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Crónica de Jogo

Bombo não derrete cinismo

O FC Porto empurrou, nos derradeiros minutos, o Inter para a sua baliza, período em que enviou duas bolas aos ferros e viu outra ser sacada quase em cima da linha de golo. Depois do conservadorismo e da ausência de ideias, faltou a sorte (e os golos) num 0-0. Os campeões nacionais, que haviam perdido em Milão, estão fora da Liga dos Campeões

Hugo Tavares da Silva

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Arquivado o ultraconservadorismo que pontificou durante demasiado tempo, os futebolistas do FC Porto investiram contra o autocarro italiano, nos últimos minutos, como se não houvesse consciência (ou medo de cair). Afinal, o cinismo está vivo, provava esta noite no Dragão. Marcano experimentou a glória, mas Dumfries tirou a bola perto da linha de golo. A seguir, Taremi atirou ao poste. Na ressaca, Grujic cabeceou à barra. Havia homens fardados de azul e branco no chão, como soldados que lamentam uma tragédia qualquer. As cabeças ficavam entre as mãos, as gargantas soltavam desesperos. Ouviam-se os derradeiros suspiros da locomotiva que transportava os portistas pela Europa fora.

Sem Pepe, baixa de última hora, Otávio e João Mário, Conceição apostou em Fábio Cardoso, Pepê a lateral direito e um meio-campo com três homens – Marko Grujic, Mateus Uribe e Stephen Eustáquio. Rapidamente se percebeu que seria curto. O Inter estacionou num 5-3-2 e não se aborreceu muito com a posse de bola da equipa da casa. De vez em quando lá saíam num contra-ataque. O norte era Edin Dzeko, uma barbaridade de futebolista, que contava por perto com Lautaro Martínez, Henrikh Mkhitaryan, Hakan Çalhanoglu e Nicolò Barella. Não faltava qualidade na equipa de Simone Inzaghi, mas a estratégia e o calculismo puxaram o travão de mão do Inter.

O Porto precisava de contrariar essa postura mais defensiva e controladora com futebol. Não foi isso que aconteceu. O meio-campo não encontrava soluções criativas. Os defesas não encontravam os médios em posições vantajosas. Mehdi Taremi e Evanilson não combinam como antes, não se movem liquidamente como outrora. Pepê, o mais venenoso dos futebolistas do Olival, estava preso atrás. Wenderson Galeno era uma bomba-relógio que prometia dar cabo de Matteo Darmian. Conceição voltou a dizer, na véspera, que lhe dava sono ver equipas que trocam demasiados passes. Setenta, talvez tenha sido o número. O seu Porto foi isso, a bola circulava demasiado entre os defesas e Diogo Costa, que muitas vezes esticava na frente, dificultando a tarefa de abanar a teia dos italianos. A banda sonora à base de bombo, a tal com a qual Conceição explica o realismo do futebol, não parecia ser o caminho.

Uribe e Eustáquio foram os primeiros a ameaçar a baliza de André Onana. Um calcanhar mal calculado de Evanilson permitiu um contra-ataque mui transalpino do Inter. Dzeko bateu na baliza, mas o braço esquerdo de Costa negou o golo. O ritmo era baixo, baixíssimo. Não havia ideias, nem aquela voracidade que o Dragão já testemunhou tantas vezes. O Inter mantinha a toada mansa. A bola, lá está, era do FC Porto em 64% do tempo e a utilidade que lhe dava era suspeita. Apenas Pepê aquecia as almas que estavam no estádio, os mesmos que tiveram mais sorte do que outras centenas de pessoas que tiveram problemas com os bilhetes às portas do recinto.

Octavio Passos - UEFA

A segunda parte começou como a primeira: um remate de Uribe. Um tiro, talvez seja uma palavra mais adequada. O Porto entrou melhor. Havia mais ritmo, mais vontade de fazer diferente ou de criar mais problemas aos rapazes que vieram de Milão, que também não vivem à sombra da bananeira (duas derrotas nas últimas três jornadas). O miolo continuava a gemer de incapacidade, afinal os violinos fazem falta. Otávio faz falta como um copo de água fresco num dia tragicamente quente.

Depois de os caseiros acelerarem, o Inter voltou a baixar o volume, amansando as feras do outro lado e esbarrando normalmente no competente Fábio Cardoso. Pepê ia ganhando relevância. Romelu Lukaku, o carrasco do Giuseppe Meazza na primeira mão, entrou. Ouvia-se “Porto, Porto, Porto!”, num ato de esperança imensa. A mensagem maior partiu a seguir do banco: Conceição lançou Toni Martínez e André Franco, para reformar o meio-campo e dar-lhe mais qualidade. E a equipa cresceu.

Grujic voltou a ameaçar a baliza de Onana, que continuava impecável. Sérgio Conceição metia as mãos na cabeça. O treinador voltou a intervir, aos 85’, colocando Danny Namaso e Wendell. O jovem avançado meteu-se logo, qual serpente, entre três defesas italianos e sacou um cruzamento quase útil. Otávio desesperava na bancada. Conceição e os seus braços empurravam os seus rapazes para a frente. O autocarro do outro lado era deliberado. Talvez seja um exagero chamar os historiadores e dar conta de que o famoso catenaccio foi vislumbrado no relvado do Dragão. Talvez não.

Sucediam-se as ações na área do Inter, que parecia um garoto assustado ao pé de um gigante. Quase era possível comer às colheres a sensação de felicidade que estava por vir. Toni Martínez tentou respeitar o guião e magicou uma bicicleta, batendo tristemente nas orelhas da bola. O tempo era cada vez mais escasso. É quase deprimente concluir que o Porto poderia ter sido este Porto durante mais tempo. Na reta final, já no período de descontos, deram-se as três oportunidades mencionadas no arranque deste texto. Era um daqueles dias em que a fortuna nada queria com estes homens. É um fado perverso e atroz. A certeza disso chegou depois de uma má receção de Pepê desaguar numa falta e no segundo amarelo. Também Conceição, já com os olhos cheios de lamento, recebeu um cartão amarelo por protestos. Há noites assim e viagens pela Europa fora que acabam em noites assim.