Crónica

O primeiro golo do Qarabag frente ao SC Braga é ilegal? Leia aqui todas as regras sobre o uso do apito pelos árbitros

O primeiro golo do Qarabag frente ao SC Braga é ilegal? Leia aqui todas as regras sobre o uso do apito pelos árbitros

Duarte Gomes

ex-árbitro de futebol

Duarte Gomes explica o porquê de um dos golos que eliminou o SC Braga da Liga Europa ser legal, lembrando que nem sempre é obrigatório o uso do apito pelo árbitro

Recebi várias mensagens de alguns adeptos a questionarem-me sobre a legalidade de um dos golos do Qarabag, no jogo com o SC Braga. A dúvida? O árbitro não apitou para que um pontapé-livre fosse executado e a equipa azeri marcou “à falsa fé”.

Parece-me importante, a este propósito, deixar aqui alguns esclarecimentos:
- O apito é uma ferramenta que permite informar jogadores, bancos técnicos e adeptos sobre algumas decisões. Serve, por exemplo, para interromper a partida quando são cometidas infrações ou para autorizar alguns inícios/reinícios de jogo.
Mas voltemos um pouco atrás na história.
Noutros tempos, os jogos decorriam sem árbitros, regras ou apitos. Os jogadores entendiam-se entre si. Havia uma espécie de compromisso de cavalheiros, em que o mero “pára que é falta” era mais do que suficiente.
Com o crescimento da modalidade, a boa-vontade dos atletas tornou-se insuficiente. É já em pleno futebol moderno que surge a figura do árbitro, via leis de jogo. E surge como uma espécie de desmancha-prazeres, alguém que passa a travar o prazer puro do jogo, para impor isto ou sancionar aquilo.
Culturalmente nunca se perdoou esse papel castrador, porque em boa verdade ele representava o fim da liberdade plena.
De então para cá, a única coisa que mudou foi o vernáculo: os árbitros continuaram a ser os maus da fita, mas hoje em dia com níveis patológicos de ofensa e ameaça.
Mas foi (mais ou menos) naquela altura que surgiu... o apito.
Da mesma maneira que os bombeiros tinham a sirene, a igreja o sino e as portas a campainha, também o futebol precisava de um som impactante que alertasse os jogadores em algumas situações de jogo.
O apito era pequeno, manuseável e fazia-se ouvir. Era perfeito para ser usado na mão ou no bolso, sem pesar nem estorvar.
Voltemos então ao jogo de Baku:
Importa que se perceba que o uso do apito é OBRIGATÓRIO para:
1. Autorizar pontapés de saída (no início do jogo e do prolongamento, bem como das respetivas segundas partes);
2. Autorizar o recomeço de jogo, após a marcação de um golo;
3. Sinalizar uma interrupção de jogo, para que seja assinalado um pontapé-livre ou um pontapé de penálti;
4. Suspender temporariamente ou dar por terminado um jogo;
5. Terminar um dos períodos de jogo por ter esgotado o tempo previsto (para o intervalo, por exemplo);
6. Autorizar um recomeço de jogo em pontapés-livres junto às áreas adversárias, desde que a barreira esteja colocada à distância regulamentar (e apenas nesses);
7. Autorizar que um pontapé de penálti seja executado;
8. Autorizar o recomeço do jogo depois de uma interrupção para exibir um cartão amarelo/vermelho, após uma paragem por lesão ou após uma substituição.
Por outro lado, o uso do apito NÃO É OBRIGATÓRIO para:
1. Interromper o jogo para um evidente pontapé de baliza, pontapé de canto, lançamento lateral ou golo obtido;
2. Autorizar reinício:
– Na maioria dos restantes pontapés-livres (nomeadamente em zonas intermédias que não pressupunham constituição de barreira defensiva), bem como pontapés de baliza, pontapés de canto, lançamentos laterais e lançamentos de bola ao solo.
É por esta última premissa que se entende a legalidade do golo do Qarabag: naquele local, o jogador não precisava de autorização do árbitro, tem o direito a executar o pontapé rapidamente, a bola estava imóvel e colocada no local onde a infração foi cometida.
Tudo certo, portanto.
Há uma explicação para este uso “intermitente” do apito:
- Quando utilizado em excesso, torna o apitador demasiado protagonista, além de enervar os intervenientes no jogo e enfraquecer o seu impacto. Apitar sim, sempre que se justifique e com “força” adequada à gravidade ou ligeireza da situação.
Notas finais (já agora):
1. Se o árbitro pretende que os jogadores esperem pelo apito antes de recomeçar o jogo (por exemplo, enquanto assegura que os defesas estão à distância mínima de 9.15m num pontapé-livre), deve anunciar claramente que o jogo não reinicia enquanto ele não apitar (informando os jogadores, enquanto aponta simultaneamente para o apito, para que toda a gente o veja e entenda).
2. Se o árbitro apitar por engano e o jogo for interrompido erradamente, a partida deve recomeçar com lançamento da bola ao solo.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt