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Julia Paternain correu duas maratonas na vida. Numa delas, ganhou a primeira medalha do Uruguai em Mundiais de atletismo

Julia Paternain correu duas maratonas na vida. Numa delas, ganhou a primeira medalha do Uruguai em Mundiais de atletismo
Ian MacNicol

Julgava ser especialista nos 5.000 e 10.000 metros, mas estava enganada. Aos 25 anos, aventurou-se em distâncias mais longas e surpreendeu em Tóquio. A corredora que tem “três passaportes e um cartão verde” ficou em terceiro lugar na maratona feminina dos Mundiais e fez história para o país que representa

Muito valor desportivo já foi desenterrado dos comedidos 3,4 milhões de uruguaios. Ainda assim, medalhados em Mundiais de atletismo era uma espécie que ainda não tinha sido descoberta até Julia Paternain surgir no nosso imaginário.

“Não gosto de mate. De resto, sou uruguaia.” Nos vários trâmites da peculiar trajetória, perdeu alguns hábitos que no país dos pais são sagrados, como acartar a infusão e dela bebericar. Nascida no México, aos dois anos estava a emigrar para o Reino Unido, chegando a usar a Union Jack em campeonatos europeus do escalão sub-23. Rumou aos Estados Unidos para competir na NCAA pela Universidade de Penn State e, mais tarde, Arkansas.

Tem sido em solo norte-americano que tem progredido. “Tenho três passaportes e um cartão verde [que permite residir permanentemente nos Estados Unidos].” Quando Julia Paternain conquistou a medalha de bronze nos Mundiais de Tóquio, poucos estavam aptos a questionarem-na sobre algo mais profundo do que quem és? ou de onde vens?, legítimas perguntas quando se está perante uma desconhecida com repentino impacto global. “A minha família ainda vive toda no Uruguai, exceto eu e os meus pais.”

Julia Paternain entrou no estádio, onde terminava a maratona, com uma face abesbílica. Cruzou a meta com pouca consciência e em transe. Teve que ser um juiz a avisá-la que apenas a queniana Peres Jepchirchir (ouro) e a etíope Tigst Assefa (prata) tinham passado por ali primeiro. “Não conseguia ver uma alma”, partilhou. Recuperado o fôlego, apercebeu-se: tinha dado ao Uruguai a primeira medalha de sempre em Mundiais.

Há circunstâncias em que qualificar um resultado devia ser equiparado a um facto. Este foi verdadeiramente inesperado. Tendo até aqui realizado apenas uma maratona, a corredora de 25 anos chegou a terras nipónicas ocupando a posição 288 do ranking do evento. A suposta especialista nos 5.000 e 10.000 metros começou recentemente a acreditar que podia superar-se. Mudou-se para o Arizona, começou a treinar em altitude e correu 42.195 quilómetros em 2:27.23, 14 segundos acima do recorde pessoal e nacional estabelecido em março.

Quando terminou a faculdade, sem treinador e com um trabalho, Julia Paternain estava a “tentar perceber o que queria fazer com o atletismo”. Não existia perspectiva de que pudesse vir a correr distâncias tão longas. “Se me perguntassem há um ano se estaria a correr uma maratona, diria que não. Penso mês a mês.” Nos próximos dias, aliás, tem mais com que se preocupar do que viver a vida de celebridade. “Em breve, tenho que ir tirar três dentes.” E mostrou-os, meio a sorrir, meio a apontar.

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