Olhemos ao top 20 da Bola de Ouro feminina deste ano. Alexia Putellas, vencedora, está lesionada no ligamento cruzado anterior desde o verão, tendo falhado o Euro 2022; Beth Mead, segunda classificada, sofreu uma rotura no cruzado anterior em novembro, a qual também afetou Alexandra Popp, a sexta mais votada, em 2021, e Ada Hegerberg, sétima, em 2020; Catarina Macario, nona, sofreu a mesma lesão em junho e ainda não está apta, tal como Vivianne Miedema, 11.ª, que teve a rotura na semana passada; Marie-Antoinette Katoto, 17.ª, passou por problema semelhante durante o Europeu, estando desde então longe dos relvados.
A recorrência de problemas de jogadoras no ligamento cruzado anterior tem sido tema de debate recorrente nos últimos tempos no futebol feminino. A questão teve uma expressão visual forte na última gala de atribuição de prémios anuais da BBC Sports.
Em Salford, Beth Mead, melhor jogadora do Euro 2022 vencido por Inglaterra, chegou à cerimónia acompanhada de Vivianne Miedema, sua companheira e colega no Arsenal. Ambas estavam de muletas devido à lesão sofrida recentemente no joelho.
Mead, de 27 anos, subiu ao palco para receber o prémio de personalidade do ano para a BBC Sports. Depois de vencer a distinção, a futebolista do Arsenal apelou a que se fizessem mais estudos sobre a relação das mulheres com as lesões no joelho, considerando que, caso este cenário se verificasse no futebol masculino, já teriam sido tomadas mais ações.
“Não parece estar muito a ser feito para entender o que se passa. Se fosse com o Ronaldo, o Messi ou o Griezmann, haveria muito mais a ser feito. Infelizmente, isto aconteceu-nos, mas esperemos que possa levar ao início de algo”, desejou Mead, que garante “não desistir” de estar presente no Mundial 2023, na Austrália e na Nova Zelândia, com começo marcado para 20 de julho.
Alexia Putellas durante o Euro 2022
Robbie Jay Barratt - AMA
O “The Guardian” indica que há 10 jogadoras da liga inglesa que estão inaptas para a competição devido a lesões no ligamento cruzado anterior. Sarina Wiegman, técnica que levou Inglaterra ao triunfo no Europeu, considerou que a FIFA, a UEFA e as Federações nacionais têm “de fazer algo”, já que “as exigências do jogo nas atletas de topo estão cada vez maiores” e há “demasiadas lesões”.
Wiegman tocou ainda num ponto considerado fundamental: a falta de estudos feitos especificamente em mulheres jogadoras. “Não tem havido muita pesquisa específica sobre o futebol feminino. As mulheres são diferentes dos homens, as ancas e os joelhos são diferentes. Há muitos estudos sobre o futebol masculino, mas sobre o feminino não”, indicou a treinadora, que também venceu o Europeu 2017 com os Países Baixos.
À “Sky Sports”, Emma Ross, especialista em saúde feminina, disse haver “evidências científicas” que apontam para que “as mulheres tenham uma probabilidade até seis vezes maior de ter uma lesão no ligamento cruzado anterior sem contacto do que os homens”. Ross junta-se às ideias de Wiegman e Mead, já que “só 6% dos estudos sobre lesões no desporto são feitos exclusivamente sobre mulheres”, o que limita o conhecimento sobre especificidades femininas.
Megan Rapinoe já se lesionou três vezes no ligamento cruzado anterior
Omar Vega/Getty
Uma hipótese avançada por Emma Ross é a relação do ciclo menstrual com este tipo de problemas, sobretudo porque “mudanças hormonais podem ter impacto na biomecânica do corpo”, diz a especialista.
“Quando o estrogénio é elevado — o que sucede na segunda semana do ciclo — a estabilidade das articulações pode ser afetada, tornado-as mais propensas a lesões”, sublinhou Ross. Beth Mead, na gala da BBC Sports, disponibilizou-se para “colaborar no que fosse preciso” para estudar o tema mais a fundo em mulheres.
Gary Lewin, médico da equipa feminina do Arsenal, concorda, em declarações à “Sky Sports”, que pode “haver uma conexão” entre ciclo menstrual e lesões no cruzado anterior. “Mas são precisos mais estudos sobre o desporto feminino, senão estamos sempre a tomar decisões para mulheres atletas com base em estudos maioritariamente sobre homens atletas”, apelou.