Vê deficiências no seu modelo de jogo? Há muito por refinar?
Sim, há sempre coisas, inclusive na fase de construção. Esta é uma fase em que o Fluminense sofreu muitos golos, era uma crítica que se fazia muito ao meu trabalho. Aqui no Fluminense isso tinha melhorado muito, no São Paulo também melhorou muito. Foi uma coisa que se foi lapidando. É um facto que não se pode negar, mas é uma coisa que está muito melhor. O Fluminense, hoje, defende muito bem, mas sofreu muitos golos nestes últimos jogos. Alguma coisa aconteceu, temos de investigar, não é aquela coisa fácil da imprensa ou de quem assiste que diz "sofreu muitos golos, então o sistema defensivo está ruim". Não é assim. Por exemplo, o Palmeiras [no empate a 1-1] chutou só uma bola à nossa baliza. Não tiveram nem uma finalização dentro da área, houve só a bicicleta [de Rony]. Com o Corinthians foram só duas bolas. Com o Fortaleza, a mesma coisa. Uma equipa que cede poucas oportunidades ao adversário sabe defender-se bem. Você tem de investigar porque é que, com poucas chances de golo, os caras conseguem fazer golo, é uma outra questão mais complexa. Por exemplo, outro cliché do futebol: se uma equipa sofrer três golos seguidos aos 45 minutos do segundo tempo, é porque estão mal fisicamente. Essas coisas meio abobadas interessam-me pouco. Uma das coisas que tenho tentado nos últimos anos é, de maneira objetiva, sofrer menos golos. Às vezes o sistema defensivo está a funcionar e você está a sofrer golos, como aconteceu agora. Quando eu cheguei ao Fluminense, sofremos muito poucos golos. A primeira coisa que ajustei foi a questão de oferecer poucas oportunidades ao adversário. Mesmo sofrendo poucos golos, acabámos por ceder mais chances ao adversário, então o Fábio, o goleiro, estava a brilhar mais. Agora estamos atacando cada vez melhor, criando mais oportunidades e há menos bolas na nossa baliza, mas têm sido meio fatais.
Como foi o jogo com o Palmeiras?
Contra o Palmeiras já estivemos melhor, o Rony fez um golo extraordinário. Vou citar três pontos centrais do Palmeiras: bola parada ofensiva, têm muito golo, têm um cara que bate bem demais e muita gente alta que cabeceia bem. O Abel [Ferreira] tem um arsenal de jogadas. Não sofremos nada, por conta do treino e preocupação. A segunda coisa do Palmeiras é a transição ofensiva, é muito forte, muito forte. Praticamente não sofremos contra-ataques no jogo. Na bola do Rony, de bicicleta, tínhamos seis jogadores para dois. Não é estar mal treinado ou não ter noção, aconteceu. Outra coisa do Palmeiras é o remate fora da área, e quase não chegaram bolas ao Fábio. Tomámos conta de todas as coisas que o Palmeiras tem de muito forte e efetivo. Outra coisa eram as jogadas individuais do Dudu, tivemos cuidado, ele desequilibra. O sistema defensivo comportou-se bem, mas sofreu golo. Contra o Fortaleza e Corinthians também. É uma coisa que tenho na minha cabeça, ajustar para a equipa atacar cada vez melhor e defender cada vez melhor, ou vice-versa. Mas há mais coisas: na fase de construção podíamos ter mais profundidade do que temos. O futebol, por mais que faça, há muito mais para fazer do que o que você está fazendo. Quanto mais evoluir, mais fica vendo o que falta do que aquilo que faz. É o que acontece comigo. O futebol é um espaço muito amplo para criar coisas, não há ninguém que consiga fazer algo que está perto do perfeito, muito longe disso. Sou mais um desses. Só tento fazer o melhor que consigo. Há muita coisa para melhorar.
Uma vez falei com um treinador de formação sobre o Fluminense e a primeira coisa que ele disse foi que era muito bom de ver, mas que estranhava ver três médios perto da linha a tocarem na bola. Quando perde a bola, como é?, disse ele. A transição defensiva pode ou não ser aí beliscada?
