Países Baixos-Senegal. Aqui há Gakpo (e Frenkie encontrou-o)
21.11.2022 às 18h28

Claudio Villa
A cinco minutos do fim, o marcador ainda bocejava com o 0-0, mas os neerlandeses acabaram mesmo por dar com a baliza de Mendy: Gakpo e Klassen fizeram os golos tardios para a equipa de Louis van Gaal. O Senegal, o campeão de África, foi corajoso e terá argumentos para lutar pelo apuramento para os oitavos. Frenkie de Jong, muito conhecedor do seu ofício, encheu o campo com rotações e correrias com bola. E passes, claro
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Eram cinco ou seis impecavelmente equipados à Senegal. Nas costas, o 3 e “Koulibaly”. Esperavam o clique da máquina fotográfica dos tempos modernos. Como moldura tinham o Estádio Al Thamama, inspirado no gahfiya, uma peça delicada que é usada na cabeça pelos homens e meninos do Catar e de outros países desta região.
– Vieram do Senegal?
– Sou de lá, mas nasci e vim de França.
– Como vai ser sem Sadio Mané?
– Vai ser bom.
– Ah, sim?
– Sim.
– Gostam do Koulibaly, hein?
– É meu irmão.
– Desculpa?
– É meu irmão.
– Irmão, irmão ou irmão de amigo?
– Irmão.
– A sério?
– A sério.
Esta última troca de palavras ficou um bocado em loop, roçando a fronteira do insulto. Apressado, foi a tempo de elogiar a seleção portuguesa e os jogadores portugueses. Disse alguns nomes. Depois lá se enfiou pelo Al Thamama adentro, que esperava o encontro entre os campeões de África, Senegal, e os Países Baixos.

As bancadas só ficaram realmente compostas muito perto do apito inicial. O espectáculo que o antecedeu foi tremendo, com luzes, fogo e música. Um troféu gigante da competição foi exibido. Ah, a festa planetária do futebol. Foi preciso chegar o intervalo para, hipnotizados pelo batuque que vinha das cadeiras senegalesas, observar um homem a caminhar naquelas passadeiras aéreas dos estádios. Deu para ser sovado leve e hipocritamente devido às indignidades e aos riscos que pressupõe todas estas ligações de ferro sob um infernal calor de verão que crava os dentes nos 50.º do termómetro.
Segundo o “The Guardian”, foram pelo menos 6.500 os trabalhadores migrantes que morreram enquanto construíam os estádios catarenses. Este, com capacidade para 40 mil pessoas (a organização indicou que foram 41,721 esta noite), é muitíssimo elegante e só não cheira a novo porque foi levado para longe pela aragem fria. Não se ouvem essas conversas desconfortáveis na rua.
Virgil van Dijk e Frenkie de Jong entraram à frente do pelotão para o aquecimento. Com Louis van Gaal, assistidos pelos antigos pupilos Edgar Davids e Danny Blind, que tinha o filho Daley em campo, a Holanda voltou ao antigo 5-3-2 que se desmonta noutra coisa. Não se jogar num tradicional 4-3-3 deu falatório naquele país, claro. Certo é que já não há os avançados de outros tempos, como Marc Overmars, Arjen Robben, Dennis Bergkamp, Patrick Kluivert, Robin van Persie ou Ruud van Nistelrooy.
Do outro lado, Édouard Mendy foi recebido como um Deus. Talvez seja só porque os africanos são mais ruidosos e poderosos nesta arte de fazer alguém levitar. Os outros 10 surgiram poucos segundos depois. Sem Sadio Mané, um futebolista que deixa Fary, a lenda de Beira-Mar e Boavista, a suspirar de orgulho. Foi a figura desta seleção no apuramento para o Mundial e na vitória na CAN, ambas contra o Egipto do então colega Mohamed Salah.
Os neerlandeses começaram com mais bola, pacientes atrás, com Virgil van Dijk e Matthijs de Ligt a ditarem os tempos. Frenkie enchia o campo e as correrias com bola são já, po restes dias, uma das maravilhas do Médio Oriente. Cody Gapko, solto à frente do jogador do Barcelona e de Steven Berghuis, não encontrava o espaço para ferir o campeão africano. Apesar de os senegaleses morderem bem, os de laranja fluorescente descobriam muitas vezes os espaços para sair da pressão, mas eram precipitados na frente, onde também mora menos talento. Vincent Janssen é muito útil a jogar de costas ou a ganhar bolas, mantendo-as jogáveis, mas está longe da fineza de outrora. O Senegal, por outro lado, por vezes aplicava a famosa pausa para deixar a equipa subir, mas viveu sobretudo dos desvarios românticos de Ismaila Sarr e Krépin Diatta pelas alas, que faziam os adeptos celebrarem um drible como as jogadas mais perigosas.

