Quando todos querem e pedem o mesmo da bola, o FC Porto sofre para ganhar
MANUEL FERNANDO ARAUJO/LUSA
Um Gil Vicente atrevido, com muitos jogadores à frente da linha da bola no ataque à baliza e vários remates perigosos, testou os dragões que redundaram neles próprios: se na primeira parte foram previsíveis com tanta gente a querer passes no pé, na segunda foram muitos os que a queriam para fintar. Mas o FC Porto venceu (2-1) com uma bola parada que, pela quinta vez neste campeonato, fez a equipa marcar um golo nos descontos
Os holofotes mostram-se com genica, cheios de brilho para Wenderson Galeno. Há alturas assim, quando as luzes ofuscam e o alvo quase sente a pele a queimar com a atenção, no caso de um futebolista como ele é sinal de benfeitoria constante de coisas no campo de futebol. O Galeno futebolista nasceu para viver da bola e do que faz trovejar com ela nos pés, é daqueles jogadores que jogam para serem um tornado de fintas, pára-arranca e dribles rápidos que deixem adversários para trás. Bem-visto o seu cenário, o problema do brasileiro naturalizado português nunca foi esse.
Ultrapassar corpos é-lhe fácil, por vezes absurdamente simples, em Braga fez muitos comerem o seu pó, no último ano e meio do seu regresso ao Porto igualmente e a meio desta semana atazanou a vida de vários ucranianos do Shakhtar Donetsk, onde jogou sem a carência que tanto se diz ter de limar: a tomada de decisão. Nos ditames da bola significa e no seu caso, as precipitações a decidir o que fazer à bola quando já ultrapassou um ou outro adversário e a sua queda para escolher a opção menos adequada. Mas não nos últimos tempos.
A ida a Hamburgo exemplificou-o sem freios, o arranque de ação no Dragão replicou-o. A jogada teve João Mário, na direita, a orientar a bola para dentro, ligar com o outro lateral que ao centro também estava para receber e rasgar um passe no espaço deixado para Galeno, aberto na esquerda para embalar contra o desamparado Zé Carlos; encarou-o, driblou-o e acelerou para a linha de fundo até atenções suficientes estarem nele para passar a Taremi, cujo calcanhar tocou a bola para Iván Jaime, na área e aos 8’, passar o 1-0 à baliza. Num ápice e sapiente do melhor rumo a dar à jogada, o extremo desencantou um golo aliando as suas forças à melhor decisão.
Galeno é o desequilibrador preferido deste FC Porto versão 2023/24 por já encadear, com maior frequência, momentos destes, que justificam a permanência dos holofotes na sua figura ao invés de varrerem o campo e a sua luz iluminar o corpo do luso-brasileiro só de passagem. O seu problema, que agora é mais um imbróglio coletivo do que uma magreza dele, é a dependência da equipa na sua produção que Sérgio Conceição parece estar tentar contornar coletivamente. Contra um Gil Vicente atrevido nos posicionamentos assumidos no Dragão, essa intenção viu-se no relvado.
Ter Alan Varela na base de um meio-campo onde a ele se aproximam André Franco e Iván Jaime, homens de pé fino e técnico no passe que gostam de tocar em vez de acelerar (além de Eustáquio), atraiu a pressão do Gil em vários momentos, mexendo com as referências de marcação do adversário com a ajuda das descidas de Taremi no campo para ser outra opção para combinar. Mas quando todos querem a bola no pé, aproximando-se para passes curtos, acumulando corpos no cerne das jogadas, sobram os laterais e o paciente Galeno, fiel pajem do flanco esquerdo onde sempre aguarda que a jogada lhe chegue. Ia a primeira parte no equador e o Gil Vicente adaptou-se a tanta gente a querer o mesmo.
MANUEL FERNANDO ARAÚJO/LUSA
Aos poucos, os de Barcelos atreveram-se com a bola que cada vez mais iam recuperando a meio do campo. Aos três da frente compostos pelo possante Depú, o ágil e de finta fácil Félix Correia e o frenético Murilo Souza juntava-se em cerimónia um dos médios, era comum o Gil assumir quatro jogadores entre os espaços da linha defensiva do FC Porto para daí arranjar vantagens, arrojo que compensava aos visitantes quando reviam a bola. Já tinham uma mão cheia de jogadas entradas na área quando David Carmo sucumbiu ao engodo montado pelo adversário, acrescentando-lhe uma bola mal medida.
