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Uma mulher na Fórmula 1? Ninguém está tão perto quanto Jamie Chadwick: “Sinto que é um objetivo mais possível agora”

Depois de se sagrar campeã da W Series por duas vezes, Jamie Chadwick quer agora usar a plataforma que o campeonato lhe deu para continuar a apostar na carreira em monolugares. O grande objetivo é chegar à Fórmula 1, mas antes quer demonstrar o seu valor na Fórmula 3 e 2. Em entrevista à Tribuna Expresso, a piloto falou sobre a carreira, o futuro e a experiência na modalidade sendo mulher

Rita Meireles

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Quando se trata do tema mulheres na Fórmula 1, ou pouco se fala ou ainda se considera um conceito muito longínquo. Mas há quem tenha conseguido fazer soar o som dos motores, impor o assunto e, principalmente, colocar o nome na conversa. É o caso de Jamie Chadwick, o primeiro nome que surge quando se fala sobre quem é a mulher que está mais próxima da categoria-rainha.

Quem a vê na pista nem imagina que por pouco o percurso da duas vezes campeã da W Series, de 23 anos, não passou pelos campos de hóquei ou pelo gelo das montanhas.

“Comecei a praticar karting por volta dos 12 anos de idade, o que é relativamente tarde para começar a praticar o desporto. Foi só porque o meu irmão mais velho começou. Isto nunca foi um plano para mim, eu ser uma piloto nunca esteve escrito nas estrelas, foi apenas algo que eu gostei”, explica Chadwick à Tribuna Expresso.

A noção de que iria optar por uma carreira na área surgiu ainda mais tarde. Em 2016 foi quando, admite, teve de começar a fazer mais sacrifícios para que a modalidade se tornasse uma prioridade e fosse um trabalho a tempo inteiro: “Ainda andei na escola até aos 18 anos, mas foi um desafio. Estava longe muitas vezes, por isso tentar fazer exames e as coisas na escola não era assim tão fácil. Também gosto de praticar outros desportos [hóquei e esqui] e depois [o desporto motorizado] tornou-se algo a que tive de dar prioridade e não tive tempo de fazer outros desportos”.

Difícil foi também ter poucas pilotos a quem chamar de role models, ou seja, modelos a seguir. Foi a acompanhar os passos do irmão que Chadwick foi percebendo o que fazer a seguir, uma vez que a noção de que poucas mulheres chegaram onde a piloto britânica queria chegar “não facilitou” na fase inicial da carreira.

Hoje o cenário é bastante diferente. Chadwick, em conjunto com a W Series e as restantes pilotos, não só garantiu que as jovens que se interessem pela modalidade tenham alguém como elas em quem se inspirar, como também já não tem dúvidas em relação ao caminho que quer seguir.

A piloto não confirma em que competição ou corrida vai marcar presença a seguir, porque até ao momento da entrevista com a Tribuna Expresso nada estava confirmado, mas não esconde a vontade de progredir naquela que, para os pilotos do género masculino, tem sido a ordem natural das coisas. Com a W Series, uma competição exclusivamente para mulheres, num patamar logo abaixo da Fórmula 3, segue-se essa categoria, a Fórmula 2 e, por fim, a Fórmula 1, ela que já é piloto de desenvolvimento da Williams.

Qual, de todos em que participou, considera ser o campeonato que foi um ponto de viragem ou o mais importante da sua carreira?
Penso que há alguns momentos-chave, sem eles não estaria agora nesta posição. Mas definitivamente a W Series em 2019, a primeira temporada, foi provavelmente a mais significativa e essencial. Não estava a conseguir progredir mais em monolugares antes desse ponto, a porta estava meio fechada para mim no percurso até, talvez, à Fórmula 1. Depois surgiu a W Series, que não só me deu um enorme impulso e a oportunidade de estar a competir em monolugares, como também me deu muito mais exposição do que alguma vez poderia esperar e agora colocou-me num caminho que de outra forma não teria tido.

O que a fez optar por integrar a W Series?
Inicialmente tive reservas sobre se era o passo certo a dar. Mas penso que o principal é que a oportunidade era muito boa. Estávamos a ter a oportunidade de correr totalmente financiadas, num pacote de apoio inicialmente com a DTM, em monolugares. Essa oportunidade não podes recusar. Tive muita sorte de ter surgido na altura certa.

(Foto: Clive Mason/Getty Images)

(Foto: Clive Mason/Getty Images)

Porque é que acha que a W Series não foi tão bem recebida ao início?
Penso que naturalmente as pessoas dos desportos motorizados não gostam de mudar e a W Series é um conceito novo. Se olharmos sem compreendermos e pensarmos que é um campeonato feminino separado, que promove a segregação, naturalmente vai ter uma enorme repercussão para um desporto onde acredito, e penso que muitas pessoas acreditam, que é possível competir em igualdade. Quando compreendermos totalmente o que a série é e está a tentar alcançar, e alcançou na minha opinião, então não pode ter quaisquer pontos negativos ligados a ela.