Koulibaly e Cissé
Stuart Franklin
Frenkie, que ia sendo Frenkie, tentou driblar uma % importante da população do Senegal na área de Mendy e deixou escapar um golo cantado. Nampalys Mendy era o jogador mais posicional do meio-campo dos que fardavam de branco, deixando aventuras mais ousadas para Idrissa Gueye e Cheikhou Kouyaté. Boulaye Dia, em quem depositam muitas esperanças, ia sendo inconsequente perante o gigante van Dijk.
Mas o jogo estava aberto. Havia bons toques na bola, muitos erros é certo, mas era tudo condimentado por lutas e duelos. Era um jogo leal de verdade, puro, sem qualquer calculismo. Faltou baliza. A segunda parte talvez tenha caído em qualidade. Memphis Depay acabou por entrar e agitar a serenidade dos defesas africanos mais pela presença do que pelo jogo (até aos descontos…).
Andries Noppert, que tem 28 anos e que se estreou esta noite pela seleção no 50.º jogo da carreira, ia negando algumas tentativas da equipa treinada por Aliou Cissé, o “melhor treinador de África”, segundo Fary. É, reza a lenda, um general cheio de regras e ideias, que esteve naquela participação divina em 2002, o ano da estreia do país nestas andanças mundiais.
O primeiro golo dos Países Baixos saiu exatamente de onde era suposto sair: da bota de Frenkie de Jong. No corredor esquerdo, o loirinho que gira como se não tivesse resistências e dúvidas no corpo, levantou a cabeça e cruzou para uma zona onde chove veneno dia sim, dia sim. Gakpo chegou finalmente da terra de ninguém e aproveitou aquela zona cinzenta e mágica cheia de oportunidades. O golo de cabeça, desviando de Mendy e encolhendo ombros perante eventuais choques, foi imparável e uma recompensa para o que havia sido criado na primeira parte. Foi preciso esperar 84 minutos para se verem as redes a dançarem ao ritmo da música que se tocava, embora não para aquela baliza. Já passava das 21h30 e aquela gente, sublime e tradicionalmente equipada, ainda tocava alegremente.
O árbitro deu 8 minutos de compensação, o que deixou a bancada feliz ou infeliz, não é certo. Já sem a feitiçaria pedonal de tempos idos de Fadiga, Diouf e Camara, o Senegal deixou bons indicadores e terá pela frente, em princípio, uma disputa interessante contra o Equador, que bateu o Catar no jogo inaugural deste Campeonato do Mundo. Já os neerlandeses são tidos como uns outsiders perigosos e quem sabe, maravilhados e maravilhando com os pés de Frenkie, possam imitar o que foi feito em 2010, 1978 e 1974.
O segundo golo dos Países Baixos saiu exatamente de onde era suposto sair: de uma aventura de Memphis Depay. A corrida pela direita culminou num remate com a canhota, que Mendy sacudiu para não muito longe. Davy Klassen não desperdiçou e acabou com as intenções alheias.