O errático central português, titular pela segunda partida na mesma semana findos 14 meses sem começar um jogo, teve mais força no pé do que a necessária e não acertou o passe em Alan Varela, argentino que já tinha três jogadores a cercá-lo. A recuperação desatou a corrida de Martim Neto, que lançou para a baliza um Depú legal à lupa das leis porque David Carmo se apressou a persegui-lo em vez de se alinhar com o penúltimo jogador do FC Porto que o teria deixado fora de jogo. A perna de Diogo Costa que deu uma lomba ao remate não impediu o empate, aos 37’.
Haveria parada e resposta depois, com um cabeceamento do mesmo Depú na altitude por detrás de Wendell a concluir uma jogada de calma, pensamento e ataque posicional do Gil antes de André Franco adoçar a bola na área para Galeno a rematar de primeira, cheio de estilo e vontade de decidir uma jogada já que o FC Porto, nos arrabaldes do intervalo, não conseguia levar-lhe as suas tentativas de aproximação à baliza. Faltava quem pedisse a bola mais entre linhas e nos ângulos cegos de quem defende, para obrigar olhares a desviarem-se da bola, além de gente a atacar os espaços nas costas da defensiva que tanto costuma ser mantra na forma de jogar de Conceição.
Abdicar cedo de um dos médios (Alan Varela) para juntar a Taremi um ex-avançado do Gil que vive de movimentos de rutura refletiu essa necessidade. Após Fran Navarro experimentou um remate em jeito a fechar um contra-ataque rápido (57’), o jogo aperaltou-se para ser mais tendencial e já não uma troca socos entre duas equipas a nunca desviarem o foco da baliza. Com o espanhol a fixar-se na linha defensiva do Gil e a ameaçá-la com ataques à profundidade, a posse de bola do FC Porto empurrou o adversário para trás. Por volta da hora de jogo, a luz já não visitava Galeno.
MANUEL FERNANDO ARAÚJO/LUSA
O discreto extremo, sem bola para o alimentar nas situações de que gosta, deu lugar às invenções de Gonçalo Borges quando o treinador quis ter Pepê a fingir de lateral direito e o seu filho a pedir bola no centro-direita do ataque. Encostado o Gil Vicente à área, o FC Porto carecia de maneiras de movimentar uma muralha com tantos corpos. Leu-se nos lábios de Sérgio Conceição um “vai para cima” dirigido a um deles, queria a ousadia e o arrojo a enfrentar adversários que não via a serem postos em causa pelo acumular de dragões talentosos em campo, sim, mas, de novo, todos a quererem o mesmo.
Fora um remate de ‘Chico’ Conceição à entrada da área que iria à baliza não tivesse batido nas costas de um jogador da própria equipa, o FC Porto voltou a redundar em si próprio, encravado na monotonia dos perfis de futebolistas a quem pedia para atacar a baliza. Não tinha rasgos de diferença. E com as mudanças com que quis agitar acabou por destapar-se, convidando o Gil Vicente a atrever-se de quando em vez em transição rápida. Félix Correia forçou-se da esquerda para o centro até rematar (73’) contra Diogo Costa e o canhoto Maxime Dominguez também provou as valias do guarda-redes portista (82’), capitão de equipa nesta noite.
A insistência em mais do mesmo só teve algo de distinto aos 90’+1, quando o homónimo capitão do Gil derrubou Pepê à direita da área, dando o livre que Wendell cruzou e onde Eustáquio saltou por entre adversários para desviar o perseguido 2-1. O quinto golo neste campeonato (entre os oito que feitos, espécie de FC Porto o' clock esta época) marcado nos descontos poupou o FC Porto à repetição de um empate caseiro (contra o Arouca, há duas jornadas), mas não o livrará de ver no espelho a reflexão de uma luz tíbia, a fraquejar de constância em ataque posicional e sem brilho no manejo da bola quando tem de criar formas diversas de chegar à baliza.
Depender de Galeno - ou de outro desequilibrador qualquer - é e será insuficiente para a equipa de Sérgio Conceição que soluça, emperra e está arrancar esta época aos solavancos, instável na forma como está a tratar a bola. Ainda não há holofotes que iluminem a equipa pelo que tem feito. E por isso o FC Porto tem sofrido mais em campo do que as contas dos resultados o sugerem.