Bernd Reichart, o alemão contratado para CEO da A22 Sports, a empresa por detrás da Superliga, tinha dito, em entrevista à Tribuna Expresso, que enviara uma carta a Aleksander Ceferin, solicitando uma reunião com o presidente da UEFA. Esse pedido foi aceite e, nesta terça-feira, as partes encontraram-se em Nyon, na casa da entidade máxima do futebol europeu.
A UEFA e a Superliga — quer através do seu novo CEO, quer por via de Barcelona, Real Madrid e Juventus, os três clubes ainda formalmente dentro do projeto — têm trocado acusações desde que, em abril de 2021, a revolta popular e institucional levou à suspensão da nova competição. E, deste encontro, pode-se dizer que esse clima de confronto mais ou menos aberto, sempre com uma capa de secretismo e de jogo de espiões presente, voltou a ser a nota dominante.
Após a reunião, ambas as entidades emitiram comunicados dando a sua versão do sucedido.
Do lado da UEFA, é de notar o tom quase de desprezo com que se aborda a A22 Sports, a empresa que dá a organização, logística e corpo à Superliga. “Uma associação privada e comercial”, uma “auto-proclamada Superliga”, por oposição aos “genuínos representantes das autoridades do futebol europeu” — esta é a linguagem utilizada no texto da UEFA para se referir ao interlocutor na cimeira.
Por parte da Superliga, menciona-se que, para a UEFA, a “manutenção do status quo é benéfica”, já que o organismo tem sido “o único operador das competições europeias desde 1955”, data da criação da Taça dos Clubes Campeões Europeus. A A22 “solicitou” ainda à UEFA que “permitisse o intercâmbio de ideias” entre “clubes e agentes do futebol” sem “ameaças ou constrangimentos”.
A Superliga nasceu formalmente a 18 de abril de 2021, fundada por um grupo restrito de 12 clubes à revelia da UEFA. O anúncio da criação da competição, uma liga fechada entre uma dúzia de endinheirados emblemas (Real Madrid, Atlético, Barcelona, Juventus, Milan, Inter, Tottenham, Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester United e City), levou a fortes protestos por parte de outras equipas, adeptos e até críticas de governos nacionais. Passados apenas três dias do anúncio do nascimento, nove dos 12 clubes tinham abandonado formalmente o projeto.
Neste momento, o embate entre a UEFA e a Superliga que se recusa a morrer está dependente de um processo legal que decorre no Tribunal de Justiça da União Europeia, o qual determinará se, segundo o direito da concorrência, existe uma situação de monopólio, por parte da UEFA, quanto à organização das competições europeias de clubes. Por outras palavras, para aferir se a entidade máxima do futebol do continente pode proibir e sancionar outros organismos — como a Superliga — que também criem torneios. Espera-se decisão sobre este processo em 2023.
No comunicado publicado depois do encontro com Bernd Reichart, CEO da Superliga, e Anas Laghari e John Hanh, fundadores da empresa que dá corpo ao projeto, a UEFA diz que reuniu os “genuínos representantes das autoridades do futebol europeu”. Além de Ceferin, do lado da UEFA estiveram os líderes da La Liga, Bundesliga, Ligue 1, Série A e um representante de relações internacionais da Premier League. O máximo dirigente da liga inglesa esteve ausente, bem como os seus clubes, devido à existência de uma reunião da Premier League na mesma altura.
Também na cimeira, do lado da UEFA, esteve Nasser Al-Khelaifi, presidente da Associação de Clubes Europeus (ECA) e do PSG, bem como altos dirigentes de clubes. Entre eles estava Domingos Soares de Oliveira, membro da direção da ECA e CEO do Benfica. Também representantes da FIFPro, sindicato internacional de jogadores, e de associações de adeptos foram convidados.
Bernd Reichart, o novo CEO da Superliga
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A organização que manda no futebol europeu reafirmou a “oposição” ao projeto da Superliga, registando, “com surpresa”, as “alegações feitas pela A22 Sports”, que insistiu que “a UEFA não representa, de modo algum, nenhum clube”.
“A UEFA e os agentes do futebol permanecem comprometidos com as fundações do futebol europeu, baseadas na abertura, solidariedade e meritocracia, servindo interesses sociais mais amplos, além do privilégio e interesse próprio”, escreve a UEFA, que recorda que estas ideias são “apoiadas com unanimidade” pela “Comissão Europeia, Parlamento Europeu, governos nacionais e instituições públicas”.

Richard Juilliart - UEFA
Da parte da Superliga, Bernd Reichart, citado no comunicado, insiste na “importância do diálogo” e da “discussão aberta de problemas do futuro”, tecla na qual já tinha batido na entrevista à Tribuna Expresso.
A A22 Sports volta a esclarecer que pretende um modelo de “competição aberta”, contrário à ideia de liga fechada de abril de 2021, e que as ligas nacionais desempenham um “papel fundamental” e “complementar” ao “novo formato” desejado.
Um ponto importante que saiu da reunião, destacado no comunicado da A22 Sports, é a UEFA ter garantido que não haverá castigos para clubes que se “envolvam em troca de ideias sobre reformas importantes”. Por outras palavras, quem aceitar os pedidos de reuniões da Superliga não terá punições.
A A22 Sports recorda, também, que a “estrutura de monopólio” do futebol europeu está a ser “revista” pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, sendo de esperar “uma decisão na primavera de 2023”. Enquanto o caso avança no Luxemburgo, a guerra fria vai-se mantendo.
UEFA reage ao comunicado da Superliga
Um par de horas depois de terem surgido as reações de ambos os lados à reunião, a UEFA fez um comunicado sobre o comunicado que a Superliga publicou. Numa mensagem de crítica aberta, a entidade liderada por Ceferin questiona se estão “a falar da mesma reunião”.
A UEFA acusa o texto da Superliga de “faltar ao respeito” e diz que a A22 Sports “queria diálogo” e então “deu-lhes duas horas e meia de tempo de todas as partes interessadas" do futebol europeu. No entanto, escreve a entidade máxima do jogo no continente, face a esta oportunidade, a Superliga “não tem nada a dizer”.
“Como a associação de adeptos europeus disse, o Reino Unido teve tantos primeiros-ministros nos últimos dois meses como a Superliga tem apoiantes dos seus planos”, lê-se no texto da UEFA.
Texto atualizado às 17h33 com indicação da resposta da UEFA ao comunicado da Superliga