Uma das coisas que você treina é isso. O adversário vai treinar para jogar contra a gente muito menos do que a gente treina para sermos nós próprios, temos uma vantagem nisso. OK, é uma coisa muito básica, isso é fácil, estão os três meio-campistas lá, mas primeiro para perder a bola vai ser difícil. E, quando perder a bola ali, tem de perder a bola, não conseguir recuperar, eles têm de tirar a bola dali para algum lugar, para depois tentar fazer o golo, porque a baliza está a 70 metros. E está correto isso, está identificado, o que acontece é que o rival vai ter mais dificuldade de recuperar a bola. Quando recuperar a bola vai ter de ser muito bom, muito bom mesmo, para tirar a bola dali. Se ele conseguir tirar a bola dali, vai ter de levar a bola para outro canto para depois promover o ataque. Quando a bola vai para lá, onde estou descoberto, temos uma estratégia para não acontecer nada, vamos dar um jeito. Ou não vai sair a bola daqui [onde estavam a tocar]. É só você ver quantos golos sofremos porque um cara tirou a bola dessa situação e levámos com um contra-ataque. É estatística, pega nos golos que o Fluminense sofreu e o que tem a ver com isso? Isso pode ser um ponto fraco, mas cabe a mim não deixar que seja um ponto fraco, tenho de criar mecanismos, é um jogo em que a gente vai adaptando.
Voltando ao seu modelo de jogo.
O grande lance é que as pessoas jogam de uma maneira muito única e aprendem dessa maneira meio cartesiana e aquilo ali funciona para todo o mundo. Um jogo jogado assim, quase sempre, vai ganhar quem tem os melhores jogadores. Se todos jogam com três no meio, dois extremos e um centroavante, fica um jogo coletivo em que não se criam vantagens competitivas. Já é assim que acontece com o meu modelo, acabou criando condições no Audax, por exemplo, para jogar melhor do que Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo. Tem defeitos como os outros modelos têm, mas é uma maneira de criar. Se alguém conseguir levar vantagem competitiva do que estou fazendo, não tem problema, vou inventar outra coisa. O que estou fazendo não é o melhor negócio do mundo para sempre, é o melhor negócio para agora. Amanhã, se alguém fizer alguma coisa, vai dar-me a chance de aprender. Não está dando mais certo, 'tá bom, o campo é muito grande, tem 11 contra 11, vamos criar uma coisa diferente. No fundo, quem conseguir fazer isso ajuda-me muito mais. É o legal da vida, não tem um melhor, o melhor é sempre uma coisa provisória. O meu grande motivador é o jogador. Se estou fazendo uma coisa que o jogador não consegue desenvolver, ou ter prazer, temos de criar outra solução e outro jeito de jogar para o jogador ter prazer e criatividade.
O Fernando fala muito na sociedade e na educação. Acredita que há uma crise de valores no futebol e nas nossas vidas?
O mundo em que a gente vive é capital. Quem tem dinheiro tem uma certa hegemonia sobre aquele que não tem dinheiro. Quem tem poder tem uma certa primazia sobre aquele que não tem, a gente acaba valorizando isso. Isso acontece no futebol. Quem ganha, pode tudo. A vida para mim não é isso. Todo o mundo tem de ganhar dinheiro, pela sua competência obviamente. Interesso-me muito mais pelo processo de como se ganham as coisas do que pelas coisas ganhas. Falou da seleção de 82, não ganhou a taça, mas ganhou muitas coisas para a vida. Os jogadores daquela seleção são celebrados até hoje no mundo inteiro, porque os caras cumpriram a função deles, transmitiram emoção e inspiraram pessoas a fazerem coisas boas. Hoje ganhar a Premier League tem um valor diferente de ganhá-la há 30 anos quando começou, é um campeonato muito mais competitivo, todas as estrelas estão lá. Quando ganhas a um grande oponente, que te exige o máximo e ser melhor, que custam algumas noites sem dormir e muito trabalho, isso valoriza-te muito, prepara-te melhor para a vida, vive-se melhor, você melhora como pessoa. Desvalorizamos muito isso. O ganhar, tanto dinheiro como o jogo, justifica tudo... eu não acho que tem de ser assim.