As mãos de Giannis Antetokounmpo são enormes ou o seu crânio é desproporcionalmente pequeno para quem se ergue a 2,11 metros do chão, alguma das hipóteses será. Quando o grego bufou em desânimo e, com os cotovelos assentes na mesa da sala de imprensa, deixou a cabeça afundar, as palmas das suas mãos chegaram para a cobrir quase por inteiro e afagá-la. O basquetebolista dos Milwaukee Bucks resguardou-se durante uns segundos para reagir à pergunta que um jornalista lhe acabara de fazer, pouco depois da equipa perder contra os Miami Heat e ser eliminada à primeira ronda dos play-offs da NBA:
“Esta época é um falhanço?”
Recompondo-se do seu claro desagrado, o gigante grego argumentou contra quem o interrogou, problematizando a questão em vez de a responder diretamente. “Perguntaste-me o mesmo no passado. Tu tens uma promoção todos os anos no teu trabalho? Não, então todos os anos que trabalhas são um falhanço? Sim ou não? Trabalhas todos os anos em prol de algum objetivo - ter uma promoção, cuidar da tua família, pagar uma casa, cuidar da tua família. Não é um falhanço, são passos para o sucesso”, começou por dizer, fitando nos olhos o jornalista que terá sido movido pelo contexto e daí este pequeno interlúdio.
Os Milwaukee Bucks foram campeões da NBA em 2021, título que surgiu meio século após o último e com Giannis Antetokounmpo em grande, a liderar a equipa como um dos melhores jogadores da liga. Nascido em Atenas, o grego de ascendência nigeriana e apelido quase sem espaço para ser soletrado nas costas da camisola foi o MVP das finals desse ano, já foi duas vezes (2019 e 2020) eleito o melhor da NBA e integra um dos melhores plantéis do campeonato. Esta época, os Bucks chegaram a ligar 16 vitórias seguidas na fase regular, acabaram-na com o melhor registo entre todas as equipas (58 vitórias, 24 derrotas) e Giannis registou as melhores médias da carreira em pontos marcados (32.1) e ressaltos (11.8) por jogo. Fiando nos números e nomes, os Bucks eram um dos favoritos a alcançarem a final da NBA.
O dito jornalista terá olhado para esse quadro geral antes de formular a tal questão que puxou de Antetokounmpo o resto da interpelação: “O Michael Jordan jogou durante 15 anos e ganhou seis campeonatos. Os outros nove anos foram um falhanço? É isso que me estás a dizer? É uma pergunta errada, não existe falhanço no desporto. Há dias bons, dias maus, dias em que consegues ter sucesso e outros que não, dias em que é a tua vez. O desporto é isto, nem sempre vais ganhar. É tão simples quanto isso. No próximo ano vamos voltar, tentar construir bons hábitos, jogar bem e, possivelmente, poderemos ganhar o título. Os 50 anos em que não ganhámos a NBA foram um falhanço? Não, foram passos até ao sucesso.”
A crispação mostrada pelo jogador não virá da ousadia da pergunta, antes da sua casa de partida. Tendemos a afunilar o carinho para os ganhadores enquanto encaixotamos os perdedores a um canto da memória, deixamos acumular pó na enraizada lógica de os vitoriosos merecerem tudo e os derrotados serem órfãos de relevância. Vemos jogadores a não quererem medalhas de finalistas vencidos penduradas ao pescoço e rotulagens a serem feitas a preceito com visões afuniladas para os resultados. Giannis Antetokounmpo ter-se-á insurgido contra isso.

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Em alta competição, o basquetebolista de 28 anos já viveu mais e durante mais tempo do que Carlos Alcaraz, o jogador de 19 cuja erupção deu um abanão no ténis no último ano e meio, em que conquistou os US Open e se tornou o mais novo líder do ranking da história. Em Madrid, onde está a competir no Masters 1000 da capital, foi entrevistado pela “Marca” e a primeira interação logo o confrontou com o binómio do qual mais se extraem julgamentos acerca de desportistas.
“Custa às pessoas normalizar as derrotas, você habituou-se a ganhar quase sempre.”
A força da natureza que é Alcaraz quando de raquete a mão e a pisar um court relativizou a frase, fugindo de certezas. “Tudo depende de como ganhes e de como percas. Não estou habituado a ganhar, nem pensar. Ganho por consequência do trabalho”, explicou, antes de concluir que uma derrota não significa o fim do que seja: “Mas se jogar bem e perder, como em Miami contra o [Jannik] Sinner, saio com a cabeça erguida. O mundo não acaba se perder. Não me habituei à vitória nem faço um drama com a derrota”. Relembrando, o espanhol tem 19 anos.
Se esta presença de espírito será comum em atletas de alta competição acostumados aos baixos intercalados com os altos que só umas raríssimas exceções evitam durante grande parte das carreiras, ainda faltará a quem presencia, do lado de fora, os feitos de desportistas. “O falhanço não existe no desporto”, assegurou Giannis Antetokounmpo, e a derrota nada sentencia, atestou Alcaraz. A razão está do lado de ambos.