minutos volvidos e a justificação para o ato seria confirmada pela Federação de Futebol Alemã: “Negarem-nos a braçadeira é o mesmo que negarem-nos a voz. Mantemos a nossa postura”.
Em curto comunicado publicado no Twitter, a entidade explica que pretendia usar a braçadeira “One Love” para “tomar uma postura por valores” que preza na seleção, que são “a diversidade e o respeito mútuo”. Em conjunto com as outras sete seleções, queria que a sua “voz fosse ouvida”. O objetivo “não era fazer uma declaração política”, mas focava-se nos “direitos humanos, que são inegociáveis”. Isso “deveria ser dado como garantido, mas ainda não é o caso”, acrescentou a federação alemã - “é por isso que esta mensagem é tão importante para nós”.
Nas bancadas do estádio e a assistir ao jogo estava Nancy Faeser, ministra do Interior da Alemanha que, no braço esquerdo, tinha a braçadeira original com as cores do arco-íris. A representando do governo germânico foi igualmente fotografada pelas objetivas das dezenas de câmaras presentes no recinto, ela portador de uma postura que a FIFA quis abafar.
Mas, no campo e na bancada, os alemães reagiram. E agora, o impacto da postura porventura será maior do que as braçadeiras que apenas sete capitães tinham concordado em utilizar.