As agruras de Capeta e as diferenças que ainda existem
Hernâni Pereira | FPF
A seleção portuguesa estreou-se na Liga das Nações com uma derrota, em França, contra a seleção de Eugénie le Sommer e companhia. O 2-0, muitíssimo adiado por Patrícia Morais, foi construído com os golos de Grace Geyoro e Selma Bacha. Portugal volta a entrar em campo na terça-feira, em Barcelos, contra a Noruega
As portuguesas morderam, morderam e morderam e deixaram desconfortável a poderosa França, a número 5 do ranking FIFA. Ninguém criava propriamente grandes jogadas, ou pequenas jogadas, que desaguassem perto das balizas. As futebolistas da casa iam chutando de longe, com Patrícia Morais a dar respostas categóricas. Do lado português, Kika Nazareth e Catarina Amado iam escrevendo com as botas uma ode à valentia. Kika, segurando a bola eternamente para as companheiras se posicionarem e perderem medos. Amado, defensivamente quase quase imaculada e ofensivamente enérgica e capaz de superar a adversária direta. A respiração melhorou quando estas duas jogadoras tinham protagonismo.
As diferenças ficaram mais evidentes depois do belíssimo golo das francesas, aos 27 minutos. Eugénie le Sommer, com um toque mágico com o pior pé (se é que existe), isolou Grace Geyoro, que, com muitíssimo espaço e tempo, enganou facilmente a guarda-redes portuguesa. A graciosidade do jogo de Geyoro foi uma das coisas bonitas desta noite.
Portugal jogou em losango, o querido losango do selecionador Francisco Neto. Telma Encarnação, a futebolista que ficou para sempre na história do futebol português ao marcar o primeiro golo em Mundiais, foi titular, mas não pôde ser a avançada que gosta de ser. É sempre um jogo ingrato ser avançada contra uma equipa melhor e com mais pedalada. Ao lado esteve Diana Silva, que por vezes toma decisões e apresenta debilidades técnicas que não condizem com o seu trajeto no futebol profissional.
Foi durante muito tempo um jogo sem balizas no Stade du Hainaut, em Valenciennes. Repetiam-se os duelos, as lutas por pequenos pedaços de relva, uma competitividade que só tratará frutos sumarentos no futuro ao nosso futebol. A bola derretia-se apenas em alguns pés, como os de Kika e Amado, como vimos em cima, mas também nos de Sommer, Geyoro, da irrequieta Kadidiatou Diani e da deslumbrante Sakina Karchaoui, a lateral-esquerda com uma qualidade e andamento inacreditáveis, a disponibilidade física é mesmo assombrosa. Já tinha feito um grande Campeonato do Mundo.
A titularidade de Kika vai demonstrando que talvez se vai esfumando a desconfiança nas criativas. Mesmo com quatro médias, Andreia Jacinto, uma jogadora com um toque de bola e um entendimento do jogo excelentes, continua à espera da sua vez. Tatiana Pinto, talvez presa a variadíssimas funções e rigores, passou ao lado do jogo. Andreia Norton, comprovando o início de época negativo no Benfica, também esteve uns furos abaixo.
Catarino Amado jogou pela esquerda
Hernâni Pereira | FPF
Se é verdade que o golo de Geyoro cavou diferenças entre as duas equipas, também é verdade que Patrícia Morais foi enchendo a baliza e mantendo o resultado com margem mínima, uma história para a qual ia contribuindo muito Ana Borges, eterna lutadora. O campo ia ficando maior para as portuguesas, algo descrentes, mas também, e há que dizê-lo, inferiores, ainda que seja admirável o nível em que estão a competir atualmente. Acumularam-se precipitações e fadigas, ainda naturais tais as diferenças das ligas nacionais e do nível de profissionalismo que toca a umas e outras. As francesas, embora mais frescas, acabaram por preferir o calculismo (ou o respeito pelas adversárias) e tentaram controlar o jogo, testando os caprichos do futebol.
Andreia Jacinto entrou finalmente aos 70 minutos, mas o meio-campo de Portugal não conseguia trocar passes há muito tempo. Isso viu-se, a espaços, na primeira parte. A proximidade entre as peças ajudou. Quando a dúvida cavalgou na escala da importância, quando acreditaram que as outras eram melhores, o futebol das portuguesas caiu. Ainda assim, Portugal foi evitando sofrer, como tem sido hábito, com o jogo aéreo alheio, nomeadamente nas bolas paradas. Wendie Renard, gigante em todos os sentidos, não foi servida como habitualmente.
Ainda não foi desta que Ana Capeta fez as pazes com a mulher que vê no espelho. A nove minutos dos 90, um erro das francesas colocou-a olhos nos olhos com Constance Picaud, a guarda-redes gaulesa. Ainda fora da área, mas com a senhora das luvas fora da baliza, Capeta tentou fazer uma chapelada, tocando de primeira. A bola parecia levar a dose perfeita, a direção desejada, o fado necessário. Mas não, roçou-se na rede lateral. Depois daquela bola no poste contra os Estados Unidos, que permitiria a Portugal seguir em frente no Mundial, e de outro remate no ferro na Supertaça contra o Benfica, Capeta volta a enfrentar as agruras da vida de uma avançada.
Na ressaca de alguns apuros, Hervé Renard, o selecionador francês que parece saído de Hollywood, festejou mais um golo e respirou fundo, tal como toda a gente naquele estádio em Valenciennes. Foi mais um ataque inflamado por Karchaoui, pela esquerda. A bola sobrou para Selma Bacha, à entrada da área, que sem oposição bateu na baliza com a canhota. Patrícia Morais tentou fazer o que tinha vindo a fazer até ali, mas foi impossível. Dois-zero, porque Sommer falhou um golo cantado (seria o 93.º pela seleção) perto do apito final, e assunto resolvido.
A seleção portuguesa volta a entrar em campo na terça-feira, em Barcelos, contra a Noruega (18h15, RTP), na segunda jornada do Grupo 2 da Liga das Nações. As norueguesas estrearam-se no torneio com um empate caseiro contra a Áustria, com um golo de Karina Saevik.