A história da Superliga europeia de futebol tem estado cheia de contradições, avanços e recuos e peculiaridades. Anunciada a 18 de abril, a apresentação do projeto ao mundo carecia do glamour e da pompa que se esperaria de um torneio que juntava 12 pesos-pesados do futebol europeu. Seria legítimo pensar que a criação de uma prova promovida pelos seus defensores como “revolucionária” e de bolsos cheios fosse acompanhada por rebuscadas manobras de comunicação, passadeiras vermelhas e gestos de sedução do público.
Mas não. Uma básica página na internet, alguns tweets e uma aparição de Florentino Pérez, presidente do Real Madrid e um dos maiores entusiastas da ideia, na televisão noturna de Espanha. Foi esta a estranha e modesta fórmula de anúncio, contrastando com a ideia de megalomania, revolução e junção de estrelas que se queria vender.
Mas as contradições não se esgotam aqui. Os 12 clubes (Barcelona, Real Madrid, Atlético de Madrid, Inter, AC Milan, Juventus, Liverpool, Manchester United, City, Arsenal, Tottenham e Chelsea) revelaram o projeto ao mundo a 18 de abril, gerando imediatamente ondas de protestos por parte de outros emblemas, de adeptos, de ligas ou até de governos nacionais. Três dias depois do anúncio da criação, nove dos 12 clubes fundadores já tinham anunciado a saída do projeto.
Superliga morta 72 horas depois de nascer? Não — mais uma particularidade. Juventus, Real Madrid e Barcelona mantiveram-se dentro do barco, tal como a A22 Sports Management, empresa que apoia o projeto. Andrea Agnelli, Florentino Pérez e Joan Laporta, máximos responsáveis dos três clubes que não comunicaram a renúncia à Superliga, vão, regularmente, relembrando que a ideia continua de pé.
Talvez até mais importante do que as palavras, são os atos. Há um processo legal a decorrer no Tribunal de Justiça da União Europeia, o qual determinará se, segundo o direito da concorrência, existe uma situação de monopólio, por parte da UEFA, quanto à organização das competições europeias de clubes. Por outras palavras, para aferir se a entidade máxima do futebol do continente pode proibir e sancionar outros organismos — como a Superliga — que também criem torneios. Espera-se decisão sobre este processo em 2023.
Bernd Reichart, o novo CEO da Superliga
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Num comunicado, foi revelado que o novo diretor teria um “foco inicial” na “ativação e extensão de diálogo" com “clubes, jogadores, treinadores, adeptos, imprensa e legisladores”, com o objetivo de “facilitar o desenvolvimento de um modelo desportivo sustentável para os clubes europeus”. Promessas de diálogo que contrastam com a postura mais agressiva adotada pela Superliga em abril de 2021 e que se conjugam com as primeiras declarações públicas do alemão.
Ao “Financial Times”, Reichart expressou a vontade de “falar com os atores da comunidade do futebol europeu” para “alargar a visão” sobre a nova competição. “Até os adeptos terão simpatia pela ideia”, assegurou, dizendo, à Reuters, que “espera ouvir muitas vozes diferentes para que, em conjunto, se encontre a melhor solução”.
O novo chefe da Superliga não deu detalhes quanto ao formato pretendido, mas, à Reuters, garantiu que na “nova abordagem” haverá “subidas e descidas”. Recorde-se que, no desenho original da liga, os 12 membros fundadores tinham presença garantida na prova.
“Avançou-se para um formato aberto, a existência de membros permanentes está fora da mesa. O formato não será um obstáculo”, assegurou ao “Financial Times”.
Dois dos três clubes que continuam a apoiar a Superliga, o Barcelona e a Juventus, têm tido muitas dificuldades na presente edição da Liga dos Campeões. Os catalães, que já na temporada caíram na fase de grupos, estão em terceiro no Grupo C, só com um triunfo em quatro jornadas, enquanto os italianos estão, também, em terceiro no seu grupo, com três derrotas em quatro partidas, uma delas frente ao Benfica.
Ainda sem novidades concretas quanto aos moldes da Superliga, Reichart mostrou-se “otimista” quanto à evolução das conversações, apontando, ao “Financial Times”, a época 2024/25 como uma data “razoável” para o arranque da competição.
Um dos principais argumentos dos defensores da Superliga tem sido o financeiro. A 2 de outubro, na assembleia geral de sócios do Real Madrid, Florentino Pérez disse que o “futebol está doente”, encontrando-se a “perder a liderança” face a outras modalidades, como o futebol americano.
Florentino argumentou que “os jovens têm cada vez menos interesse”, culpando a UEFA por “aumentar a quantidade de jogos entre equipas intranscendentes”. A solução, para o líder do Real, é mudar as provas europeias para que estas “ofereçam os melhores encontros” com maior regularidade.
Adeptos do Chelsea protestam contra a Superliga, a 20 de abril de 2021
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À Reuters, Bernd Reichart teve um discurso semelhante. “O futebol europeu está a perder a liderança no desporto mundial, e os clubes estão a ficar para trás em quanto a oportunidades”, defendeu.
O CEO acusa o atual “sistema” de ser “insustentável”, argumentando que “os clubes deveriam decidir o seu próprio destino”, pois são eles que “assumem o risco” financeiro. “A maioria dos clubes concordam que não pode continuar assim”, assegurou o alemão.
De acordo com a Reuters, Bernd Reichart entrou em contacto com Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, para pedir uma reunião sobre a Superliga. Ceferin é, desde o primeiro momento, um dos mais vocais opositores da ideia. Em junho, o esloveno disse que, “qualquer que seja a decisão” do Tribunal de Justiça da União Europeia, a “Superliga está morta porque ninguém quer participar” nela.
A guerra pelo futuro do futebol europeu continua.