Antes da última chamada para o Catar, a seleção portuguesa tinha de, testando-se, encontrar caminhos para se convencer de que é realmente boa e de que pode fazer coisas belas no Campeonato do Mundo. Portugal, normalmente competitivo, adotou desta vez, contra um rival frágil e pouco mordaz, uma postura que não tem sido muito habitual. A bola foi rainha. Ou, melhor, a bola foi como uma fogueira, com muita gente à sua volta a dizer o que pensava e a contar o que levava no interior. As inúmeras vezes que a bola foi trocada de bota para bota, com viagens curtas e rápidas, colocaram o céu mais perto. Foi assim que os portugueses golearam a Nigéria, por 4-0, esta noite, em Alvalade.
Fernando Santos talvez tenha deixado algumas pistas para o que vai acontecer no Mundial. Com vários futebolistas a convergirem por dentro, a associarem-se, encantando a bola, cuidando dela, tratando-a como merece, qual preciosidade, os corredores ficaram para os laterais, com um senhor pedal e andamento. No ataque há mobilidade. William, mais posicional, teve Otávio por perto, Bernardo foi meio vagabundo, aparecia em todo o lado. Bruno Fernandes ia dando um toque na meia direita, aparecendo bem na zona de finalização. João Félix recuava para tocar e abria na esquerda. André Silva era mais referência, fazia eventualmente de Cristiano Ronaldo, ausente esta noite por uma gastroenterite.
Bruno Fernandes foi o primeiro a ameaçar, depois de uma boa investida de Bernardo pela direita. O golo aconteceu pouco depois, aos 9’, depois de Félix encontrar, com um passe sublime, a correria de Diogo Dalot pela direita. O lateral do Manchester United, numa forma interessante, fez a pausa, puxou para trás e cruzou para Bruno Fernandes, que encostou para o 1-0.
Do outro lado, a Nigéria era pouca agressiva e mordia mais com os olhos. Calvin Bassey ia criando alguns problemas pela esquerda. No miolo, Alex Iwobi ia tentando pegar nas escassas bolas que os africanos tinham. A seleção treinada por José Peseiro, algo apática, ia defendido com o bloco recuado, muitas vezes em 4-5-1. Simon Moses foi dos poucos que agitou. António Silva, em estreia absoluta pela seleção principal aos 19 anos, demonstrava uma postura tremenda, travando algumas investidas da equipa africana.

Octavio Passos
A equipa de Portugal, compacta defensivamente, esteve quase toda a um nível muito satisfatório, com exceção para Nuno Mendes, estranhamente perdedor nos duelos e dribles. O penálti para Portugal, aos 35’, foi convertido por Bruno Fernandes, que, com o seu saltinho com marca registada, facilmente enganou o guarda-redes, Francis Uzoho. A falta, a mão na bola, foi de Osayi-Samuel. O hat-trick de Bruno quase pingou antes do intervalo. O passe rasteiro e rasgador de João Félix, admiravelmente solidário e disponível para pegar na bola e descobrir espaços, foi excelente.
Os números ao intervalo comprovaram a sensação do que se havia testemunhado: 71% de posse de bola, com 367 passes contra 153, com 92% de acerto no passe para os portugueses. O carinho pela bola foi a melhor notícia desta noite, em Lisboa. A seguir, a capacidade finalizadora.
No descanso, Fernando Santos trocou Nuno Mendes, Rúben Dias, Bernardo Silva, Bruno Fernandes por Raphael Guerreiro, Pepe, João Mário e Vitinha. O ritmo caiu ainda mais, mas a bola continuava a preferir as botas dos jogadores que tinham a farda vermelha. Gonçalo Ramos também teve direito a jogar pela seleção A, entrou a pouco mais de 20 minutos do fim, e marcaria mesmo o seu golinho, a passe generoso de Guerreiro (3-0), com um toque fácil para a baliza deserta.
Pelo meio, Rui Patrício evitou um golo de Chukwueze, que superou facilmente António Silva, até aqui irrepreensível e surpreendentemente tranquilo e focado. O guarda-redes da Roma teve, aos 79’, a oportunidade de brilhar, parando um penálti de Emmanuel Dennis.
O carrossel lusitano continuava a exibir-se em Lisboa, talvez com menos veneno. João Félix continuava ativo e a tentar afligir a baliza nigeriana. João Mário, em grande forma no Benfica, fechou o marcador, 4-0, depois de uma jogada fluida e libidinosa entre João Mário, Raphael Guerreiro e o calcanhar de Gonçalo Ramos.
O apito final confirmou as tais pistas, talvez Fernando Santos queira definitivamente entupir o miolo com jogadores com um talento especial, sugerindo a mobilidade e a fluidez como como banda sonora. Portugal estreia-se no Mundial, no próximo dia 24 contra, contra o Gana.