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Como jogam, quem joga, o que mudou: 1.ª parte do Guia da I Liga 2022/23

Futebol nacional

PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

A I Liga 2022/23 arranca na sexta-feira e o analista Tomás da Cunha escalpeliza as 18 equipas: nesta primeira parte, saiba o que esperar de Benfica, Boavista, Casa Pia, Estoril, FC Arouca e FC Famalicão

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Tomás da Cunha

Tomás da Cunha

Analista e comentador de futebol

Benfica

A mensagem do clube encarnado nos últimos meses não podia ser mais clara: é altura de cortar com o que foi feito no passado recente. Cedo se percebeu que Veríssimo não ia continuar e que a aposta em Roger Schmidt trazia convicção forte. As águias pretendem voltar a entusiasmar os adeptos, com um treinador que não abdica de uma pressão alta e de um jogo ofensivo frenético. As saídas de Pizzi e de outros nomes que estavam “a mais” no plantel também representam a intenção de construir um novo Benfica.

Assim que o alemão foi contratado, as necessidades de transformação do plantel aumentaram. Uns jogadores não têm mais contributo para dar, outros não se adequam propriamente às especificidades do modelo de jogo do técnico ex-PSV. Depois do falhanço no regresso de Jorge Jesus, esta época marca o arranque de um projecto de clube e não de treinador. Vai havendo coerência nas escolhas de mercado, mas ainda existe bastante indefinição (guarda-redes, lateral-esquerdo, segundo avançado…) e as entradas estarão dependentes da colocação de excedentários. Neste momento, há um desnível considerável entre o 11 preferido de Schmidt e as segundas linhas.

A bolha de optimismo que se criou em torno do Benfica vai encontrar os primeiros obstáculos já no mês de agosto. Chegar à Liga dos Campeões é fundamental a nível financeiro, mas também para reforçar a confiança do plantel naquilo que vai sendo implementado pelo novo treinador. O 4-2-3-1 do alemão vai tendo Rafa no espaço entrelinhas, mas a ideia de uma dupla de pontas-de-lança será certamente explorada ao longo da temporada. Neres procura o nível que chegou a apresentar no Ajax. Vai tendo a companhia de Gilberto na direita, mas a dimensão ofensiva de Bah é de outro mundo. Faltando perceber se entra Aursnes, há exigência máxima em torno de Florentino (pelas características, desconfiava-se que seria aproveitado) e Enzo Fernández, sobretudo ao nível da pressão e ocupação de espaços. O argentino terá sempre de estar num lote restrito de melhores reforços do campeonato. Mais atrás, ainda com dúvidas sobre o que acontecerá na baliza e no lado esquerdo, afirma-se Morato como central do lado esquerdo.

Jogador referência: Rafa
Possível revelação: Bah

Roger Schmidt chega ao Benfica para cortar com o passado

Roger Schmidt chega ao Benfica para cortar com o passado

PATRICIA DE MELO MOREIRA/Getty

Boavista

Petit mudou completamente a cara dos axadrezados na última temporada. Chegámos a uma altura em que, com justiça, deixou de ser visto apenas como um treinador salva-vidas e passou a ser também encarado como um homem para liderar projetos de crescimento. O Boavista evoluiu a nível exibicional, tornou-se um adversário difícil de defrontar, mas faltou traduzir tudo isso em mais vitórias. Houve um excesso de empates, sobretudo pela ausência de eficácia na finalização.

Depois das saídas de Porozo, Javi García, Gustavo Sauer e Petar Musa, uma das revelações da última temporada, haverá um trabalho de reconstrução do 11 sem jogadores-chave. A vantagem, neste caso, é que as ideias do treinador estão estabelecidas e a aposta no scouting também já foi admitida em público. A nível de organização defensiva, o Boavista é uma das equipas que se destaca, tanto quando procura pressionar como quando junta linhas mais atrás. Mas também há argumentos coletivos para criar situações de finalização, partindo do 3-4-2-1.

A manutenção da dupla Seba Pérez e Makouta, dois médios que se complementam na zona central, é um ponto de estabilidade para atacar a temporada. Sasso e o gigante Robson Reis entraram para o eixo defensivo. Na frente, Bruno Lourenço e Salvador Agra aumentam as opções de Petit. Kenji Gorré assumiu-se na segunda metade da temporada como o principal desequilibrador das panteras, podendo reforçar esse estatuto. Há dois nomes que valerá a pena seguir. Masaki Watai é um médio interior/ofensivo muito habilidoso e atrevido em condução, faltando apenas perceber se se adapta. Robert Bozenik tem a difícil missão de fazer esquecer Petar Musa, mas apresenta potencial para marcar diferenças na nossa liga. O Boavista precisa de que as bolas entrem para sonhar com algo mais na tabela.

