Apple e Adidas juntaram-se ao Inter Miami para convencerem Messi a jogar nos EUA com um golpe à Michael Jordan
Christian Liewig - Corbis
Cansado de esperar por uma proposta do Barcelona que o fizesse voltar a casa, Lionel Messi rejeitou uma estratosférica proposta da Arábia Saudita (falou-se em €400 milhões por ano) para, aos 35 anos, ir jogar na MLS: dois dos principais patrocinadores da liga norte-americana uniram-se ao negócio e terão oferecido percentagens de receitas futuras ao argentino, como a Nike fez, há 30 anos, para convencer uma futura estrela da NBA
(artigo atualizado às 20h38, com a confirmação de Lionel Messi da sua transferência para o Inter Miami.)
E, afinal, o melhor jogador do mundo poderá acabar nos EUA. Nem há dois anos, pouca gente o diria.
Ainda todos nos lembramos das lágrimas, do choro, do pranto coletivo quando um desconsolado Lionel Messi tomou o púlpito numa sala de Camp Nou, em 2021, para chorar enquanto se despedia do Barcelona. Aperaltado e de gravata posta, o argentino que epitomizou uma era quiçá irrepetível foi embora do clube de onde se julgava que nunca sairia. Até os então companheiros de equipa, presentes no auditório, precisavam de lenços para secarem os rios caídos dos olhos. Eram 21 anos de Barça, menos do que os desejados por Messi, autor de 672 golos e 268 assistências em 778 jogos, dono de 35 troféus. O pecúlio em números assustava, o legado intangível era incalculável.
Ficando-nos pelo clube para não haver falatório, o indubitável melhor jogador da sua história saiu empurrado por uma bola de neve de gestão ruinosa para as contas do Barcelona, incapaz de renovar o contrato ao argentino até se ele cortasse o salário por metade. Lionel Messi encontrou poiso em Paris e no endinheirado PSG, com fortuna de sobra para lhe pagar cerca de €41 milhões anuais. Foram duas épocas, 32 golos e 34 passes para outros tais em 75 partidas, produção pouco messiesca se bem que mais do que produtiva quando aplicada à vastíssima maioria dos outros futebolistas.
Entre notícias de uma renovação de modo a perdurar num clube e numa equipa com os quais nunca pareceu alinhar os seus santos, o rumor de um regresso a Barcelona acompanhou-o durante este tempo. Real ou não, isso era um pormenor, o próprio validara a hipótese ainda antes de sair de lá. “Oxalá possa voltar a ser parte deste clube em algum momento. Oxalá possa contribuir com algo para que continue a ser o melhor clube do mundo”, disse, no evento de todas as lágrimas. Esta segunda-feira, saído de uma reunião com Joan Laporta, presidente do Barça, o pai de Messi ecoou essa intenção: “Ele gostava muito de regressar, seria a sua opção preferida. Mas não sabemos de nada. Temos de tomar uma decisão em breve.”
Ouvir Jorge Messi, uma fotocópia grisalha e enrugada de Lionel, confirmar a negociação parecia soltar o fumo branco para o bom filho tornar à casa enlutada desde a sua saída. Havia a hipótese da Arábia Saudita e dos seus bolsos sem fundo para petrodólares convencerem o jogador a dedicar os últimos anos da carreira num país que atira dinheiro para cima da sua insuficiência futebolística, mas o argentino, apesar dos valores (o “El País” deu conta de uma proposta de €400 milhões anuais), rejeitou a possibilidade. A outra possibilidade estava no bling-bling dos EUA, país onde o soccer não impera nem é está lá em cima na linha de sucessão do interesse de um povo no desporto.
E enquanto o Barcelona ainda parece não ter cintura para inventar um truque que lhe permita jogar com receitas, despesas, folha salarial e os apertados limites da La Liga para ter folga suficiente que pague um ordenado a Lionel Messi - mesmo agora que os altos salários de Busquets, Jordi Alba, Piqué já se foram -, outros milhões de euros apareceram nos EUA.
