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Um salto para a história, mais um: Pedro Pablo Pichardo é o primeiro português bicampeão mundial de atletismo

Um salto para a história, mais um: Pedro Pablo Pichardo é o primeiro português bicampeão mundial de atletismo
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O português voltou à sua querida Tóquio, onde ganhou o ouro olímpico, em 2021, para ser o primeiro atleta nacional a sagrar-se bicampeão mundial de atletismo. Desta vez com o estádio cheio de gente a vê-lo, Pichardo liderou sempre a final, mas perdeu a vantagem antes do último salto que foi obrigado a dar. Ele nem queria, mas lá pulou, de forma épica, até aos 17.91 metros para voltar a ser o melhor do planeta no triplo salto, como em 2022. É o segundo ouro para Portugal nestes Mundiais, após o de Isaac Nader nos 1.500 metros

Até Tóquio, terra que muito lhe diz, pouco se soube do foragido Pedro Pablo Pichardo, que se pôs a andar de Setúbal nos arrabaldes de março, quando na ressaca da zanga com o Benfica abalou para San Vendemiano, em Itália, trintão mas apto a pular rumo a nova aventura. Saído prateado de Paris, o melhor triplo-saltista português manteve-se furtivo desde a mudança para o ATL-Etica, clube especialista em gente com trampolins nos pés, que galga, até tem um projeto batizado de “Canguru”, a vida deles é aos saltos.

Igual à de Pichardo, qualificado para a final dos Mundiais de atletismo, aos 32 anos, com a terceira melhor marca (17.09 metros) entre a dúzia de pretendentes, deveras longe do seu excelso melhor (18.08m), afastado da marca (17.84m) que o brindou com uma medalha nos ultimos Jogos, também aquém da distância que pulou em agosto (17.47m), na única vez que competira esta época antes de regressar à saudosa, e já composta, capital do Japão. Há quatro anos, no mesmo estádio, lá foi campeão olímpico (17.98m) sem gente a vê-lo.

Superada a pandemia, esta sexta-feira as bancadas tinham pessoas, olhos a impressionar e palmas de mãos para Pichardo pedir, disse ele que em 2021 sentiu essa falta e pediu-as, na final, ao ser o primeiro a saltar. Fez cerimónia no pulo (17.07m), abanou a cabeça, abeirou-se da bancada para ouvir o pai, Jorge, seu treinador que na qualificação lhe “puxou as orelhas” por relaxar no aquecimento. Pouco demoraram o argelino Yasser Mohammed e o cubano Lázaro Martínez a superarem-no à primeira tentativa. Mais era preciso se quisesse ser o primeiro português bicampeão de atletismo.

E quando Pedro Pichardo retomou ao tartã, com cara séria, pareceu ser imune à gravidade de Tóquio, alquimista de outra força de atração: o seu corpo voou para aterrar nos 17.55 metros, uma senhora marca, cravada de potencial de medalha. Ele sabia-o. Esmurrou o ar ao levantar, atirou um pouco da areia a que vincara a mão, esbugalhou os olhos de um atleta que ruge em direção à bancada. Ainda muito restava por saltar, mas era uma pose triunfal. Naturalizado português desde 2017, apenas Martínez, nascido também em Cuba, se aproximou (17.49m) no segundo salto.

Antes do terceiro salto, Pichardo fechou os olhos, deu-se um momento para respirar fundo, depois arrancou mais bruás das bancadas, parecia ter feito ainda melhor, mas era areia de vista, nos grãos ficou que afinal repetira os 17.55 metros. E conteve-se, não repetiu o festejo exuberante. Estava já noutra zona, uma mais contida, “in the zone” como dizem os americanos: quando a final virou para os derradeiros três saltos o português estava de costas na pista, deitado e com as pernas dobradas. Tinha os olhos fechados, estava no seu canto.

Christian Petersen

Chegada a sua vez, Pichardo quis cativar, quis esmolas do público, pediu as palmas e até a síncope em que as pretendia, a gente aderiu, lá ele, o quarto ensaio ficou-se pelos 17.36 metros. Rapidamente regressou ao solo, deitado e de persianas fechadas, enquanto Andy Díaz Fernandez, italiano campeão europeu de pista coberta, e Lázaro Martínez, encaravam a pista e arrependiam-se a meio da corrida. Ao ver o cubano replicar a falência no quinto ensaio, o português abdicou de saltar o seu. Bastava-lhe gerir, ir respirando fundo, deixar o costado no tartã se possível - cria que a vitória estava iminente.

Mas, do nada, surgiu Andrea Dallavalle.

Nem o italiano pareceu acreditar no que acabara de fazer, reagindo quase como se fosse algo que lhe sucedera, não que conseguira. Na sexta e última tentativa, sem que antes rondasse sequer as marcas de Pichardo, saltou 17.64 metros, brutal feito quando o melhor da sua carreira eram 17.36m. Dallavalle fartou-se de pular e berrar e esbracejar e agir descontroladamente. De súbito, o título parecia dele.

Mas, e havia outro ‘mas’, faltava o derradeiro salto de Pedro Pablo Pichardo.

Ele era o último atleta que restava saltar, tinha uma derradeira oportunidade, apenas uma, o português pôs-se com feição séria, a ocasião assim o obrigava, zarpou em corrida, fez a chamada, a segunda já pareceu gigante e o salto final foi mesmo enorme, ele voou, a gravidade de novo a baixar a guarda perante o seu corpo e quando aterrou a areia não enganava. Foram 17 metros e 91 centímetros, marca sensacional, uma das melhores da sua carreira - aquém dos 18.08m lendários (6.ª melhor marca na história do triplo salto) e dos 17.95m que lhe valeram o ouro em Eugene, nos EUA, em 2022.

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Pichardo virou doido por momentos, procurou a câmara de TV mais próxima, agarrou-lhe a órbita e gritou coisas, depois dirigiu os berros para a bancada, deu-lhe para a retórica, ouviu-se que perguntava “who's the best?”. Foi lesto a correr ao encontro do placard eletrónico posto ao lado da pista, deitou-se ao lado e essa foi a pose definitiva: um campeão mundial do triplo salto refastelado ao lado da sua marca, com a dentadura a sorrir. Mais ainda por causa de tanta história feita, já que é o primeiro português a conquistar dois ouros em Mundiais de atletismo. Antes só Carla Sacramento (1.500 metros) e João Vieira (marcha) tinham chegado a dois pódios.

Este é o segundo ouro português nestes Mundiais, imitador da vitória de Isaac Nader nos 1.500 metros, mas longe está de ser estranho para Pichardo. Quando a pandemia baralhou calendários e ordens, alinhou provas para, entre 2021 e 2022, ele interligar três ouros em catadupa - foi campeão olímpico em Tóquio, depois mundial em Eugene, a semanas de triunfar na Europa, em Munique. A pujança de Jordan Díaz, cubano que falhou a qualificação para esta final, fez-lhe uma dupla desfeita nos Mundiais e Jogos seguintes. Ganhando agora, de novo, no Japão, o português é o atleta dominador no triplo salto desta década.

Está dada a resposta, se lhe faltava uma: o melhor é Pedro Pablo Pichardo.

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