Como descreve o impacto da W Series nos desportos motorizados para as mulheres?
Tem sido enorme. Em primeiro lugar, e acima de tudo, temos mais de 20 mulheres a correr naquele nível em monolugares, o que sem isso a W Series não teríamos tido. E depois, em relação a mim como caso de estudo, por exemplo, tem sido uma grande oportunidade. Deu-me o lugar na Williams como piloto de desenvolvimento na Fórmula 1, pôs-me num caminho no desporto motorizado profissional que de outra forma não teria tido. E muitas das raparigas também. Penso que todos estão mais concentrados na Fórmula 1, mas a verdade é que agora está a ser criada uma oportunidade em torno destas mulheres que competem na W Series e no desporto a nível profissional.

Como surgiu a oportunidade de fazer parte da primeira temporada de Extreme E?
A Extreme E foi um pouco como uma curva no que diz respeito ao rumo da minha carreira. Tive novamente muita sorte. É mais uma oportunidade onde têm a estrutura onde se precisa de um homem e uma mulher como pilotos. A equipa com quem estava na W Series, e que me apoiou durante grande parte da minha carreira, a Veloce, tinha uma equipa na Extreme E e eu tive a sorte de ter a oportunidade de correr e conduzir naquela série, o que foi incrível. É uma série que representa muito, desde a promoção do ambiente até à sensibilização para a igualdade de género.

A Veloce anunciou uma nova piloto, Christine GZ, isso significa que não vai regressar para a temporada 2022?
Este ano, não. Penso que estamos a tentar concentrar-nos mais na rota dos monolugares, se for possível. Especialmente porque, no ano passado, no decorrer da época de Extreme E, perdi algumas corridas. Tens mesmo que estar totalmente empenhada e eu não senti que pudesse oferecer isso, sabendo o que quero alcançar em outra parte do desporto.

Depois de vencer o campeonato da W Series por duas vezes, o que se segue?
Ainda estou a trabalhar no plano seguinte. Depois de vencer duas vezes, quero agora ter a oportunidade de sair da série e mostrá-la como o trampolim e a plataforma que o campeonato realmente é. O que isso será ainda está a ser decidido. Penso que certo é que as oportunidades que estou a ter agora como resultado de ganhar a W Series são muito maiores do que teria tido sem ela. Agora é só escolher de forma correta o próximo passo.

Chadwick é a única piloto vencedora do campeonato da W Series (Foto: Mark Thompson/Getty Images)

Chadwick é a única piloto vencedora do campeonato da W Series (Foto: Mark Thompson/Getty Images)

Então é certo que não fará parte da próxima temporada da W Series?
É pouco provável. Estou a tentar encontrar as melhores opções para mostrar que a W Series é o que é, ou seja um trampolim para passos mais altos. Se continuar, acho que isso retira o verdadeiro objetivo do campeonato. Embora tenha sido uma oportunidade incrível para mim, se conseguir obter o apoio para fazer outra coisa, acho que o foco está em trabalhar o mais arduamente possível para poder progredir e optar por outras opções.

A Fórmula 1 é um objetivo?
Sim, definitivamente. Quantos mais anos passam e ao ter estas oportunidades e portas a abrirem-se, é cada vez mais possível. Ainda há muito que preciso de alcançar, há algumas feeder series [fórmulas de promoção] para a Fórmula 1 em que preciso de competir e de me sair bem. Dito isto, sinto que é um objetivo mais possível agora.

Que séries são essas?
Fórmula 3 e Fórmula 2. A W Series fica logo abaixo da F3, por isso sinto que tive um grande trampolim para chegar a esses campeonatos. Espero que isso me permita, se não eu que outra piloto que venha da W Series, progredir a partir daí até à Fórmula 1.

Como surgiu a oportunidade de se juntar à Williams?
Através da W Series. Eu estava em conversações com a Williams pouco antes da W Series começar e a Claire Williams, que chefiava a equipa em 2019, veio à primeira corrida. Depois disso, o contrato foi assinado e eu consegui juntar-me à equipa. É incrível ter essa relação e esse acesso a uma equipa de Fórmula 1. Espero que seja algo para continuar no futuro.

