O mundo do desporto não estava preparado para receber atletas transgénero. Isso ficou claro ao longo deste ano, com as proibições ou propostas de criação de novas categorias. Ainda hoje se discute a justiça ou falta dela de ter numa prova de um determinado género uma pessoa que nasceu de outro género, mas passou pela transição. Para muitos é tudo uma questão de inclusão, mas, para Riley Gaines, competir contra Lia Thomas foi uma “injustiça”.
Thomas é a nadadora que atraiu muita atenção depois de vencer um título nacional da liga universitária dos Estados Unidos. Oito meses após competir contra ela, Gaines continua a pensar nesse momento.
“Senti o coração partido. As mulheres dedicaram todas as suas vidas a isto. Passámos horas na piscina todos os dias. Para que nos fosse retirada [a vitória] por alguém que, apenas um ano antes, nunca se teria sequer qualificado para esta competição como homem? Foi uma bofetada na cara”, disse Riley Gaines ao “The Telegraph”.
Mas a indignação da nadadora não ficou por aí. Depois de ver Thomas, que até começar a terapia hormonal estava no 554.º lugar do ranking universitário como homem, vencer todas as rivais femininas do país, descobriu que iria ter que nadar contra ela. As nadadoras terminaram a competição empatadas na quinta posição, mas Gaines conta que apenas Thomas foi autorizada a segurar no troféu “para fins fotográficos”.
“Eu disse que estavam errados”, recordou Gaines. “Perguntei aos oficiais: ‘Vão mesmo dar este troféu a um homem, biologicamente, em detrimento de uma mulher?’. Esta pessoa ganhou um título nacional ontem à noite e aqui estão vocês a colocar as mulheres em desvantagem num evento feminino. Thomas não disse uma palavra, não ofereceu o troféu. Parece-me uma falta de consciência mais o desrespeito para com as atletas femininas. Penso que mostra muito narcisismo".
Depois desta situação, a nadadora, convencida de que teria que lutar por justiça, decidiu mudar os planos que tinha traçado para o seu futuro, deixando de lado a carreira como dentista. "Percebi que, embora a medicina dentária estivesse sempre presente, a relevância e urgência desta questão talvez não estivesse", disse.
A história de Thomas foi provavelmente a mais mediática na modalidade. E talvez tenha sido a que levou à definição clara das regras por parte da Federação Internacional de Natação (FINA), que decidiu que as nadadoras transgénero não poderão participar nas suas competições a não ser que provem não ter passado pela escala 2 de Tanner, uma escala científica para aferir a maturação sexual e desenvolvimento corporal da puberdade masculina.
As preocupações parecem não ficar apenas pelo tema dos resultados desportivos. Kim Jones, a mãe de uma adversária de Thomas, fez um protesto contra a presença de alguém que nasceu homem nos balneários femininos. “Não fomos avisadas sobre a Thomas partilhar o nosso espaço. Isso é, para mim, uma insanidade absoluta. De repente, o lugar fica em silêncio e há um homem em termos biológicos a passar, a começar a despir-se. Sente-se uma sensação de desconforto total. Foi a experiência mais bizarra. Saí dali e pensei: ‘Estarei a perder alguma coisa? Porque é que as pessoas com autoridade não falam de como isto está errado?’”, questionou a nadadora.
O reconhecimento que Lia Thomas continua a receber nunca é bem recebido da parte de Gaines, que não gostou de saber que a nadadora foi nomeada pela Pensilvânia para a distinção de “mulher do ano” da National Collegiate Athletic Association.
“É ainda pior do que Thomas ganhar um título nacional”, disse. “Foi uma celebração do que tinha acontecido. Mas porque estamos a idolatrar Lia Thomas por encarnar a liderança e o caráter em vez das atletas femininas que deram as suas vidas para o fazer?”