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Mundial 2022

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Catar retirou trabalhadores migrantes dos estádios durante inspeções da FIFA para impedir queixas, revela relatório

Como também passou despercebida nas inspeções da FIFA a forma como o Catar tratou os trabalhadores? Graças a um relatório da associação Equidem, sabe-se agora que a organização do torneio e os responsáveis das obras retiravam os migrantes dos estádios para não terem qualquer contacto com o órgão dirigente

Rita Meireles

Matthew Ashton - AMA

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A partir de 20 de novembro, vários jogadores, equipas técnicas, árbitros e adeptos vão ocupar os estádios que foram construídos no Catar para o Mundial de 2022. Vão ouvir-se cânticos, gritos quando a bola entrar na baliza. Vai ser uma alegria, e ainda que alguns acabem por sair desiludidos com os resultados, no final será sempre a festa do futebol.

Nessa altura, talvez nem todos se lembrem que, antes da festa, outras pessoas pisaram aquele espaço. Só que não sentiram o mesmo clima de euforia. Aliás, de acordo com o que descreve o relatório “If we complain, we are fired”, da organização para os direitos humanos e laborais Equidem, viveram algo que pode ser descrito como um inferno.

São descritas punições físicas se os trabalhadores fossem vistos como tendo baixo desempenho, despedimentos quando se queixavam do tratamento que recebiam e a obrigatoriedade de trabalharem durante os confinamentos provocados pela pandemia de covid-19. O relatório também revela que dois trabalhadores morreram na sequência de incidentes no estádio que vai acolher a grande final, sendo que uma das mortes aconteceu no ano passado. No fundo, uma série de abusos dos direitos humanos.

Se vários destes relatos já eram conhecidos através de outros estudos ou denúncias feitas pelos próprios trabalhadores, há um novo dado que foi revelado. A Equidem afirma que os trabalhadores migrantes empregados nos estádios do Campeonato do Mundo foram secretamente retirados dos locais de construção antes das inspeções da FIFA. Os chefes das empresas de construção garantiam que os trabalhadores saíssem das instalações e não pudessem fazer queixa da forma como estavam a ser tratados aos funcionários da FIFA.

“A equipa de inspeção vinha todos os meses, mas não podíamos encontrar-nos com a FIFA ou com a equipa do Comité Supremo porque o nosso local de trabalho seria mudado antes da sua chegada. Nos dias em que havia inspeção, éramos enviados para outro local de trabalho ou enviados para o campo. O pessoal de uma empresa estava no portão do estádio e quando alguém da FIFA ou do Comité Supremo chegava, eles informavam os nossos supervisores. Os funcionários da empresa deram-nos instruções rigorosas de que não devíamos ir até à equipa da FIFA com queixas. Foi-nos dito que uma ação rigorosa seria tomada contra qualquer pessoa que se queixasse”, disse, no estudo, um trabalhador indiano que fazia parte da equipa do Estádio Al Bayt.

Um migrante do Nepal, funcionário no Estádio Lusail, onde vai ser jogada a final, revelou que por vezes foram usados alarmes de incêndio para assegurar que não existiria qualquer contacto entre os migrantes e a FIFA.

"A empresa tocou o alarme de incêndio de propósito. Quando as pessoas ouviram, todos saíram. Estes exercícios de incêndio eram feitos regularmente para que as pessoas se reunissem em espaços abertos definidos. Depois disso, os gerentes traziam os autocarros e levavam-nos embora. No início, as pessoas acreditavam nesses alarmes de incêndio. Toda a gente costumava sair sempre que o alarme tocava. Depois disto acontecer cerca de duas ou três vezes, deixaram de sair. Os trabalhadores começaram a esconder-se para terem a oportunidade de se queixar à FIFA. Depois a empresa começou a verificar se alguém ainda estava no local. Se alguém era apanhado a esconder-se, ou era mandado de volta para casa ou tinha o seu salário reduzido", contou.

Esta investigação foi feita através de entrevistas com 60 migrantes empregados nos estádios que vão receber o Mundial 2022, mas no total foram feitas 982 tentativas de entrevista. A maioria não quis falar com medo de alguma consequência.

Segundo o “Daily Mail”, a organização do torneio no Catar já reagiu à publicação deste relatório, afirmando que é “completamente desequilibrado”, não fundamentado e que representa uma “narrativa unilateral”.