Chadwick é piloto de desenvolvimento da Williams (Foto: James Bearne/Getty Images)

Chadwick é piloto de desenvolvimento da Williams (Foto: James Bearne/Getty Images)

Quais são as expectativas para este ano? A realização de um treino livre na Fórmula 1 pode ser uma realidade?
Espero que sim. E se não for um treino livre, espero só poder entrar no carro e ter a oportunidade de o conduzir. Ainda há muitas coisas que preciso fazer. Mesmo sabendo que a perceção é que posso estar pronta para fazer uma FP1 [treino livre] este ano, acho que o nível que tenho mantido é ainda relativamente júnior em comparação com a Fórmula 1. Ainda há muita preparação e trabalho que precisa de ser feito antes. Mas sim, seria um sonho tornado realidade para mim pelo menos conduzir o carro este ano.

Na Williams trabalhou com George Russell, que este ano vai ter uma nova oportunidade na Fórmula 1. Que expectativas tem para este novo capítulo na carreira do seu compatriota, na Mercedes?
Estou muito entusiasmada. Tendo visto como ele trabalha, na Williams, ver aquilo de que é capaz, acho que é entusiasmante vê-lo com esta nova oportunidade e tudo aquilo que ele pode alcançar lá. Vai ser difícil contra o Lewis [Hamilton], mas não tenho dúvidas de que ele aceitará plenamente o desafio e vai ser uma batalha muito cool para os britânicos no topo.

Que tipo de piloto a Mercedes e Lewis Hamilton, como colega de equipa, vão receber?
Ele é incrivelmente informado, é o tipo de piloto que não deixa uma pedra por virar, tudo aquilo em que pode trabalhar, tudo aquilo que pode analisar ele vai rever. Ele motiva a equipa com muita força, sei que uma grande razão para o sucesso da Williams nos últimos anos é devido ao quanto ele tem motivado a equipa. Acredito que vá fazer o mesmo na Mercedes.

George Russell assistiu à corrida em que Chadwick se sagrou campeã da W Series pela segunda vez (Foto: Mark Thompson/Getty Images)

George Russell assistiu à corrida em que Chadwick se sagrou campeã da W Series pela segunda vez (Foto: Mark Thompson/Getty Images)

Quem são os seus ídolos, as pessoas que a inspiram no desporto?
Para ser honesta, não tenho ninguém que tenha sido a razão pela qual entrei no desporto, mas desde que aqui estou há muitas pessoas que admiro. O principal é o Lewis Hamilton, só porque penso que a sua capacidade e o que alcançou no desporto… não creio que alguém possa não se sentir inspirado por isso.

Sente o peso nos ombros quando se trata do tema mulheres na Fórmula 1, uma vez que o seu nome surge sempre na conversa?
Um pouco, sim. Claro que quero representar as mulheres da melhor maneira possível, mas se cometo um erro, não penso que isso deva ser interpretado como todo o género no desporto. O objetivo para mim é envolver cada vez mais raparigas jovens no desporto, por isso, mesmo que eu não consiga, outra jovem irá conseguir. Penso realmente que é possível que as mulheres tenham um lugar e uma presença fortes no desporto. Definitivamente carrego um pouco desse peso, mas tento não pensar muito sobre isso. Tento concentrar-me no meu próprio trabalho e apenas encorajar mais e mais jovens raparigas a envolverem-se.

Neste momento, quais são as maiores barreiras que as mulheres enfrentam nos desportos motorizados?
Há alguns fatores. Principalmente a falta de representação visual das mulheres no desporto. Não há raparigas suficientes que começam sequer a praticar karting, porque nem sequer pensam que é um desporto possível para elas. A partir daí, penso que são as mesmas barreiras que muitos homens enfrentam. Não é um desporto fácil de progredir, é obviamente muito físico. Mas acho que é a falta de representação ao mais alto nível que não encoraja as raparigas jovens a envolverem-se em primeiro lugar.

Olhando para o futuro, vê mulheres e homens a competir juntos ou cada um com o seu próprio campeonato?
Vejo-os a competir juntos. Penso que há algumas coisas que precisam de mudar no desporto para que isso seja possível, mas vejo mulheres e homens a competirem uns contra os outros no futuro.

Que mudanças são essas?
Penso que os desportos motorizados foram desenhados para os homens, o caminho foi desenhado sobretudo para os homens. Coisas como os chassis em Fórmula júnior, que são concebidos para o tamanho médio masculino e não para o tamanho médio feminino. Há vários fatores. Como intrinsecamente [o desporto] é fortemente dominado pelos homens, a cultura está muito em torno deles. Ainda que as oportunidades se estejam a tornar maiores para as mulheres, a infraestrutura, apoio e network dentro do desporto só agora está a surgir. Penso que se fores uma jovem a vir para o desporto agora é muito entusiasmante, mas se tivesses chegado há cinco ou 10 anos teria sido muito diferente.