Este texto é sobre Mahsa Amini, a mulher de 22 anos que morreu após ter sido detida pela polícia religiosa do Irão. Nunca saberemos exatamente as circunstâncias em que Mahsa perdeu a vida a 16 de setembro, porque o Irão é opaco, além de repressivo, dois adjetivos que não são mutuamente exclusivos em países antidemocráticos.
Há duas versões para esta história: Mahsa terá sido espancada até à morte, dizem os críticos do regime; Mahsa não resistiu a um ataque cardíaco e morreu, diz o regime. O crime de Mahsa - e que levou à sua detenção e depois à tragédia - foi não ter coberto corretamente a cabeça com o hijab, um costume que pelos vistos é diligentemente policiado no Irão.
Como sabemos, a história dramática de Mahsa provocou manifestações que juntaram homens e mulheres revoltados perante outro exemplo da opressão indiscriminada e violenta em nome do tradicionalismo religioso. Houve confrontos, houve mortes, seguramente mais mortes do que os números oficiais traduzem, e o desporto foi uma das formas encontradas para transmitir a frustração, a indignação e o apoio à causa.
Aqui entra a seleção iraniana de futebol, treinada pelo português Carlos Queiroz e que tem no portista Mehdi Taremi uma das suas duas estrelas mais cintilantes. Na chegada ao Catar, Queiroz desviou-se politicamente dos acontecimentos sociais; Taremi, nem por isso. Disse que queria “enviar as condolências” e “expressar” os seus “sentimentos a todos os que perderam entes queridos”. Não foi a primeira vez que o fez; nem ele, nem os colegas, que antes já haviam tapado o equipamento oficial do Irão com um casaco negro no jogo particular contra o Uruguai.
Agora, num Mundial em que as questões dos direitos humanos parecem sobrepor-se ao desporto, é natural que os futebolistas iranianos sejam confrontados com o que se passa no país deles. As respostas poderão depender de duas coisas: do perfil de quem é questionado e do grau de segurança que este possa sentir perante eventuais retaliações no Irão.
Por exemplo, Jahanbakhsh acusou os media ingleses de fazerem “jogos mentais” perante a insistência no tema, mas também confessou estar condicionado pelo momento: “Se me fizessem essa pergunta fora do Mundial, a minha resposta provavelmente seria diferente”. Hajsafi, o capitão, assumiu que “as coisas não estavam bem” no Irão: “Nós estamos aqui, mas isso não significa que não devamos ser a voz deles”.
A expetativa cresce a horas do jogo com a Inglaterra. Será que os iranianos vão cantar o hino? Irão apresentar-se com o equipamento descoberto? E, se marcarem, evitarão celebrar, tal como Sardar, a superestrela do grupo, diante do Uruguai? Ou arriscarão um pouco mais, simulando cortar o cabelo como a seleção iraniana de futebol de praia?
Provavelmente - e com um grande amargo de boca para Gianni Infantino e para a sua FIFA - este é o Mundial mais político desde o Argentina 1978.