Coroa de flores na cabeça, um pesado troféu revestido a madeira nas mãos, um dia bipolar a servir-lhe de pano de fundo, onde o sol se ia espremendo por entre as frechas das nuvens. Luna Hardman poderia ser uma vencedora como muitas a ostentar um sorriso rasgado no púlpito da vitória, ela no cume do pódio do Sintra Pro, na Praia Grande, onde este fim de semana aconteceu a etapa mais antiga do circuito mundial de bodyboard que serviu para consagrar uns nomes, ver corpos a trocarem acrobacias e elevar esta brasileira em particular numa simbologia umbilical.
Há 16 anos, Luna Hardman era um projeto de pessoa ainda na barriga da mãe e os trambolhões característicos do bodyboard, que deita humanos sobre uma prancha e os convida a encararem ondas como rampas de lançamento, foram os seus embalos durante algum tempo: em 2005, a progenitora estava na mesma Praia Grande, com dois títulos mundiais do quinteto que conquistou e a competir com uma gravidez de cinco meses. “Estava bem orientada pela minha médica. Já contei essa história à minha filha e lembro-me muito bem que, na altura, escrevi o nome dela na prancha”, resumiria, entretanto, a lenda andante que é Neymara Carvalho.
Deslizar em paredes de água na barriga da mãe serviu de muito a Luna Hardman, que deslizou até Sintra para tentar cravar o nome à estreia da atribuição de um título: o de campeã mundial pro júnior, recém-criado pela International Bodyboarding Corporation (IBC). E nas ondas da Praia Grande esteve uma progenitora a ver a sua prole a prolongar o legado da família na forma deitada de tirar proveito das divagações do mar, porque Luna ganhou a prova nessa categoria com Neymara a aplaudi-la da areia.
A coincidência de a filha vencer onde a mãe muito ganhou reforçou o simbolismo da prova, que é a etapa de Sintra é a mais antiga do circuito mundial, tendo cumprido a sua 26.ª edição. “Ainda estou a raciocinar todo esse sonho que se tornou realidade”, escreveu Luna Hardman, na ressaca da conquista feita no Instagram. “Nunca senti uma energia tão forte em mim como hoje, desde o momento em que acordei até à final”, acrescentou, ainda antes de a mãe reagir ao feito: “Que dia, que momento, que filme passando na minha cabeça. Você mereceu, filha, pela sua dedicação e treino, pela sua garra e vontade, pelo seu comprometimento e, acima de tudo, por sua entrega”.
Aos 46 anos, Neymara Carvalho também esteve em Sintra a competir. Não logrou repetir os triunfos que, no início do século, encadeou (três seguidos, entre 2002 e 2004), mas terá amealhado pontos suficientes para seguir na 2.ª posição do ranking mundial que, esta época, já consagrou a compatriota Isabella Souza. Na final do evento na Praia Grande, a portuguesa Joana Schenker foi derrotada pela amiga Sari Ohara, japonesa que assim igualou o feito de ter uma tríplice de vitórias na competição. Nos homens, reinou o quasi português Pierre-Louis Costes, residente na Costa da Caparica durante grande parte do ano.