Numa altura em que se preparam para jogar um particular contra a Inglaterra, a seleção dos Estados Unidos tenta, ao mesmo tempo, processar os resultados de uma investigação que revelou que “os abusos e más condutas sexuais são sistémicos” na liga norte-americana.
"Estamos horrorizadas, com o coração partido, frustradas, exaustas e muito, muito zangadas", admitiu Becky Sauerbrunn, defesa norte-americana. Sally Yates, ex-procuradora-geral dos Estados Unidos, e a empresa King & Spaulding ,foram os escolhidos para investigar a liga na sequência de vários casos que vieram a público nos últimos anos. Os resultados do relatório agora divulgado foram tudo menos positivos.
Cinco dos 10 treinadores da NWSL (o principal campeonato de futebol feminino norte-americano) foram despedidos ou pediram a demissão na época passada devido a alegações de má conduta. Entre eles estava Paul Riley (North Carolina Courage), despedido após as futebolistas Mana Shim e Sinead Farrelly o acusarem de coação e assédio sexual. Riley negou as acusações. O relatório de Yates centra-se, também, em outros dois ex-treinadores. A investigação não só encontrou má conduta por parte dos três, como também revelou que as equipas não cooperaram plenamente.
"Durante muito tempo, exigir mudanças tem caído sobre as jogadoras. Isto porque as pessoas com autoridade e cargos de decisão falharam repetidamente em proteger-nos e falharam em responsabilizar-se a si próprias e umas às outras. Quem estão realmente a proteger e que valores estão a defender? Falharam na gestão. Na minha opinião, todos os proprietários, executivos e oficiais do futebol dos EUA que falharam repetidamente com as jogadoras e não as protegeram, que se esconderam atrás de legalidades e não participaram plenamente nestas investigações, devem ir embora", defendeu Sauerbrunn.
Com o escândalo de assédios e abusos sexuais a assumir o protagonismo, as jogadoras norte-americanas têm agora que conseguir entrar em campo e pensar apenas no jogo, uma vez que têm encontro marcado com a Inglaterra esta sexta-feira, em Wembley - para o qual foram vendidos quase 90 mil bilhetes. Algo que não está a ser fácil.
“Uma das coisas mais difíceis que estamos a enfrentar agora como jogadoras é sentir orgulho em jogar”, disse Crystal Dunn à “BBC”. “As camisolas que estamos a usar, é difícil sermos felizes nelas, é difícil encontrar alegria nelas. Estaria a mentir se dissesse que estamos bem. A única coisa que me dá conforto é saber que tenho companheiras de equipa incríveis e apoiarmo-nos umas nas outras permitiu-nos encontrar algum conforto nesta situação”.
Lewis Gettier/ISI Photos
Lindsey Horan, jogadora do Lyon, descreveu a mesma frustração que as suas colegas de seleção e realçou que o relatório não marca o fim do problema que as mulheres enfrentam.
"Isto não é só na NWSL, isto é o futebol feminino, as mulheres em geral, temos estes problemas em todo o mundo. Trata-se de um problema global, por isso não quero que este seja o ponto final. Esta investigação foi apresentada e estamos obviamente gratas por isso, mas tudo isto demorou demasiado tempo. Sento-me aqui hoje e sinto que ainda não acabou. Isto está em todo o mundo, e sendo uma jogadora na Europa neste momento, sei disso", afirmou.
As jogadoras dos Estados Unidos, vencedoras das duas últimas edições do Mundial (2015 e 2019) vão defrontar atuais campeãs da Europa que, nos últimos dias, se têm apresentado como aliadas neste momento.
Beth Mead revelou que a seleção inglesa tem estado em contacto com a dos EUA para decidirem de que forma vão demonstrar solidariedade com os futebolistas norte-americanas. “Fiquei bastante mal quando soube. É um problema mundial. As mulheres precisam de ser muito mais levadas a sério. Estou orgulhosa das vítimas que se levantaram. As pessoas precisam de começar a fazer melhor. Estamos em contacto com a seleção dos EUA e algumas jogadoras, estamos a trabalhar no nosso apoio a elas”.
A lateral Lucy Bronze também realçou o facto de este ser um problema mundial e não de apenas um país: "O desporto feminino, em geral, tende a ter estas questões e penso que elas provavelmente já existem há muito tempo, mas as pessoas nunca foram suficientemente corajosas para se manifestarem. Não é necessariamente uma coisa nova, a novidade é que finalmente estamos a lutar contra isso. Há muito tempo que dizemos que muitas coisas precisam de mudar no desporto feminino e isto está no topo da lista".