Os monstros precisam de amigos. Não, não nos referimos a Manuel Cruz ou à discografia dos Ornatos Violeta, mas a Jasper Philipsen, o musculado velocista belga da Alpecin - Deceuninck, o sprinter que deixou para trás o rótulo de Jasper disaster para ser referência nas chegadas compactas. Em Sanremo, no monumento mais apetecível para especialistas versáteis como ele, o monstro teve um amigo.
Já na entrada do último quilómetro da Milão-Sanremo, a clássica que arrancou em 1907 e se confunde com a história do ciclismo desde os seus primórdios, Thomas Pidcock, o craque britânico da INEOS, estava isolado na frente. A qualidade do rei das descidas, associada à proximidade da meta, fez disparar os alarmes em quem perseguia.
Lá atrás, Mathieu Van der Poel, a épica feita corredor, uma epopeia em cima de duas rodas, já percebera que repetir a vitória de 2023 seria difícil. Havia um grupo relativamente numeroso e a discussão ao sprint com tanta gente não o beneficiaria. E o monstro foi amigo do monstro que precisava de amigos: o campeão do mundo colocou-se a perseguir Pidcok, qual locomotiva humana, rebocando carruagens de ciclistas atrás de si, tudo para benefício do seu colega da Alpecin.
A vantagem foi anulada, abrindo-se caminho a uma discussão para velocistas, uma raridade nos últimos tempos da Classicissima. Aí, Jasper entrou no terreno de Philipsen, músculos ativos, velocímetro no máximo, esticar de bicicleta no risco final. O triunfo foi dele, o 15.º belga a erguer os braços em Sanremo.
A Milão-Sanremo é o primeiro dos cinco monumentos da época do ciclismo. A ela seguem-se a Volta à Flandres e o Paris-Roubaix, no pavê, a Liège-Bastogne-Liège e a Lombardia. Durante mais de seis horas, o pelotão foi indo da Lombardia até perto da costa.
O maior interessado em evitar uma chegada ao sprint era Tadej Pogacar, o fenómeno da UAE-Emirates que precisava de uma corrida atacada nas dificuldades finais, a Cipressa e o Poggio, as colinas que ditam se, em Sanremo, há chegada compacta ou espaço para ousados atacantes.
A Emirates entrou na Cipressa mostrando a potência da jovem promessa Isaac del Toro. O mexicano conseguiu esticar o grupo, mas depois faltou continuidade ao trabalho. A corrida não foi endurecida, os velocistas não ficaram para trás. o final, Pogi lamentou que a jornada “não tenha sido muito dura”, apesar das “pernas incríveis” que apresentava. Tadej tentou, mas o trabalho coletivo não esteve lá.
No final do Poggio, quando a corrida se preparava para a descida final, o esloveno atacou duas vezes. Van der Poel, com uma facilidade assombrosa, foi sempre buscar o seu rival, um par de audazes ciclistas, pontas-de-lança da era dourada das bicicletas.
Fora do território Pogacar, a Milão-Sanremo entrou na zona Philipsen. Pidcock, maravilhoso outisder, tentou contrariar a lógica, mas Van der Poel quis que houvesse passagem de testemunho dentro da Alpecin. Jasper disaster é um monstro no sprint que teve no campeão do mundo um valioso amigo.
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