Julian Finney/Getty
Já depois de Guillem Balague, jornalista catalão com obra publicada sobre as entranhas do Barça e algo confidente de Messi (foi o único jornalista a entrevistá-lo no frenesim do dia da apresentação do jogar no PSG), escrever “Messi já decidiu, vai para o Inter Miami”, alguns meios explicaram os detalhes da proposta que, pelos vistos, já terá convencido o argentino. O “El País” escreveu que o jogador não quis esperar pelo Barça, além de nem sequer ter havido uma oferta formal desde abril, quando o Messi progenitor saiu de uma reunião com Luís Campos, diretor-desportivo do PSG, onde o português arruinou as esperanças de Messi ficar em Paris por, alegadamente, não conseguir responder à pergunta: “Qual é o projeto desportivo do clube?”.
Ao início da noite desta quarta-feira, o rumor aparecido que nem relâmpago foi confirmado por uma entrevista súbita de Messi aos jornais “Sport” e “Mundo Deportivo”, na qual anunciou: “Vou para Miami para viver o futebol de outra maneira e desfrutar mais do dia a dia. Não vou para Barcelona para ser eu a tomar a decisão sobre o meu futuro.”
Vinda do outro lado do Atlântico, chegou uma proposta concreta do Inter Miami que Lionel Messi apreciou. O “The Athletic” não especificou valores, antes revelou as cláusulas no suposto contrato que terão seduzido o argentino a levar o seu pé esquerdo a um clube imberbe, fundado apenas em 2018 - para as quais contribuíram a Adidas e a Apple, dois dos maiores parceiros comerciais da Major League Soccer (MLS), o campeonato norte-americano.
A marca alemã é a fornecedora oficial de equipamentos e chuteiras das 29 equipas da liga terá oferecido a Messi uma percentagem dos lucros que resultem da sua ida para os EUA e a gigante tecnológica da Califórnia, revelou o mesmo site, presenteou o futebolista com a possibilidade de receber uma fatia do dinheiro resultado de novos subscritores da MLS Pass - é a Apple que gere o pacote que, uma vez assinado, dá aos adeptos um acesso a todos os jogos e outros conteúdos, após um acordo firmado com a liga há meses, para os próximos 10 anos, a rondar os €2,3 mil milhões. Há dias, a empresa anunciou que a Apple TV+ vai produzir uma série documental sobre a prestação de Messi nos cinco Mundiais em que jogou. E o argentino, já agora, tem um acordo de patrocínio vitalício com a Adidas, numa ligação que vem desde a sua adolescência.
O detalhado pelo “The Athletic” dá ares de Michael Jordan ao negócio que estará iminente, face ao jogo de puxa-corda ao qual a Nike cedeu, a meio da década de 1980, para assinar um contrato com o então rapaz delgado e tão seguro de si que estava prestes a sair do basquetebol universitário para ser escolhido no draft da NBA: para o encantar, a marca comprometeu-se a desenhar uma linha de sapatilhas exclusiva do jogador e a contraproposta do ‘clã’ Jordan reclamou uma percentagem das vendas que resultariam da comercialização desse calçado, os ‘Air Jordan’. A Nike aceitou, marca e jogador afogaram-se em lucros deste então. A história até foi adaptada para cinema por Ben Affleck e o filme onde o vencedor de seis títulos da NBA apenas diz “olá”, ao telefone, estreou este ano.
Aceitando a badalada proposta, na conta bancária de Lionel Messi entrariam dividendos de origens semelhantes, e não só. O “The Athletic” acrescenta que a MLS incluirá também uma cláusula que dará ao argentino um futuro direito de preferência para adquirir a licença para ter um clube a competir na liga, igual ao que fez com David Beckham, em 2007, quando saiu do Real Madrid para jogar no LA Galaxy. Tanto tempo depois da debandada de estrelas para os EUA, anos 70 e 80, quando Pelé, Beckenbauer, Cruyff ou Eusébio levaram as pré-reformas para lá, o inglês restaurou uma tendência que ressuscitou aos poucos deste então (Andrea Pirlo, Frank Lampard, Zlatan Ibrahimovic, Steve Gerrard ou Giorgio Chiellini seguiram-lhe o exemplo).
Lionel Messi vai passear as suas derradeiras épocas para a MLS, bem longe do regresso que contou dois anos a ser hipótese.