Há um maratonista chamado Eliud Kipchoge, queniano, considerado o melhor do mundo na modalidade. Mas há também alguém que o ajuda a superar-se durante uma das exigentes provas em que participa e já o auxiliou a bater recordes na Maratona de Berlim. Claus-Henning Schulke é um alemão a quem Kipchoge chama “herói”.
E é voluntário.
O homem que entrega a Kipchoge os alimentos que lhe vão dando a energia de que precisa ao longo de uma maratona, e em vários pontos do percurso, cresceu como triatleta. Em 1997, este engenheiro civil decidiu oferecer-se como voluntário na Maratona de Berlim. Era um dos elementos que entregavam garrafas com nutrientes aos atletas. Na prova em Berlim, há pouco mais de uma semana, onde o queniano bateu o seu próprio recorde mundial, Schulke passou-lhe garrafas 13 vezes, conta o “New York Times”.
Vinte e cinco anos depois de ter começado a passar pedaços de hidratação, o alemão já não se limita a cumprir a sua função individual na perfeição: hoje coordena uma equipa de 34 voluntários que ajudam atletas de elite no acesso à sua nutrição específica durante a corrida da capital alemã.
A parceria de Schulke com Kipchoge começou em 2017, quando o acaso fez com que lhe fosse atribuída a missão de ajudar o queniano. Kipchoge venceu a corrida, mas a chuva impediu-o de bater o recorde do mundo. Quando o super atleta regressou a Berlim em 2018, a sua equipa exigiu a mesma parceria.
“Antes da maratona, em 2018, recebi uma chamada do diretor de corrida, que me disse que a equipa do Eliud queria encontrar-se comigo no hotel”, conta o alemão. Nessa reunião, foram discutidas estratégias como qual a melhor maneira de chamar a atenção de Kipchoge numa multidão de corredores; como queria que a garrafa lhe fosse entregue. “Eu agarrava por baixo e ele pegava por cima. Essa era a forma mais eficaz de passar [a garrafa]”.
Em 2018, 11 garrafas foram impecavelmente entregues ao atleta queniano, que estabeleceu um novo recorde mundial com o tempo de 2:01:39. Vídeos que mostravam o entusiasmo do seu passador de garrafas correram a internet, tornando o discreto Schulke um pouco mais conhecido. No dia a seguir à corrida, Kipchoge pediu que o alemão se apresentasse no lóbi do hotel. O campeão tinha um presente para o seu ajudante, era uma camisola em que tinha escrito a mensagem: “Sr. Claus, obrigado por me ter ajudado hoje. O meu recorde mundial não teria acontecido sem si”.
Este ano, Schulke teve de lidar com uma nova pressão: a fama. “Muitos espetadores gritavam: ‘Bottle Claus, Bottle Claus’, quando eu passava na rua”, confessa. Aos 40 quilómetros, o alemão passou a sua última garrafa e viu Kipchoge desaparecer ao fundo da rua: “Não fazia ideia se ele ia bater o recorde porque ele estava a perder alguma velocidade”. Mas a missão seria cumprida. Mais um feito para a parceria entre Bottle Claus e o “super” Kipchoge.
Facto pouco divulgado, e que o “New York Times” revela, é que, das seis grandes maratonas do mundo, Berlim é a única que oferece o serviço de entrega de garrafas. Ainda assim, escreve o jornal norte-americano, apenas um pequeno número de profissionais consegue tirar vantagem do serviço. Em 2022, por exemplo, apenas 19 homens e 15 mulheres tiveram a sorte de receber na mão as preciosas garrafas, enquanto todos os outros atletas tinham os seus recipientes pousados em mesas e tinham de os agarrar enquanto corriam.
Por vezes, os corredores pegam na garrafa errada e o erro pode ser fatal, pelo menos em termos de resultados. “Os atletas têm todos coisas diferentes nas suas garrafas”, diz Scott Fauble, o americano mais bem classificado na edição deste ano da famosa Maratona de Boston. “Alguns atletas preferem pós misturados em água, outros gostam de géis que colam na parte de fora da garrafa. Alguns bebem cafeína, outros não podem fazê-lo. Os atletas têm de perceber o que cai bem no estômago”, explica Fauble.
Sara Hall, atleta profissional, diz: “O ‘combustível’ é o maior limitador da performance numa maratona. Encontrar o melhor ‘combustível’ e hidratação que saibas que vai cair bem no teu estômago quando vais a ritmos elevados é crucial para manter a velocidade. É a razão pela qual alguns atletas voltam atrás se deixarem cair uma garrafa”.