Jogador referência: Makouta
Possível revelação: Masaki Watai/Robert Bozenik

Makouta será um dos médios de referência para Petit

Makouta será um dos médios de referência para Petit

Gualter Fatia

Casa Pia

A época não começou e os gansos já estão garantidos nos apontamentos históricos de 2022/23. Não é todos os dias que se volta a uma primeira divisão depois de 83 anos de ausência. Filipe Martins foi o obreiro de uma campanha notável, marcada por uma consistência defensiva sem igual na segunda liga. O Casa Pia vai tentar transportar esse nível de organização para um patamar superior, com a dificuldade extra de não jogar em Pina Manique até certa altura. Ricardo Batista, Vasco Fernandes e Afonso Taira (classe tremenda, fazia falta ao escalão principal) formam um eixo experiente e intocável, sendo que a chegada de Fernando Varela reforça o pedigree do sector defensivo.

Jogando em 3-4-2-1, sistema cada vez mais comum no futebol nacional, percebe-se o esforço do clube para aumentar a profundidade de opções atrás. Além do cabo-verdiano, também João Nunes, central com passagens por Polónia, Grécia e Hungria, volta à liga portuguesa. Para o meio campo, onde a dupla Neto e Taira se complementa em termos de características, entrou Yan Eteki, camaronês com provas dadas na liga espanhola. Tem qualidades para contribuir na construção, seja através do passe ou do transporte de bola. Kunimoto, canhoto com um potencial técnico tremendo, confirma a tendência de aposta em japoneses. Outro reforço entusiasmante é Diogo Pinto.

Com a saída de Jota Silva para o Vitória de Guimarães, abre-se espaço para um médio ofensivo de desequilíbrio entre linhas e facilidade de remate. Já mostrou esses atributos ao serviço do Estrela da Amadora e a estreia na primeira divisão promete. Saviour Godwin procura mais o espaço e pode ser arma importante ao nível da transição ofensiva – Leandro Sanca também nesse registo. As subidas de Leonardo Lelo na esquerda (22 anos apenas) oferecem soluções, tanto em ataque organizado como na exploração do contra-ataque. Na luta pela manutenção, a chegada de um ponta-de-lança como Rafael Martins oferece soluções como referência de costas para a baliza e dentro da área. O aproveitamento das bolas paradas é um dos pontos fortes deste Casa Pia e servirá de trunfo para somar vitórias.

Jogador referência: Afonso Taira
Possível revelação: Diogo Pinto/Kunimoto

O Casa Pia chega de novo à principal divisão 83 anos depois

O Casa Pia chega de novo à principal divisão 83 anos depois

Gualter Fatia/Getty

Estoril

É uma das maiores curiosidades para a nova temporada. Bruno Pinheiro deixou a Amoreira e a aposta dos canarinhos recaiu em Nélson Veríssimo, que vai ter de provar competências numa realidade muito diferente daquela que encontrou na Luz. O estatuto de treinador de elite no futebol português está diretamente ligado ao (in)sucesso desta experiência. Há plantel para ambicionar a luta europeia, algo mais realista na segunda época após o regresso à primeira liga.

O modelo de Bruno Pinheiro estagnou e, depois de um início positivo, a equipa encontrou muitas dificuldades para ligar o jogo e criar situações de finalização. Tinha bola em zonas pouco perigosas para o adversário e o treinador sugeriu muitas vezes estratégias conservadoras, até mesmo desadequadas para as características do plantel. A saída não surpreende, seja qual for o motivo. O Estoril trocou de técnico, mas a política desportiva não se alterou – formação e recrutamento de talento em idades baixas – e a manutenção de André Franco significa ter um dos melhores médios a atuar em Portugal.

Pelo Benfica, Veríssimo deu continuidade ao 4-2-3-1, mas não é claro que venha a atuar nesse sistema. Seja qual for a estrutura escolhida, se os canarinhos quiserem olhar para cima terão sempre de apresentar soluções em ataque posicional. Habituado a desenvolver jovens, o novo treinador recebeu uma série de reforços para valorizar. Pedro Álvaro junta-se a Bernardo Vital, Gonçalo Esteves, Tiago Araújo, Tiago Gouveia (tudo para explodir em definitivo) e Rodrigo Martins (candidato sério a revelação da liga, depois do que fez pelo Mafra) aumentam as opções nas alas, Mor Ndiaye e Titouan Thomas trazem perfis diferentes no meio campo. Alejandro Marqués, atacante móvel e tecnicamente evoluído, promete ter impacto no nosso futebol. Não há muitos clubes em Portugal com esta facilidade de atrair talento de diversas paragens.

