A maldição dos penáltis e a arte de Ødegaard derrubam o FC Porto na Liga dos Campeões
Christopher Lee - UEFA/Getty
Pela oitava vez seguida, os dragões perderam um desempate por castigos máximos, sendo batidos pelo Arsenal depois de um 1-0 a favor dos londrinos. Uma genialidade do norueguês abriu caminho para o igualar da eliminatória, mas na casa do líder da Premier League o lado estratégico de Conceição voltou a evidenciar-se, ainda que esbarrando na falta de eficácia no momento final
Há muitas décadas que as eliminatórias europeias não são decididas por moeda ao ar, mas um duplo lançamento de moeda ao ar lançou o mote para a decisão do Arsenal-FC Porto. Após 210 minutos de um duelo equilibrado, cheio de cautelas e prudência, tudo estava igualado entre o futebol que fluiu pelo corpo de Martin Ødegaard e o espírito de general especialista em preparar batalhas ao pormenor de Sérgio Conceição. E foi aí que a moeda se aliou à maldição que se vem abatendo sobre os azuis e brancos.
Os dragões haviam perdido os sete desempates por penáltis anteriores. Sete ocasiões seguidas em que o tie-break futebolístico caíra para o lado contrário. E ali, na fase onde, na Liga dos Campeões, o FC Porto não estava desde a traumática noite de Manuel Neuer em 2008 — outro prenúncio de maldição —, o árbitro Clément Turpin lançou uma moeda para decidir onde os castigos máximos seriam executados. A sorte sorriu ao Arsenal, já que não foi a baliza com adeptos dos dragões a escolhida. O público festejou. A seguir, novo lançamento voltou a satisfazer as pretensões dos ingleses, que puderam rematar primeiro. O público festejou.
Quis a fortuna que, logo ali, a maldição se começasse a manifestar. A má relação com os penáltis que tirou a Sérgio Conceição as finais da Taça de Portugal em 2015 e 2019 ou que afastou o FC Porto desta competição em 2008. Pela oitava vez seguida, os penáltis eliminaram os azuis e brancos de um objetivo.
Antes de Raya deter as finalizações de Wendell e Galeno, a dupla recém-chamada à seleção do Brasil que, no conto de heróis e vilões que são estas ocasiões, ficaram do lado lunar, houve um embate fechado e tenso, em que só uma assistência iluminada de Ødegaard desfez verdadeiramente a teia de Sérgio Conceição. Foi o suficiente para deixar que o trauma dos penáltis fizesse o resto.
Raya defende o penálti de Wendell
Shaun Botterill/Getty
Na antevisão ao encontro, Sérgio Conceição avisara que “os primeiros 15 ou 20 minutos” seriam “muito importantes”. E a resposta dos dragões foi de solidez e serenidade, impedindo que os londrinos se galvanizassem e levando o desafio para um terreno de cálculo e contenção, uma batalha de precisão, disputada em cima de papel milimétrico, em vez de uma descontrolada guerra de guerrilhas.
No Emirates, onde, em 2010, Jesualdo Ferreira inventou Nuno André Coelho a médio-defensivo e os azuis e brancos naufragaram num 5-0, o rasgo estratégico do técnico portista voltou a evidenciar-se. A base da manobra era o papel múltiplo de Pepê, que ora era condutor pela meia-direita, ora descia para a linha defensiva, fazendo quase de central pela direita, com Pepe ao centro e Otávio pela esquerda.
Aos 12’, Ødegaard fez o primeiro remate enquadrado dos gunners em toda a eliminatória, mas a tendência era para que os locais se aproximassem pouco de Diogo Costa. Do outro lado, aos 23’, Pepê, na vertente ofensiva da missão que lhe foi conferida, lançou João Mário, que assistiu Evanilson para uma finalização que foi travada por Raya. Foi a melhor ocasião dos forasteiros no jogo.
Só que, aos 41’, um génio norueguês foi indiferente ao contexto. Sérgio Conceição vinha-se superiorizando a Arteta, a equipa portuguesa estava mais confortável que a inglesa, mas bastou um lance de um canhoto com pés de veludo e cérebro de mestre de xadrez para destruir a lógica anterior. Ødegaard recebeu, tricotou na cara de Francisco Conceição e, entre uma floresta de pernas e adversários, no meio da multidão e da pressão e das pressas, fez parar o tempo, deu sentido à jogada, colocou o perigo nas pernas de Trossard, desmontou a estratégia de Conceição com um golpe de eficácia e estética. Finalização do belga, 1-0.
O 1-0 de Trossard
Shaun Botterill/Getty
Com a eliminatória empatada, a tendência do segundo tempo foi a precaução mútua, a aversão a expor-se. Arteta e Sérgio Conceição viram, ambos, cartões amarelos, e esses foram dos momentos mais relevantes até ao prolongamento.
Só num momento o FC Porto esteve em apuros na segunda metade. Aos 83’, o recém, entrado Gabriel Jesus, isolado, viu Diogo Costa defender o seu remate. Logo a seguir, Saka fugiu pela direita e também esbarrou no guardião português, com Ødegaard a não ter pontaria na recarga.
Varela, lesionado já depois dos 90’, desfalcou os visitantes para o prolongamento, um momento em que cada gesto era medido, cada movimento calculado. Não se dava um passo sem antes preencher uma declaração de responsabilidade desportiva, não se ensaiava uma jogada sem ter na mente bem presentes as indicações dos treinadores, o peso do momento, a dimensão do cenário e da ocasião. Londres, uma das capitais mundiais do futebol, com meia-hora a valer um lugar entre as oito melhores equipas da Europa.
E assim entrámos no período em que o tempo se começa a contar pela quantidade de vezes que os futebolistas se agacham e ajeitam as meias, o sinal evidente da fadiga física e mental, da exaustão completa. Aos 108’, após nove cantos para o Arsenal, o FC Porto dispôs do primeiro lance desse tipo em toda a noite. Wendell, completamente exausto, foi da ponta esquerda até ao lado direito para cruzar, uma decisão que soou a crueldade para o brasileiro.
Charlotte Wilson/Offside/Getty
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Não houve perigo naquele momento, tal como não houve em praticamente nenhum antes dos penáltis — e, sendo honestos, quase não os houve em todo o embate.
Aos 110’, Ødegaard, o diamante que em 2015 já se andava a estrear pelo Real Madrid na La Liga, isolou Saka, mas Otávio evitou o remate. Ao seu lado, Pepe, aos 41 anos, vestiu o seu melhor fato de segurança e personalidade, festejando cortes como quem quer provar que encontrou o elixir da eterna juventude.
E assim se foi para os penáltis. Ocupantes da posição que tem naquele momento a hipótese de se consagrar, Raya e Diogo Costa sentaram-se nos bancos de suplentes estudando os hábitos dos lançadores do lado oposto. Arteta puxava pelo público, Sérgio Conceição sentava-se com ar pensativo na geleira que tanto usa como banco.
Desde 2010 que o Arsenal não superava a barreira dos oitavos-de-final. O Emirates também quis jogar os penáltis, apoiando os seus e vaiando em uníssono os visitantes. Diogo Costa, que sabe bem o que é defender castigos máximos na maior competição do continente, não conseguiu travar qualquer disparo dos líderes da Premier League. Wendell e Galeno não foram eficazes. A estratégia de Sérgio Conceição foi, outra vez, traída pela maldição que, através dos caprichos do lançamento da moeda, anunciou que estava a chegar.