Uma vez disse que chamarem-lhe moderno era quase um insulto…
No futebol, que acaba por ser um reflexo da minha vida, eu tento reproduzir as coisas que marcaram a minha infância. Tento colocar em prática o que me marcou quando era criança. Na minha conceção de viver a vida, eu prefiro que a vida seja mais arte do que ciência, aquilo que é artístico marca para sempre, emociona as pessoas. A ciência está sempre a renovar-se, a gente tem de fazer uso da ciência mas, entre os usos da ciência e da arte, eu gosto mais da arte do que da ciência.
Fala-se muito no Dinizismo. Se vem da infância, e o Fernando é de 1974, se calhar os primeiros Mundiais de que tem memória são os de 1982 e 1986. Há alguma influência em si daquela equipa de Telê Santana?
Aquela seleção, das equipas de futebol, foi a que mais me marcou. Eu tinha oito anos e na minha casa, com família grande, de oito irmãos contando comigo, era todo o mundo muito apaixonado pelo futebol. Naquela ocasião, a gente tinha uma verdadeira comoção por aquela seleção e vivia-se muito mais o futebol no Brasil. Pintávamos as ruas, as paredes, aquilo marcou-me muito. E o time era muito bom, embora eu não entendesse muito de futebol obviamente, eu tinha oito anos, mas a emoção que aquela equipa fez as pessoas sentirem foi muito marcante para mim. E obviamente eu já tinha ali alguns ídolos, no caso de Zico, Sócrates, Toninho Cerezo, Falcão. Eu não entendia muito de futebol, mas era apaixonado por essas personagens. Foi uma seleção que me marcou muito mesmo.
A crítica pode ser dura quando não se vencem jogos ou troféus especialmente jogando como o Fernando quer jogar. Quão difícil é esse exercício de resistência e manter o plano?
Ao mesmo tempo que é difícil, no sentido que as pessoas querem que se ganhe – aqui no Brasil é o imperativo, e em Portugal e na Europa também, sendo que no Brasil existe um imediatismo muito maior, vê-se pela inúmera troca de treinadores em relação a Portugal, Espanha ou Inglaterra –, por outro lado é fácil porque só sei fazer deste jeito. Não há a segunda opção. Se eu tivesse uma outra opção, talvez fosse mais difícil, mas nesse sentido é ir melhorando aquilo que se faz. Mas nunca tive minimamente uma ideia de ter um plano B para isso, da conceção que tenho do futebol. É a mesma coisa que alguém pedir a você para se adaptar a um modo corrupto de viver. Para mim não há a chance de mudar as minhas conceções. Fazer as adaptações que são necessárias para ganhar os jogos é outro assunto, estamos sempre a adaptar-nos, todo o mundo quer vencer, mas vencer de uma maneira que não tem a ver comigo... não é o futebol que eu gosto. O futebol tem um jeito e um gosto para mim, eu não teria prazer nenhum em treinar uma equipa de futebol simplesmente para vencer jogando de uma maneira embrutecida, sem valorizar o jogo, sem valorizar a bola e principalmente sem valorizar os jogadores e as pessoas que assistem. Aí é que está o meu grande amor e respeito pelo futebol, são os jogadores e o público que assiste.
E quando não se ganha?
Às vezes, você pode não ganhar o jogo, mas que as pessoas saiam [do estádio] com orgulho daquilo que elas estão vendo no campo. O resultado é incontrolável, assim como a vida, mas a entrega e o desejo de fazer alguma coisa bem feita é uma coisa pela qual podemos lutar muito. Obviamente que também acredito que, quando se joga dessa maneira, você tem mais chances de vencer os jogos, para mim isso é muito claro. Aquele que joga bem futebol tem mais chances de vencer e, quanto melhor você jogar, mais chances de vencer você vai ter, chances a determinado momento de criar até uma hegemonia. Para isso, é preciso um processo, as coisas não acontecem de um dia para a noite, mas aqueles que conseguem jogar bem o jogo de futebol, respeitar a sua beleza, têm mais chances de vencer jogos.