Jogador referência: André Franco
Possível revelação: Rodrigo Martins

A permanência de André Franco é uma das boas notícias para Veríssimo, o novo treinador do Estoril

A permanência de André Franco é uma das boas notícias para Veríssimo, o novo treinador do Estoril

Gualter Fatia/Getty

FC Arouca

Subir duas divisões de forma consecutiva e garantir a permanência na primeira liga não era tarefa fácil, mas esse objetivo foi alcançado pela equipa de Armando Evangelista. Sofreu até perto do fim, o que não surpreende se considerarmos as limitações do plantel. As expectativas não são muito diferentes para 22/23 e há mudanças significativas no elenco, desde logo pelas saídas de nomes importantes: André Silva, autor do golo da época, foi para Guimarães, Leandro Silva transferiu-se para Israel, Victor Braga e Thales Oleques também já não fazem parte dos planos.

O acerto no mercado, compensando os jogadores que saíram com nomes válidos, vai definir muito em relação ao sucesso que o Arouca terá na temporada. Depois, cabe a Armando Evangelista reconstruir a equipa sem algumas das principais referências dos últimos anos. A ausência mais difícil de colmatar deve ser mesmo a de André Silva, responsável por 20 golos nas duas épocas recentes. São números diferenciais para quem tem argumentos modestos. Rafa Mújica, vindo do Las Palmas, é aposta para substituir o brasileiro, mas a capacidade enquanto finalizador ainda deixa dúvidas.

Alan Ruiz acrescentou soluções técnicas e criativas no último terço, pensando na parte final da temporada. Falta perceber se consegue garantir regularidade ao longo de todo o campeonato. Num plantel verdadeiramente internacional, com muitos países representados, Oriol Busquets e Ismaila Soro oferecem características distintas: o primeiro é mais construtor, ainda à procura de se afirmar no futebol sénior; o segundo é puramente destruidor. Do estrangeiro chegaram também nomes como Opoku ou Milovanov, lateral para concorrer com Tiago Esgaio na direita. Não houve revolução completa, mas tantas mexidas levam a apontar o Arouca como uma das incógnitas nesta liga.

Jogador referência: João Basso
Possível revelação: Oriol Busquets

Alan Ruiz é uma das poucas caras que se mantém num plantel que muito mudou

Alan Ruiz é uma das poucas caras que se mantém num plantel que muito mudou

Gualter Fatia/Getty

FC Famalicão

Tal como noutros clubes, a temporada “começou” quando houve troca de treinador. No final da primeira volta, praticamente, o Famalicão seguia à beira da zona de descida e muito longe de corresponder às expectativas de um futebol atractivo que Ivo Vieira levava consigo. De resto, nunca houve sintonia com o plantel e a saída foi inevitável. O clube já vai habituando a apostar em técnicos que procuram iniciar-se na carreira a solo (João Pedro Sousa) e Rui Pedro Silva entra nessa lógica.

Na fase inicial, a equipa manteve as dificuldades para criar oportunidades e marcar golos, sobretudo nos jogos em casa (apenas um golo nas três primeiras partidas jogadas no Municipal de Famalicão). A goleada de 5-0 frente ao Moreirense trouxe uma nova realidade e as vitórias seguintes permitiram respirar melhor, mas foi um campeonato de altos e baixos até ao final. Saíram nomes importantes do plantel, como Pickel, João Carlos Teixeira e Banza, principal goleador, o que obriga a transformações. Mas isso tem sido comum desde que o clube chegou à primeira divisão.

Não sabemos que Famalicão haverá na nova temporada. A falta de continuidade tem sido tendência: fica provado o acerto a nível de mercado, mas complica-se o trabalho dos treinadores. Nota-se, desta vez, a preocupação de não construir um elenco apenas com jogadores jovens. Rui Fonte e André Simões estarão à disposição de Rui Pedro Silva, bem como Aguirregabiria, lateral com bagagem de liga espanhola. Outro nome que desperta curiosidade é o de Owen Beck, cedido pelo Liverpool e com a particularidade de ser sobrinho do mítico Ian Rush. Para a frente, além de Álex Millán, Théo Fonseca e Junior Kadile, entrou o desequilibrador “Puma” Rodríguez, que tem condições físicas para marcar diferenças na liga portuguesa.

Jogador referência: Ivo Rodrigues
Possível revelação: Puma Rodríguez

Rui Pedro Silva salvou o Famalicão na última época e mantém-se no banco da equipa para 2022/23

Rui Pedro Silva salvou o Famalicão na última época e mantém-se no banco da equipa para 2022/23

Gualter Fatia/Getty