Os números são frios, crus e duros para o Bayern: Julian Nageslmann, técnico que levou o gigante de Munique ao título na Bundesliga na temporada passada, foi despedido em março quando havia orientado 37 jogos na época, ganhando 27, empatando sete e perdendo três; um mês depois da mudança no banco, Thomas Tuchel soma as mesmas três derrotas, mas em sete encontros, nos quais venceu somente dois e empatou outros dois.
A derrota, por 3-1, frente ao Mainz, retirou os bávaros da liderança da Bundesliga, com menos um ponto que o Borussia Dortmund quando faltam cinco jornadas por disputar. Já com Tuchel no comando técnico, a equipa foi eliminada da Liga dos Campeões, por um claro 4-1 no conjunto dos dois desafios frente ao Manchester City, e da Taça da Alemanha, caindo por 2-1 contra o Friburgo.
Os 59 pontos que o Bayern tem em 29 jornadas fazem desta, de longe, a pior campanha na Bundesliga do nove vezes seguidas campeão da competição em muitos anos. Desde que o título não foi, pela última vez, para Munique (2011/12), o pior que o gigante fizera após 29 rondas foram os 67 pontos de 2018/19 e de 2019/20. Mesmo na temporada em que o Dortmund se sagrou campeão pela derradeira ocasião, os bávaros tinham 63 pontos nesta altura da campanha. Para encontrar uma prestação com menos pontos é preciso recuar até 2010/11, quando só foram para Munique 52 pontos nas 29 partidas iniciais.
Eliminado da Liga dos Campeões e da Taça e com a possibilidade de falhar o objetivo do 10.º campeonato consecutivo, é impossível não colocar o rótulo de crise ao momento que se vive no Allianz Arena. E é de dentro que surgem as declarações mais alarmistas sobre a situação.
No jogo do passa-culpas, Kahn parece ter a posição mais frágil
Entrar no site de um dos principais órgãos de comunicação social que segue a atualidade do Bayern é passar os olhos numa infinidade de comentários, opiniões e críticas feitas por dirigentes e figuras da entourage que gravita em torno do clube. Como se um emblema de grandeza comparável a poucos, gigante na dimensão da sala de troféus, orgulhoso no passado e exigente com o presente, fosse gerido tendo de lidar com o ruído que se gera dentro de si próprio.
A frustração da cúpula do Bayern depois de um dos golos do Mainz: o presidente Herbert Hainer, de mãos na cabeça, ladeado de Oliver Kahn, o CEO, e de Hasan Salihamidzic, o diretor-desportivo
Markus Gilliar - GES Sportfoto
Nas horas seguintes à derrota com o Mainz, o apontar de dedos passou por quase todos os mais importantes dirigentes do Bayern. O presidente Herbert Hainer disse que “é difícil saber” o motivo para que a equipa se “esteja a desmoronar assim”.
Frente ao Mainz, o Bayern até chegou ao 1-0, num golo de Sadio Mané a passe de João Cancelo, mas, no segundo tempo, sofreu três golos em 14 minutos. O presidente qualificou a equipa como “instável após conceder o empate”, numa atitude de “insegurança” que se tem “visto muitas vezes nos últimos jogos”.
Nas bancadas, a assistirem ao último desaire dos agora segundo classificados do campeonato, Herbert Hainer, Oliver Kahn (CEO) e Hasan Salihamidzic (diretor-desportivo) foram mostrando o seu desagrado. Após o apito final, o trio foi ao balneário falar com os jogadores.
Oliver Kahn foi, talvez, o mais contundente nas críticas à prestação da equipa: “Jogámos uma segunda parte catastrófica. Quem era a equipa em campo que queria ser campeã? Será muito difícil que sejamos campeões dando esta imagem. Há onze jogadores que estão no campo e, simplesmente, têm de mexer o rabo”, atirou o lendário guarda-redes, que admitiu que seria “um desastre” não vencer a Bundesliga.
Nesta sucessão de declarações, na atração dos responsáveis do Bayern pelos microfones, também o diretor-desportivo deu a sua versão dos acontecimentos. Hasan Salihamidzic considerou ser “inexplicável” o que tem sucedido com a equipa, sendo preciso “analisar e ter discussões”. Kahn, por seu turno, acha que o tempo de reflexão já lá vai, porque foram “esgotadas tantas oportunidades na temporada”, seja em “treinos ou reuniões”.
Dentro do fogo cruzado de opiniões sobre a crise, o elo mais fraco parece ser o CEO. Quer o “Bild” quer a “Sky Alemanha” indicam que o lugar de Oliver Kahn, apenas com contrato até 2024, está em risco. Lothar Matthäus, outra lenda do clube que, enquanto comentador de televisão, contribui para este cozinhar de frases sobre o momento do Bayern, considera que o antigo guarda-redes tem de se “questionar”, sobretudo pela “mudança de treinador” que “não serviu de nada”.
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A revista “Kicker” aponta três pecados fundamentais às decisões tomadas no clube: a escolha de Julian Nageslmann para, a partir da época 2021/22, orientar a equipa, entendo-se que o técnico “não estava à altura do Bayern”; a não contratação de um ponta-de-lança depois da saída de Robert Lewandowski para o Barcelona; e o momento escolhido para fazer uma mudança de treinador, coincidindo com a fase decisiva da temporada.
Neste contexto, o “Bild” avança com a hipótese de, caso Kahn seja destituído do seu lugar, Herbert Hainer virar-se para um velho conhecido. Karl-Heinz Rummenigge, outra antiga referência dentro de campo, foi CEO do Bayern durante 20 anos, antes de se reformar. Hainer é amigo de, nas crises, recorrer a nomes familiarizados com o clube — Jupp Heynckes sentou-se no banco em quatro momentos diferentes, por exemplo — e poderia tentar convencer Rummenigge a voltar ao seu antigo cargo.
Problemas de balneário e problemas com os históricos
Altamente pressionado desde os primeiros dias em que se sentou no banco, Thomas Tuchel lamentou, depois da derrota contra o Mainz, os “erros individuais e falhas de concentração”, sendo outra voz que diz “não ter explicações” para a sucessão de maus resultados. Numa frase que, segundo a imprensa alemã, critica indiretamente a preparação realizada pela anterior equipa técnica, Tuchel diz que o Bayern parece “exausto”, como se “já tivesse disputado 70 ou 80 jogos na época”, sem “qualquer capacidade de reação física ou mental”.
A sucessão de frases também desceu ao balneário, sob a voz de Thomas Müller, bávaro como o clube pelo qual já disputou 661 jogos. O capitão diz sentir um “certo vazio e desamparo” numa equipa que “não lida tão bem com a pressão”.
Outra das referências do plantel, Manuel Neuer, está lesionado por ter sofrido um acidente a fazer ski durante as férias, num momento que também fez subir a tensão no clube. O substituto contratado no mercado de inverno, o suíço Yann Sommer, tem sido criticado e apontado como uma prova da má política de contratações de Kahn e Salihamidzic.
Duas das principais aquisições dos bávaros nos últimos anos foram Sadio Mané e Leroy Sané, sendo o rendimento de ambos — considerado insuficiente — outra arma de arremesso contra o CEO e o diretor-desportivo. Para cúmulo, depois da derrota por 3-0 em Manchester contra o City, Mané agrediu Sané, sendo suspenso e multado pelo clube. Da bancada ao balneário, dos resultados na Europa às derrotas na Alemanha, o poderoso e orgulhoso Bayern vive dias difíceis.