O relatório sobre os acontecimentos na final da Liga dos Campeões realizada no Stade de France, em Paris, foi tornado público e voltou a abrir feridas. As autoridades responsáveis pela investigação apontam os trágicos acontecimentos de Hillsborough, em 1989, como motivo para o “firme policiamento” do local onde Real Madrid e Liverpool se defrontaram. A menção do triste dia que vitimou 97 pessoas indignou os ingleses.
De acordo com o “The Guardian”, Michel Cadot, delegado do ministro francês do Desporto, deu razão aos receios já referidos pelos adeptos do Liverpool presentes em Paris, no dia da final, que frisaram o preconceito baseado em falsas acusações como principal razão para terem sido violentamente agredidos pela polícia francesa.
No documento de 30 páginas há uma secção que começa por reconhecer que os adeptos do Liverpool não têm sido conhecidos pela violência em jogos de futebol. No entanto, conta o jornal inglês, pode ler-se de seguida: “Referência à tragédia de Hillsborough, em 1989 – 97 mortos – pela qual a responsabilidade da polícia foi apontada, levou a um firme policiamento, para manter a ordem em caso de revolta, respondendo ao risco de fenómenos coletivos de hooliganismo, como aconteceu em Marselha, a 13 de junho de 2016, durante o jogo Inglaterra-Rússia”.
A 15 de abril de 1989, jogava-se a meia final da Taça de Inglaterra, entre Liverpool e Nottingham Forest, no Estádio de Hillsborough, em Sheffield. Pouco depois do apito inicial, para dispersar o excesso de pessoas na zona dos torniquetes, o comandante da polícia mandou abrir a bancada destinada aos adeptos do Liverpool. A atitude levou a que demasiados espectadores se concentrassem na zona, culminando na derrocada daquela parte do estádio. 766 pessoas ficaram feridas e 97 morreram, a maioria no local, a última delas 30 anos depois, devido a sequelas medicamente comprovadas.
Durante meses, a polícia de Yorkshire, o condado onde se situa Sheffield, defendeu como causa para o desastre o excesso de álcool e atos de hooliganismo por parte dos adeptos do Liverpool, o que veio a provar-se falso, com as responsabilidades a serem atribuídas ao mau planeamento por parte das autoridades.
Várias famílias de vítimas de Hillsborough reagiram com indignação ao relatório francês sobre a final da Liga dos Campeões. Louise Brookes, irmã de uma das vítimas de Hillsborough, disse, sobre o relatório: “Isto é uma completa incapacidade de compreender o desastre. E este preconceito, de que os apoiantes do Liverpool são hooligans, baseado numa total incompreensão de algo que aconteceu há 33 anos, quase provocou outro desastre em Paris”.
O relatório de Cadot identifica múltiplas falhas na gestão da multidão no Stade de France. O pontapé de saída foi atrasado mais de meia hora, enquanto milhares de adeptos de ambas as equipas eram mantidos em fila. No entanto, diz o “The Guardian”, Cadot insiste na ideia de que um grande número de adeptos do Liverpool com bilhetes falsos foi parte substancial do problema.
O presidente da Câmara de Liverpool, Steve Rotheram, que esteve no meio da confusão, em Paris, tendo inclusive sido assaltado, disse sobre o relatório: “Isto é considerado inteligência, mas mostra falta da mesma e confirma os nossos maiores medos. O policiamento medíocre e a falta de gestão da multidão em Paris basearam-se em dados falsos, ignorância e preconceito. Isto enfatiza, mais uma vez, a necessidade de uma investigação completa, profunda e independente”.
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