Crónica de Jogo

O Benfica não conseguiu fazer ouvidos moucos a uma Luz furiosa e sofreu um embaraço contra o Qarabag

O Benfica não conseguiu fazer ouvidos moucos a uma Luz furiosa e sofreu um embaraço contra o Qarabag
Gualter Fatia

O Benfica estreou-se na Champions com uma derrota (3-2) contra o Qarabag, o adversário mais acessível na fase de liga. Os encarnados começaram a vencer por 2-0, mas o jogo que parecia um prolongamento das pré-eliminatórias acabou por ser um verdadeiro desafio. Os azeris conseguiram a reviravolta com ajuda de um jogador que, há dois anos, foi o melhor marcador do campeonato dos Açores

A Liga dos Campeões é um rodízio de produtos gourmet. Só por mera distração será distribuído algo de qualidade rasteira pelas mesas. Nos moldes atuais, a competição faz uma curadoria exímia do que se vai servir, oferecendo uma degustação dos melhores mantimentos disponíveis no mercado e multiplicando as combinações entre eles.

O Benfica teve direito a uma excelente seleção, mas ia começar pelo Qarabag – com nove jogadores que passaram por Portugal, sobretudo nos escalões secundários –, um dos mais apetecíveis adversários. Na experiência supostamente progressiva, acabará a defrontar o Real Madrid no último dos oito jogos da fase de liga. Os azeris eram um prato guloso e uma das melhores oportunidades para os encarnados encherem a barriga.

O DJ não fez um grande trabalho a suavizar a transição entre uma versão de “Take Me Home, Country Roads”, com rimas forçadas, adaptadas ao Benfica e o sempre pomposo hino da Liga dos Campeões. O choque rítmico afetou o repasto das águias que chegaram a pensar que iam ter um manjar e nem passaram das entradas (3-2).

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As afinações de Bruno Lage na posição adiante de Enzo Barrenechea e Richard Ríos desvenda se o ponteiro tático vai indicar uma atitude tímida (Leandro Barreiro) ou extrovertida (Franjo Ivanovic). Sudakov é um meio-termo. A primeira vez na época em que os encarnados usaram as camisolas ligeiramente mais caras por terem o badge da Liga dos Campeões nas mangas ficou associada à estreia do ucraniano como titular.

Bruno Lage tem-se queixado que os novos jogadores têm tão pouco conhecimento uns dos outros e que os mais poliglotas têm que traduzir as indicações para os restantes. Sudakov, embora tenha sido adquirido quando a janela de transferências já estava encostada, aprendeu rápido a falar benfiquês. Magnata das bolas paradas e do último passe, usou esses recursos para assistir nos golos que aos 16 minutos colocaram o Benfica a vencer confortavelmente.

Era difícil não ver o cabelo loiro platinado de Enzo Barrenechea na cobrança do canto. O argentino desviou e nem Elvin Cafarquliyev, a dormir debaixo da barra, serviu para intercetar o cabeceamento. A pureza do segundo serviço de Sudakov foi menos nítida no passe para Pavlidis, que, só por ter sido desajeitado, Kevin Medina, ex-Chaves e Académico Viseu, não cortou.

Imperava uma certa tranquilidade, tanto que causou sonolência. O futebol do Qarabag começou a ter influência dos doutorados em criatividade, Marko Jankovic e Kady Borges (ex-Estoril e Vilafranquense). Sudakov entrou em desespero com a falta de ar causada pela reduzida posse de bola e começou a recuar para tentar dar seguimento à construção a três que Enzo Barrenechea proporcionava. Na ressaca de um livre marcado pouco à frente da linha do meio-campo, Leandro Andrade reduziu para os azeris.

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Na Luz, um mal nunca vem só. Começa até a parecer uma má ideia ter aumentado a capacidade do estádio (tem agora 68.100 lugares). Afiados assobios geraram um remoinho de inseguranças. O Qarabag pareceu ter milhares de pessoas a vestirem a sua camisola e a usarem-na em campo.

Nesta sequência de caos, a delicadeza de Kady, apesar de imensa, esbarrou no poste. Assim, o erro de António Silva talvez tenha passado mais despercebido. Iam surgindo as consequências da constante perda de segundas bolas.

Já que em Portugal ninguém deu assim tanto valor ao jogador que, há dois anos, foi melhor marcador do campeonato dos Açores, Camilo Durán foi até ao Azerbaijão ganhar nova vida. A maior marca do avançado colombiano no país quase foi o 2-2.

Independentemente do que viesse a acontecer, o Benfica já não se livrava do embaraço até porque, antes de marcar, Durán (ex-Lusitânia, Estrela Amadora e Portimonense) já tinha protagonizado um perigoso desvio de cabeça e um frente a frente com Trubin.

O Benfica estava a ser incapaz de fazer ouvidos moucos às reprimendas da Luz. Abalados psicologicamente, os comandados de Bruno Lage expuseram-se à humilhação. Mustafazade, um central deslocado para a grande área contrária, viu-lhe ser anulado o golo da reviravolta.

A bravura de Amar Dedic era o único motivo de aplausos. A carência de outras habilidades fez o técnico das águias mexer. Esperou até aos últimos 20 minutos para trocar os alas – Sudakov descaiu para a esquerda e entrou Gianluca Prestianni – e assumiu o 4x4x2, juntando Ivanovic a Pavlidis na frente. Como um veículo que está com o combustível na reserva, Lage teve que recorrer a Leandro Barreiro e Henrique Araújo, a antítese do conceito de armas secretas.

Os gritos que bateram recordes de decibéis pareciam ter sido combinados. O sinal para a revolta? A cambalhota no marcador. Abdellah Zoubir demorou o tempo que quis para passar a bola a Oleksii Kashchuk que fez o 3-2.

Aquilo que parecia vir a ser um prolongamento das pré-eliminatórias, revelou-se um verdadeiro desafio de Liga dos Campeões. As dificuldades mostradas contra o Qarabag não oferecem grande ânimo. Se o Benfica não se impôs contra os azeris, vai-se impor contra quem?

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